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Personalidade

A terceira idade de Bill Clinton

A mais nova empreitada do ex-presidente dos EUA é ajudar a esposa a se eleger

Sting: sem dom para as rimas | Arquivo Gazeta do Povo
Sting: sem dom para as rimas (Foto: Arquivo Gazeta do Povo)

Nova Iorque – Bill Clinton sempre teve problemas com despedidas. Numa das noites deste verão, ele tomou conta do palco em uma discoteca em Manhattan, onde vários jovens – que se identificavam de maneira confiante como os "filantrópicos do futuro" – se reuniam para dar apoio à instituição de caridade por ele presidida. Naturalmente, o ex-presidente dos EUA estava engolfado por adulações. Somente quando ele "passou a bola" para o pianista R&B John Legend, a multidão começou a ir para casa.

Presume-se que Clinton tenha sorrateiramente pego uma limusine que o aguardava atrás do palco e "escapado" para o seu próximo compromisso naquela noite. Entretanto, após a apresentação de Legend ter acabado, ele ressurgiu sob os holofotes, de bochechas e gravata cor-de-rosa, como se fosse um bom avô que desejava, aos que ainda permaneciam na platéia, um bom regresso aos seus lares .

Será que o político mais controverso dos tempos modernos não tem nada melhor a fazer ultimamente? Estaria o ex-presidente se entregando ao ar nostálgico da Presidência ou será que ele precisa de contato social como de oxigênio? Ou estaria Clinton "no batente" fazendo campanha, como fez a vida inteira, só que desta vez para a esposa? Qualquer uma das explicações parece muito convincente. Como diria o próprio Clinton – que até hoje não respondeu se sua Presidência foi um triunfo ou um desperdício trágico, e nem se realmente ama ou não a esposa Hillary –, a melhor resposta seria: todas as alternativas.

Clinton diz que tem sido uma pessoa diferente desde 2004, quando teve um susto com o coração, que foi operado. Em sua autobiografia de 957 páginas, ele fala sobre o pai que morreu antes dele nascer, deixando-o com um padrasto violento e com "o sentimento de que eu tinha que viver por duas pessoas, e que se eu fosse bem-sucedido, de alguma maneira eu poderia compensar a vida que ele poderia ter tido". É tentadora a idéia de concluir que Clinton tenha vivido duas vidas – uma como presidente e a outra como filantropo e estadista free-lance – e que uma terceira parece ainda está por vir no papel de "primeiro-marido" dos EUA, uma idéia que a cada dia se prova mais possível. Se Hillary, atualmente senadora de Nova Iorque, ganhar a presidência, seus amigos escoceses de quem gosta de debochar já decidiram que ele deve se chamar "primeiro-amiguinho".

"Eles provavelmente vão me dar um título ridículo e esnobe como Primeiro Cavalheiro, mas eu não me importo. Estou mais preocupado com o que me chamam do que como me chamam", ironiza.

Clinton foi a Londres para ser o anfitrião de um jantar para angariar fundos para sua esposa e para promover seu último livro, Giving, que usa a história de pessoas comuns que doaram seu tempo e dinheiro para argumentar que mudar o mundo não deve ser só preservar os milionários, bilionários e líderes mundiais que se reuniram no mês passado no Sheraton em Nova Iorque para a terceira edição da Clinton Global Initiative (CGI). Clinton parece ainda mais empolgado com os bilionários. "Achamos que arrecadamos mais do que o dobro do que conseguimos no passado", comentou. "Sabemos que já ultrapassamos os US$ 10 bilhões, e que o valor pode ser ainda quase o dobro disso", calculou.

A inteligência da CGI se baseia na maneira com que exige que seus freqüentadores façam compromissos sérios – as causas ambientais, o combate a aids, a luta contra a pobreza, etc – como condição de presença, criando assim uma "pressão amigável" entre as pessoas mais influentes do mundo. Ficar apenas no discurso não é tolerável, e não doar dinheiro faz com que essas pessoas sejam mal vistas. "É como se a coisa se auto-alimentasse", disse ele, antes de anunciar uma detalhada conta estatística sobre o crescimento de organizações não-governamentais na Rússia e na China.

Não podemos esquecer de mencionar, obviamente, que o livro – recheado de passagens louvando o trabalho filantrópico de Hillary – pode ser muito útil em sua campanha, que anda de vento em popa (uma pesquisa recente deu a ela 33% de diferença à frente de Barack Obama para a nomeação Democrata).

Clinton diz que "não, pois eu contratei, formulei e organizei tudo para escrever este livro muito antes de saber se a Hillary ia entrar na eleição para presidente ou não". Entretanto, ele nunca perde uma oportunidade de falar dela. "Ao contrário da imagem que se cultivou ao redor de minha esposa, ela sempre foi um tanto relutante para entrar na política. Quando nos conhecemos, há 36 anos, eu disse que ela teria que me abandonar, pois tinha que voltar para o Arkansas para entrar na política. Eu disse também que a considerava a pessoa mais talentosa da nossa geração e que era um desperdício horrível ela não ingressar na política. Ela riu e disse que jamais competiria por um escritório público. Ela disse: ‘Não é para mim… Eu nem sei se as pessoas votariam em mim. Eu sou sincera demais.’ É obvio que as coisas mudaram desde então".

A grande ironia sobre a fama internacional de Bill Clinton e a popularidade doméstica de Hillary é que elas se devem à péssima popularidade de George Bush. Não é necessário se ter muita inteligência para saber que Bush só está na cadeira de presidente graças aos deslizes de Clinton durante seu mandato, amedrontado com o Oriente Médio e o resto do mundo, sem falar do escândalo envolvendo Mônica Lewinsky, a estagiária da Casa Branca que revelou ter feito sexo oral com o presidente.

Clinton se recusa a criticar Bush em nível pessoal – ele constantemente lembra que gosta do pai do presidente, com quem levantou fundos após o furacão Katrina – mas isso não o impede de ter uma visão aguçada. "Existe uma conexão, acredito, entre quão bem Hillary está indo no momento e a preocupação dos norte-americanos com a posição que nosso país perdeu no mundo devido ao nosso unilateralismo excessivo – no Iraque, nas mudanças climáticas, na não-proliferação nuclear e na Corte Internacional de Crimes. O efeito coletivo disso foi enraivecer o mundo, no mesmo momento em que tivemos mais suporte mundial do que tivemos na História Contemporânea, tudo por causa do 11 de setembro. Foi uma reviravolta inacreditável", lamenta.

Pela primeira vez em sua experiência política, segundo Clinton, eleitores americanos de centros urbanos estão preocupados com a posição do país mundialmente. "O americano ‘padrão’ sabe instintivamente que quase não temos problemas com o mundo que não possamos resolver sozinhos", diz. Não é coincidência, argumenta o ex-presidente, que os únicos países onde a percepção dos EUA melhorou recentemente foi na África. Nesse continente, com o programa da aids de Bush, o trabalho de Clinton, Bill Gates e outros representam "muitos países vêem os EUA além do Iraque, Kyoto e o resto do unilateralismo".

Clinton afirma que Hillary lhe pediu para que, se eleita, concentre-se em esforços para reparar o dano internacional. "O que a Hillary disse é que, se for eleita, ela vai pedir a mim e a outros – incluindo ex-presidentes republicanos – para sairmos em busca da restauração da posição dos EUA. Vamos anunciar que a América está aberta e receptiva para negócios e cooperação mais uma vez", explica.

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