A China enfrenta uma série de desafios econômicos, sociais e políticos após a pandemia de Covid-19. A recuperação da segunda maior economia do mundo tem sido lenta e desigual, com setores como o consumo e os serviços ainda sofrendo os efeitos da política extremamente restritiva adotada pelo país durante a crise sanitária.
Além disso, a China tem enfrentado crescentes tensões com os Estados Unidos, a União Europeia e outros países sobre questões como o comércio, os direitos humanos, a segurança cibernética e a influência regional.
A seguir, apresentamos cinco pontos para o leitor entender melhor a natureza da atual crise chinesa.
A crise do setor imobiliário chinês
A China enfrenta já há algum tempo uma grave crise no seu setor imobiliário, que representa cerca de 25% do seu Produto Interno Bruto (PIB). A situação se agravou ainda mais este ano, após o pedido de falência da Evergrande, a segunda maior incorporadora imobiliária do país e a mais endividada do mundo (com uma dívida de mais de US$ 300 bilhões), nos EUA.
A Evergrande foi apenas a ponta do iceberg de um problema estrutural que afeta todo o mercado imobiliário chinês. Já há anos o setor vinha se expandindo de forma descontrolada, alimentado por créditos abundantes, especulação e demanda crescente. Em 2022, a revista americana Forbes estimou que a China tinha cerca de 65 milhões de residências vazias, o equivalente ao número total de residências na França e no Reino Unido somados.
Buscando conter a bolha imobiliária e reduzir o endividamento, o regime chinês endureceu em 2021 as condições de acesso ao crédito para o setor, o que resultou no corte de um importante canal de financiamento utilizado por empresas envolvidas na venda de novos imóveis.
A medida desencadeou uma onda de suspensão de pagamentos e protestos de compradores que não receberam seus imóveis, já que muitos ficaram inacabados pelo fato de as empresas não terem mais fundos suficientes para completar as obras. Os compradores também deixaram de pagar os empréstimos que haviam feito aos bancos até que as obras fossem retomadas.
A crise do setor imobiliário chinês ainda não foi superada e continua a ter impactos negativos sobre a economia do país. Por causa dela, a demanda por imóveis tem caído, assim como os preços e os lucros das empresas. A construção civil tem reduzido sua atividade e sua demanda por insumos, como o aço e o cimento.
O investimento no setor também tem desacelerado, o que acaba afetando a economia chinesa. Como resultado, o crescimento econômico do país, que em parte era puxado pelo setor, tem sido mais lento e desigual.
“A queda no setor imobiliário tem sido o principal canal pelo qual a desaceleração econômica da China se manifestou, uma vez que a indústria representava de 20 a 25% do PIB em seu auge. O lançamento de novas construções habitacionais caiu 57%, e o setor provavelmente permanecerá abaixo da metade do tamanho que tinha antes ao longo da próxima década”, afirmou Logan Wright, membro do think tank Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em uma mesa redonda divulgada pela entidade.
A desaceleração econômica
A desaceleração econômica na China já é evidenciada pelos dados econômicos recentes. No segundo trimestre desse ano, dados oficiais divulgados pelo regime chinês apontam que o país cresceu a uma taxa anual de 6,3%. Apesar desse número, o crescimento foi abaixo da média esperada por economistas, que estimavam um crescimento de 7% no segundo trimestre para o país.
No primeiro trimestre, que já acompanhou o crescimento do país sem as políticas restritivas adotadas contra a Covid-19 (encerradas em dezembro de 2022), a China cresceu 4,5%. O número foi maior do que o esperado por economistas, mas ainda assim abaixo dos níveis pré-pandêmicos.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) afirmou que sua expectativa é de que a China cresça 5,3% em 2023, um número extremamente baixo para os padrões do país se forem desconsiderados os anos atípicos de pandemia.
A desaceleração também é evidenciada pelo índice oficial de preços ao consumidor da China, que caiu 0,3% em julho em relação ao mesmo período do ano anterior, indicando deflação. A deflação é preocupante porque dificulta a redução da dívida do país e resulta em um crescimento mais lento.
Outro indicativo da desaceleração econômica é a fraca demanda interna, com os consumidores chineses demonstrando cautela em relação às perspectivas de renda e emprego, o que levou a uma queda nas vendas no varejo, como revelado pelos órgãos de estatísticas da China.
As exportações da China também enfrentam desafios em 2023, registrando uma queda significativa de 14,5% em julho em relação ao mesmo mês do ano anterior. Esse declínio superou as expectativas do mercado, que projetava uma queda de 12,5%, e representa o maior declínio desde o início da pandemia de Covid-19, em fevereiro de 2020. As importações também recuaram 12,4% em julho.
Além desses desafios econômicos, a China ainda sofre com os efeitos da política de "Covid Zero", que envolveu medidas rigorosas de contenção da pandemia, como lockdowns, testes em massa e restrições de viagens. Elas também tiveram impactos severos na economia do país asiático, o que inclui a redução do consumo interno e interrupções nas cadeias de abastecimento.
A taxa de crescimento anunciada pelo regime de Pequim, de cerca de 5% para 2023, é significativamente inferior à tendência pré-pandemia da economia, que foi em média de 7,7%.
Ao The Wall Street Journal, a Capital Economics, uma empresa de investigação econômica sediada em Londres, estimou que a tendência de crescimento da China cairá para cerca de 2% até 2030.
"Estamos testemunhando uma mudança de marcha naquilo que tem sido a trajetória mais dramática da história econômica", disse ao jornal americano Adam Tooze, professor de história e especialista em crises econômicas da Universidade de Columbia.
