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Cerca separa Marrocos do enclave espanhol de Ceuta | KSENIA KULESHOVA/NYT
Cerca separa Marrocos do enclave espanhol de Ceuta| Foto: KSENIA KULESHOVA/NYT

Para a maioria dos migrantes da África, a última etapa de sua viagem à Europa envolve algum tipo de travessia marítima perigosa. Na fronteira de Ceuta, porém, há apenas uma cerca. 

Ceuta é uma das duas comunidades espanholas na costa norte do Marrocos, um dos únicos lugares onde a Europa tem fronteiras terrestres com a África. O outro enclave é a cidade de Melilla, mais a leste. 

Ali, tudo o que separa a Europa dos migrantes é uma cerca dupla – com seis metros de altura e coberta de arame farpado, que se estende pelos seis quilômetros da península e divide a pequena Ceuta do Marrocos –, além de 1.100 policiais federais e oficiais da Guarda Civil, uma força policial paramilitar, todos espanhóis. Eles patrulham um ponto de passagem que está sob crescente pressão. 

Novo caminho

Depois que o novo governo da Itália resolveu recusar os imigrantes, os esforços para chegar à Espanha mais do que quadruplicaram em 2018, tornando o país o destino principal da Europa para quem vem da África. Na semana que terminou em 12 de agosto, segundo a Organização Internacional para as Migrações, 1.419 migrantes chegaram à Espanha, 359 foram para a Itália e 527 se dirigiram à Grécia. 

A travessia para a Espanha, através do estreito de Gibraltar, no entanto, é mais perigosa do que as feitas por outras passagens marítimas, por causa das fortes correntes no local onde o Mar Mediterrâneo encontra o Atlântico. Até junho, 294 migrantes se afogaram no Mediterrâneo ocidental, em comparação com 224 em todo o ano de 2017 na mesma região. 

Isso fez com que a tentativa de cruzar a cerca fortemente vigiada de Ceuta se tornasse uma proposta cada vez mais atraente, uma maneira de entrar na Espanha sem atravessar a água. Em qualquer dia, jovens migrantes podem ser vistos rondando o lado marroquino à procura de uma oportunidade. 

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 Alguns nadam em torno das cercas nos locais onde elas encontram o mar. Outros fazem viagens de barco curtas e ilegais para Ceuta, a partir de Marrocos. Na maioria das vezes, porém, correm e escalam a cerca ou usam cortadores de arame para abrir buracos, são rapidamente percebidos por detectores de movimento e pelos guardas que ficam em torres de observação e em geral acabam espancados por policiais que dão socos e usam bastões. Salif, de 20 anos, de Camarões, contou que tentou cruzar a cerca dez vezes no ano passado, até que finalmente conseguiu na 11ª tentativa. 

Com frequência, as tentativas bem sucedidas são feitas pelo que os moradores locais chamam de mobbing", quando centenas de migrantes sobem na cerca ao mesmo tempo. O grupo de Salif fez isso em 6de junho, dia em que 400 jovens começaram a escalada ao nascer do sol. 

Dois ficaram gravemente feridos no arame farpado e foram hospitalizados em Ceuta. Oito pessoas, incluindo Salif, conseguiram atravessar e então foram autorizados a permanecer em um centro de recepção da cidade, aguardando a transferência para o continente. Lá, eles podem solicitar asilo, uma ação capaz de levar vários meses ou até anos. A maioria será recusada e o processo de deportação é lento e difícil. 

Apesar de as pessoas frequentemente se machucarem tentando cruzar a cerca, as mortes são raras. "A África está toda aqui", disse Salif, citando migrantes de Angola, Benin, Burkina Faso, Costa do Marfim, Nigéria, Senegal e até mesmo de Bangladesh e do Paquistão que conheceu. 

Eles continuam chegando

"Tentar impedir os imigrantes que vêm da África apenas com uma cerca é tão fantasioso quanto o garotinho holandês que salva seu país colocando o dedo no buraco de um dique", compara Leonard Doyle, porta-voz da Organização Internacional para as Migrações. 

De qualquer maneira, alguns procuram outros modos de contornar a cerca. Jalou Ayer, de 24 anos, imigrante de Conakry, na Guiné, disse que tentou atravessar a cerca oito vezes, até que finalmente pagou um traficante para levá-lo em um bote inflável. 

