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Em 2013, o nome do cardeal Timothy Dolan, arcebispo de Nova York, circulava com força nos bastidores do Vaticano como um dos possíveis sucessores de Bento XVI. Com seu carisma midiático, domínio da comunicação e liderança em uma das arquidioceses mais influentes do mundo, Dolan chegou a ser apontado por analistas como um papabile consolidado. Sandro Magister, um veterano vaticanista italiano, o descreveu como um "homem de 63 anos com um sorriso radiante" e que seria capaz de combinar firmeza administrativa com alegria pastoral. Doze anos depois, o cenário mudou — e seu nome praticamente desapareceu das especulações em torno da sucessão de Francisco.
Há várias razões que ajudam a explicar por que o americano está mais apagado dessa vez. Ele está mais velho (75) e a composição do Colégio Cardinalício mudou muito no último pontificado, mas entre os pontos mais delicados para a imagem de Dolan no cenário eclesial global estaria sua relação com o presidente Donald Trump. Embora nunca tenha declarado apoio explícito, Dolan fez o discurso da posse de Trump no início de seus dois mandatos, participou de vários eventos oficiais da presidência no primeiro e em mais de uma ocasião teceu elogios à postura religiosa do líder norte-americano. “Acredito no presidente Trump e acredito que a fé está se tornando mais fervorosa nos Estados Unidos”, afirmou em 2017, ao justificar sua oração na cerimônia de posse do magnata.
Recentemente, questionado sobre quem deveria assumir o trono de Pedro, Trump disse, brincando, que “gostaria de ser papa”, mas completou afirmando que o cardeal de Nova York “é muito bom”.
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Para muitos observadores dentro e fora da Igreja, esse grau de proximidade passou a soar como uma forma de legitimação de um líder político profundamente polarizador, cujas opiniões sobre temas sensíveis para a doutrina social da Igreja - como a acolhida a imigrantes - são bastante controversas. Além disso, o fato desse líder estar à frente da principal potência econômica e militar do planeta fragilizaria as possibilidades de ação diplomática que são inerentes ao pontificado moderno.
A recente repercussão de uma imagem gerada por inteligência artificial, em que Trump aparecia vestido como papa após a morte de Francisco, reacendeu críticas sobre esse vínculo. Dolan, ao ser questionado, respondeu que a imagem “não foi boa” e a descreveu como uma brutta figura, expressão italiana usada para expressar reprovação. A reação, no entanto, foi considerada branda por setores que esperavam uma condenação mais enfática do uso político e impróprio de símbolos da Igreja.
“Americano demais”
Além da associação com Trump, pesa contra Dolan uma crítica mais cultural: a de que ele seria “americano demais” para ser papa. A expressão, usada por vaticanistas como John Allen Jr., não se refere apenas à sua nacionalidade, mas a um conjunto de características associadas à cultura eclesial dos Estados Unidos: pragmatismo, institucionalismo, forte presença midiática e uma liderança centrada na figura do bispo como gestor. Tudo isso somado à sua personalidade exuberante seria demais para a sensibilidade dos numerosos novos cardeais provenientes do leste do mundo.
Em entrevista à revista italiana 30 Giorni, Dolan resumiu a tensão entre identidade nacional e fé universal: “O ponto principal na história da Igreja Católica nos Estados Unidos é como ser um bom católico e um patriota americano”. Para o público norte-americano - e especialmente para os milhares de seguidores que o cardeal tem nas redes sociais - essa frase ecoa o ideal de integração entre fé e cidadania. No entanto, em um conclave internacional, ela pode ser lida como indício de uma eclesiologia excessivamente nacionalizada — o oposto da visão universal que a Igreja parece buscar no século XXI.
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