
Há 20 anos, chefes de Estado e de governo dos países europeus assinaram, na pequena cidade holandesa de Maastricht, o tratado que criou a União Europeia (UE). Mergulhada em sua primeira grave crise econômica regional, a União Europeia preferiu não celebrar a data, que passou quase despercebida em 7 de fevereiro.
O objetivo do tratado para os 12 países que faziam parte da Comunidade Econômica Europeia de então hoje são 27 países na UE era de que o bloco evoluísse de uma zona de livre comércio para uma união política, substituindo a antiga Comunidade Econômica Europeia (CEE), criada em Roma em 1961.
Apesar da crise da dívida soberana na região já durar quase três anos e ter se espalhado para várias economias centrais da Europa, exigindo uma reação coordenada do bloco, analistas em relações internacionais consideram a criação do bloco europeu um sucesso econômico e comercial. É no aspecto político, alertam, que a UE precisará resolver suas questões mais importantes para continuar a ter um papel de protagonista no cenário mundial hoje, disputado com os Brics e os chamados "emergentes", principalmente os asiáticos.
Encruzilhada
Herdeira da CEE e também da remota Comunidade Europeia do Carvão e do Aço criada em 1951 pelo diplomata francês Jean Marie Monnet, que começou a unir as economias da França, Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo (até hoje, o "coração econômico" do bloco) a UE está em nova encruzilhada.
No dia 7, enquanto a data era ignorada na maior parte do continente europeu, em Atenas manifestantes gregos queimavam a bandeira da Alemanha em frente do Parlamento da Grécia eles protestavam contra as novas medidas de austeridade, exigidas pela UE, pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para liberar o pacote de 130 bilhões de euros que salvaria a Grécia da moratória. O sonho de Monnet, que era construir uma Europa solidária e próspera, parecia correr perigo.
"Entre 1992 e 1999, houve prosperidade e encantamento. Foi por isso que o euro, a moeda comum, entrou em circulação em 2000. A segunda fase ocorreu a partir de 2001 e representou um refluxo no projeto europeu de integração. Além do reaparecimento do terrorismo, cresceu a xenofobia e aumentaram os custos para manter o euro e a burocracia. Em 2008, veio a recessão, mas isso é cíclico e acredito que mudará. A Europa já atravessou vários desses ciclos desde 1951", afirma a professora Cristina Pecequilo, especialista em Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Para a professora Cristina Helena Pinto de Mello, especialista em Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo, a UE está atravessando mais uma transição, que poderá levar vários anos. "Eles têm consciência de que as reformas são necessárias e que ficarão estagnados, com baixo crescimento econômico, por uns dez anos", acredita. "Mas não vejo nenhuma fragilidade na UE. Eles afirmam que seus mecanismos institucionais são fortes e que o problema fiscal por que atravessam atualmente está mais concentrado na Grécia", avalia.
Cristina Pecequilo é ainda mais enfática: "A UE não é um fracasso e eu também discordo que o euro seja. A grande questão da Europa é política. Se ela não for resolvida, a política econômica será questionada. O futuro da UE será definido nos próximos cinco a dez anos", afirma a professora da Unifesp. O problema político, explica, decorre do fato de que atualmente talvez apenas a Alemanha tenha a UE como projeto nacional central. "Para outros países, o projeto europeu é questionado." Mesmo assim, ela acredita que o bloco pode até não avançar, mas não retrocederá.
Recuperação
As duas especialistas concordam que a recuperação econômica vai levar mais tempo do que se espera, o que poderá aumentar os atritos entre os 27 países. "Hoje existe a volta de um discurso mais conservador, de direita mesmo, no qual os países buscam soluções mais nacionais que pan-europeias. Existe a situação da Inglaterra, que é própria dentro do bloco. Os países estão pensando mais como nações do que como bloco", diz Cristina.
Embora tenha entrado no bloco em 1973, a Grã-Bretanha não aderiu ao Acordo de Schengen, de 1985 (bem como a Irlanda) e mais tarde, na década de 2000, nem cogitou em abandonar sua moeda, a libra, e usar o euro. Na reunião de cúpula da União Europeia realizada no começo de dezembro de 2011, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, vetou a participação do Reino Unido no pacto fiscal proposto para o bloco. O pacto, defendido pela chanceler alemã Angela Merkel e pelo presidente francês Nicolas Sarkozy como uma medida crucial para evitar crises futuras na região, prevê penalidades e regras mais rígidas para casos de descumprimento do teto do déficit orçamentário de 3% do PIB pelos países membros.
Para Pecequilo, a crise atual é passageira, como no começo dos anos 1970, quando ocorreu a primeira crise do petróleo e a Grã-Bretanha hesitava em aderir ao bloco. "Não passa pela cabeça de ninguém, nem mesmo dos gregos, abandonar o bloco. A Europa como um todo vai sair da crise e comemorar com champanhe", diz a professora Cristina Helena de Mello.