O alto índice de desemprego entre os jovens
Em agosto, o regime chinês decidiu suspender a divulgação de estatísticas oficiais sobre o desemprego entre jovens, após os números do último levantamento, divulgado em julho, terem apresentado uma taxa alarmante de 21,3% entre a população ativa com idades entre 16 e 24 anos. Essa foi a taxa mais alta desde 2018, ano em que Pequim começou a divulgar esses números.
Essa alta taxa de desemprego entre os jovens é atribuída principalmente à atual baixa na atividade dos setores imobiliário e tecnológico, que foram durante muito tempo fontes de emprego para jovens talentosos. Esses setores estão enfrentando problemas devido à crise imobiliária e à alta regulação do regime sobre empresas de tecnologia.
Os chineses que finalizam a formação superior estão enfrentando uma difícil realidade: após receberem o diploma, percebem que os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos não correspondem às atuais demandas do mercado de trabalho.
Além disso, estão com dificuldades para encontrar bons empregos e os preços exorbitantes das habitações estão minando suas esperanças de uma vida estável.
"Cada vez mais os graduados [chineses] estão ocupando cargos que não estão de acordo com sua formação e credenciais, para evitar o desemprego", disse Yao Lu, professor de sociologia na Universidade de Columbia, à emissora americana CNBC.
O desemprego entre os jovens não é apenas um problema social, mas também econômico. À medida que o setor tecnológico sofre restrições e as empresas reduzem contratações, a economia chinesa enfrenta desafios crescentes. Esse desemprego em massa pode prejudicar o consumo interno, minando ainda mais a recuperação econômica pós-pandemia.
O regime de Xi Jinping parece reconhecer a gravidade da situação, como evidenciado pelo recente corte nas taxas de juros pelo Banco Popular da China (o Banco Central do país), para que jovens possam ter maior acesso a empréstimos.
Além de esconder os dados sobre o desemprego entre os jovens, o regime chinês também passará a limitar o acesso a informações econômicas críticas, como dados empresariais, documentos judiciais e algumas revistas acadêmicas. Essas restrições dificultam a avaliação da economia chinesa por parte dos investidores, aumentando a incerteza nos mercados globais.
As tensões geopolíticas
As relações da China com muitos de seus parceiros comerciais e alguns vizinhos se deterioraram nos últimos anos devido a diversas disputas sobre o comércio, tecnologia, direitos humanos, reivindicações territoriais e influência regional.
Os Estados Unidos, que é um dos maiores parceiros comerciais e também um rival estratégico da China, impuseram tarifas, sanções e restrições a produtos, empresas e funcionários chineses devido a questões como roubo de propriedade intelectual, práticas comerciais desleais, ataques cibernéticos, autonomia de Hong Kong, repressão em Xinjiang e ameaças aTaiwan.
A China retaliou com medidas semelhantes e acusou os EUA de interferir em seus assuntos internos e conter seu crescimento. Os chineses também entraram em conflito com outros países, como Austrália, Canadá, Índia, Japão, Coreia do Sul e Vietnã, devido a barreiras comerciais, disputas diplomáticas, conflitos fronteiriços e disputas marítimas.
Essas tensões aumentaram os riscos de desacoplamento econômico (capacidade de uma economia crescer sem aumentar a pressão ambiental correspondente), confronto militar e instabilidade regional.
A alta dívida pública
A dívida dos governos locais na China é uma preocupação crescente. Nos últimos anos, essa dívida aumentou consideravelmente e atingiu cerca de US$ 8,2 trilhões em 2022. Isso aconteceu em parte devido a empréstimos não pagos feitos por empresas financiadas por governos locais, chamadas de Veículos de Financiamento do Governo Local (LGFV, na sigla em inglês).
As LGFVs desempenham um papel crucial na captação de recursos para financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento em nível local, como construção de estradas, edifícios e outras iniciativas.
Como têm o respaldo dos governos locais, se essas empresas não conseguem pagar seus empréstimos, são eles que tem que arcar com essas dívidas, o que acaba causando um endividamento em massa de muitas provinciais e cidades.
De acordo com a Bloomberg, essa situação de dívida das LGFVs está se tornando cada vez mais difícil de ser gerenciada na China. Cerca de metade das cidades que tiveram seus dados financeiros analisados estão tendo problemas para pagar os juros de suas dívidas geradas por empréstimos feitos pelas empresas. Isso ocorre porque as receitas fiscais desses governos locais diminuíram nos últimos anos, principalmente devido a cortes de impostos feitos pelo regime chinês em resposta à desaceleração econômica causada pela pandemia.
Embora as receitas fiscais tenham melhorado em 2023, as vendas de terrenos, que costumavam ser uma fonte importante de dinheiro para os governos locais, estão diminuindo devido à desaceleração do mercado imobiliário. Isso está deixando as cidades e províncias em uma situação financeira ainda mais complicada.
Essa crise de dívida local faz com que muitas cidades e províncias recorram a pedidos de socorro financeiro.
"A variável mais importante que terá impacto no crescimento econômico da China nos próximos dois anos será o sucesso ou o fracasso da reestruturação da dívida do governo local", disse à Bloomberg Logan Wright, diretor de pesquisa de mercados da China no Rhodium Group.
"Um colapso no investimento do governo local seria comparável ao impacto econômico da crise no mercado imobiliário", completou.
Esgotamento?
A China enfrenta nesse momento uma crise econômica que desafia o seu modelo de crescimento, que é baseado na exportação e no investimento e que lhe rendeu grandes avanços nas últimas décadas.
Apesar dos avanços e acertos no passado, o atual modelo econômico chinês começa a dar sinais claros de esgotamento.
Além dos fatores já citados, existem outros desafios que podem comprometer o futuro do país, como a forte intervenção do Estado sob a liderança de Xi Jinping sobre as empresas privadas, especialmente as do setor de tecnologia.
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