Em julho, o único centro de detenção de Ceuta, que foi projetado para estadias de curta duração, já contava com 800 moradores, 200 a mais do que sua capacidade, segundo os migrantes. Muitos deles contaram que estavam no local há mais de seis meses. 

E isso foi antes do 

mobbing

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Outro centro de migrantes para menores de idade conta com 90 moradores, embora tenha sido projetado para 60, de acordo com o relato de vários migrantes. A maioria é formada por adolescentes que tentam se esgueirar em balsas para o continente, onde esperam se juntar a membros da família ou criar um caso para o reagrupamento familiar. As leis europeias dificultam a deportação de menores. 

Como as políticas de detenção de Ceuta não são rígidas, os migrantes podem entrar e sair dos centros quando quiserem e são frequentemente vistos vagando pela cidade, embora não possam trabalhar.  "Alguns estão aqui há oito meses, outros, até um ano", contou Francisco, de 20 anos, do Senegal. Como outros migrantes, ele se recusou a dar seu nome completo por temer colocar em risco seu pedido de asilo. "As pessoas são gentis conosco aqui, mas não há nada a fazer senão esperar." 

Travessia congestionada

A única travessia terrestre do Marrocos para Ceuta fica constantemente congestionada com os viajantes que entram de modo legal e com muitos comerciantes marroquinos que aproveitam a pequena isenção de impostos do enclave espanhol. 

Assim que os visitantes chegam, o contraste com o Marrocos é impressionante. As ruas são muito arrumadas, com caminhões de limpeza trabalhando aparentemente o tempo todo. Os jardins e os parques públicos são bem cuidados, as plantas, sempre regadas. 

Faz bastante tempo que o Marrocos exige a custódia de Ceuta e de Melilla, mas a Espanha se recusa a entregá-las, afirmando que as cidades faziam parte da Espanha séculos antes de o Marrocos se tornar um Estado. "Estamos na Europa, não na África", explica Jacob Hachuel, porta-voz da cidade. "Mas nossa fronteira apresenta as maiores diferenças socioeconômicas entre os dois lados do que qualquer outra no mundo." 

Mistura cultural

Apesar da violência usada para impedir os esforços de atravessar a fronteira, assim que entram em Ceuta, os migrantes encontram um clima descontraído. Cerca de 40 a 50 por cento dos 84 mil residentes são muçulmanos de origem marroquina; a maioria dos demais é formada por cristãos espanhóis. Há também minorias de judeus e hindus na área de 18 quilômetros quadrados. 

Mesquita em Ceuta, enclave espanhol na costa do MarrocosKSENIA KULESHOVA/NYT

A comunidade judaica é a mais antiga da Espanha, tendo escapado da expulsão de judeus do resto do país em 1492. "É uma mistura de culturas e estamos acostumados a ter o outro em nosso meio", afirma Hachuel, que é judeu. 

A funcionária do governo Anna Villaban conta que os moradores de Ceuta têm orgulho de sua cidade, que recentemente organizou três festivais, comemorando o Ramadã para os muçulmanos, o Holi para os hindus e um santo local, San Antonio, para os cristãos. "Onde mais você veria isso?", pergunta. 

Nova tentativa de fuga

A maioria dos migrantes que chega a Ceuta, no entanto, não quer ficar aqui e espera obter permissão para viajar ao continente espanhol, onde sonha encontrar empregos ou atravessar as fronteiras abertas para outros lugares da Europa. Muitas vezes, essa permissão leva meses para chegar. 

Como resultado, muitos dos que entram em Ceuta logo fazem outra tentativa de fuga, dessa vez para a Espanha continental. Assad Nowdi, de 16 anos, marroquino que está em Ceuta há três meses, afirma que vai ao centro para migrantes menores de idade para fazer suas refeições e ocasionalmente para ter uma boa noite de sono, mas geralmente dorme nas rachaduras entre os blocos de pedra gigantes empilhados em um cais perto do porto. 

À noite, ele e seus amigos muitas vezes tentam nadar até uma balsa que tem como destino a Europa. "Vamos continuar tentando. Algum dia, chegaremos lá." 

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