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| Foto: TB/YJ/JORGE SILVA

A torneira na casa de Yajaira Espinoza, cabeleireira, de 55 anos, só tem água uma vez a cada duas semanas. A água sai amarela. Sua filha de 8 meses de idade está doente. Enquanto ela segue pelos corredores do Hospital Universitário de Caracas, há casos de zika evidentes nas salas ao seu redor, e um “smog” denso e cheio de cinzas engole a cidade.

“Sinto muita pena da minha filha, porque eu sei que ela sofre calada”, ela diz. “A situação está difícil”. Este ano foi excepcionalmente doloroso para os venezuelanos, que vêm sofrendo com crimes violentos, faltas crônicas de bens básicos, a queda do valor do petróleo, do qual depende sua economia, uma crise na saúde e um governo fraturado. Porém, nesta última semana, o país parece ter chegado ao seu ponto mais baixo. Um tipo de sofrimento resignado se estende pela cidade que já foi, no passado, invejada por toda a América Latina.

Uma combinação súbita de desastres naturais se somou a fracassos humanos. O “smog”, conhecido na Venezuela como “calima”, é um fenômeno meteorológico que envolve cinzas e nuvens de poeira e é razoavelmente comum nesta época do ano. Ao mesmo tempo, com ele veio uma seca prolongada, obra do El Niño e dos incêndios florestais relacionados a ele. Os níveis da represa de Guri, no sul, que produz 40% da eletricidade do país, estão baixíssimos, como nunca antes.

A falta de ordem pública significa que as tentativas para aliviar os problemas estão indo mal. O roubo dos caminhões-pipa, por exemplo, despachados para ajudar a reduzir o sofrimento causado pela seca, já se tornou rotina. “Duas ou três vezes por semana, um caminhão-pipa que nós mandamos acaba sendo roubado”, disse Tatiana Noguera, uma oficial de recursos hídricos. “As gangues abordam os caminhões e obrigam o motorista a mudar de rota e a descarregar a água numa área que elas controlam”.

Mais de 3.700 casos de doenças respiratórias relacionadas à calima foram relatados nos centros de saúde pública em Caracas desde março, diz o Dr. Miguel Viscuna, epidemiólogo. Medicamentos – assim como papel higiênico, frango e outros bens básicos – vêm se tornando cada vez mais difíceis de se encontrar.

“A água tem saído bem amarela, de qualidade péssima”, disse Ana Carvajal, especialista em doenças infecciosas no Hospital Universitário de Caracas. “Temos visto um surto de doenças diferentes, especialmente diarreia. A falta de água limpa tem causado problemas de pele como sarna e foliculite. Não temos medicamentos. Tudo que podemos fazer é prescrever sabão de enxofre”.

Kiomara Scovino, a presidente de um conselho comunitário na zona leste de Caracas, diz já ter visto doenças gastrointestinais causadas pela água e problemas respiratórios por conta da calima.

Luis Felipe Pedroso, um taxista de 59 anos, afirma estar tendo problemas para dormir por conta da dor de garganta, a irritação e o congestionamento das vias áreas causado pelas nuvens de calima. Seu bairro tem água três dias por semana.

“Nos dias que tem água, é só por algumas poucas horas e ela vem muito suja”, ele disse. “É inacreditável. O governo não tomou qualquer medida para resolver esses problemas”.

No começo do mês, o presidente Nicolas Maduro anunciou um plano de 60 dias para economizar eletricidade, ao declarar todas as sextas-feiras de abril e maio como feriado para os funcionários públicos. Na última quinta-feira, ele disse que este fim de semana seria de 5 dias para funcionários públicos e que ele iria alterar o fuso horário do país para diminuir o consumo de eletricidade dos shoppings.

O problema do fuso horário tem sido uma peculiaridade da Venezuela desde 2007, quando o presidente anterior, Hugo Chavez, atrasou os relógios em meia hora com a intenção de permitir que as crianças voltassem da escola para casa enquanto ainda é dia. Um dos resultados disso, porém, é que as pessoas precisam de sair de casa de manhã enquanto ainda é escuro, aumentando o consumo diário de energia e a criminalidade.

“Este plano de 60 dias, para dois meses, permitirá que o país aguente este que é o período mais difícil e com os maiores riscos”, disse Maduro.

Em 2015, a economia da Venezuela – que depende em sua maior parte da venda de petróleo – encolheu 5,7% e espera-se que encolha outros 8% adicionais ainda este ano, segundo o FMI. A moeda perdeu 98% do seu valor no mercado negro desde que Maduro assumiu o poder em 2013. Estima-se que a inflação possa chegar a 500%.

Tudo isso afetou muito a popularidade de Maduro. Seus oponentes tiveram uma vitória imensa nas eleições legislativas de dezembro. Mas quase todas as tentativas da nova legislatura de conduzir o país a novas direções foram vetadas por Maduro e por uma Suprema Corte que ele indicou logo após as eleições.

“Nós votamos e vencemos”, disse Mendoza, cabeleireira, tentando conter as lágrimas. “Mas agora vemos que foi tudo por nada”.

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