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Desde a Segunda Guerra Mundial, juízes do mundo todo confiam nas decisões da Suprema Corte dos EUA para orientações, citando e muitas vezes as seguindo em centenas de determinações deles próprios.

Hoje, no entanto, a influência legal dos Estados Unidos está minguando. Mesmo com contínuos debates no tribunal sobre se suas decisões deveriam citar leis estrangeiras, um número cada vez menor de tribunais estrangeiros parece estar dando atenção às sentenças da justiça americana.

"Um dos nossos principais produtos de exportação era a lei constitucional", disse Anne-Marie Slaughter, reitora da Woodrow Wilson School of Public and International Affairs em Princeton. "Estamos perdendo um das maiores posições de influência que já tivemos".

De 1990 até 2002, por exemplo, o Supremo Tribunal Canadense citou decisões da Suprema Corte cerca de doze vezes por ano, segundo análise do "New York Times". Nos últimos seis anos, a citação anual caiu pela metade, para cerca de seis.

Supremos Tribunais da Austrália citaram as decisões americanas 208 vezes em 1995, segundo um estudo recente realizado por Russell Smyth, economista australiano. Até 2005, o número havia caído para 72.

A história se repete mundo afora, afirmam especialistas, particularmente em casos envolvendo direitos humanos. Hoje em dia, tribunais estrangeiros em democracias em desenvolvimento geralmente citam as leis da Corte Européia de Direitos Humanos em casos relacionados à igualdade, liberdade e proibições contra tratamentos cruéis, disse Harold Hongju Koh, reitor da Yale Law School. Nessas regiões, afirmou Koh, "eles tendem a não recorrer às leis do Supremo Tribunal dos Estados Unidos".

O surgimento de novas e sofisticadas cortes constitucionais em outros países é uma das razões para a diminuição do poder de influência do Supremo Tribunal, afirmam especialistas em direito. Além disso, as novas cortes são geralmente mais liberais do que os recentes Supremos Tribunais e, por essa razão, mais inclinadas a citarem umas as outras.

Reputação

Outra razão é a diminuição da reputação dos Estados Unidos em algumas partes do mundo, o que especialistas aqui e no exterior afirmam ser em parte conseqüência da impopularidade da administração Bush ao redor do mundo. Tribunais estrangeiros estão menos aptos a justificar suas decisões junto ao público local com citações de casos originados em um país impopular.

"Não é de se surpreender, considerando nossa política externa na última década, que a influência americana esteja declinando", disse Thomas Ginsbur, que ensina direito internacional e comparado na Universidade de Chicago.

A oposição inflexível de alguns Supremos Tribunais de Justiça à citação de leis estrangeiras em seus pareceres também tem um papel importante, afirmam alguns juízes estrangeiros.

"A maioria dos juízes das Supremas Cortes dos Estados Unidos não cita casos legais estrangeiros em seus julgamentos", escreveu Aharon Barak, o então chefe do Supremo Tribunal de Israel, em um Harvard Law Review em 2002. "Eles deixam de usar uma importante fonte de inspiração, que enriquece o pensamento jurídico, faz a lei ser mais criativa, e fortalece laços democráticos e as bases de sistemas jurídicos diferentes."

Parcialmente como conseqüência, Barak escreveu, o Supremo Tribunal dos Estados Undidos "está perdendo o papel central que já teve entre tribunais em democracias modernas".

O juiz Michael Kirby do Supremo Tribunal da Austrália disse que seu tribunal não se limita mais a considerar somente a legislação inglesa, canadense e americana. "Agora nós obtemos informações do Supremo Tribunal da Índia, ou do Tribunal de Apelação da Nova Zelândia, ou da Corte Constitucional da África do Sul", disse ele, em uma entrevista publicada em 2001 no The Green Bag, um jornal jurídico. "Os Estados Unidos", acrescentou, "sofrem o risco de se tornar algo como a periferia do mundo jurídico".

As inovações características do sistema legal americano – Constituição escrita, Declaração dos Direitos dos Cidadãos protegendo liberdades individuais e um judiciário independente com o poder de anular a legislação – têm sido conscientemente imitadas em grande parte do mundo. E a lei constitucional americana tem sido citada e discutida em inúmeras decisões nos tribunais na Austrália, Canadá, Alemanha, Índia, Israel, Japão, Nova Zelândia, África do Sul e outros países.

Em uma decisão de 1996 anulando uma lei que tornava crime a posse de pornografia, por exemplo, a Corte Constitucional da África do Sul conduziu uma ampla pesquisa da jurisprudência da Primeira Emenda Americana, citando cerca de 40 decisões do Supremo Tribunal Americano.

Mandar idéias americanas sobre a regência da lei para o exterior há tempos traz orgulho aos americanos. "A Suprema Corte dos Estados Unidos é a corte constitucional mais antiga do mundo – e a mais respeitada, a mais legítima", disse Charles Fried, professor de direito em Harvard que trabalhou como procurador geral na administração Reagan.

Mas está havendo hoje um debate intenso e crescente sobre se essa influência seria uma via de mão única.

Influência

A juíza Sandra Day O'Connor, em um discurso antes de sua aposentadoria da Suprema Corte, defende tanto o receber quanto o dar.

"Acho que, com o tempo, iremos depender cada vez mais da lei internacional e estrangeira para resolver o que hoje parece ser problemas domésticos", disse O'Connor. "Ao fazê-lo, vamos enriquecer não só as decisões do nosso próprio país; isso criará aquela boa impressão, tão importante. Quando tribunais americanos são vistos como conhecedores de outros sistemas judiciais, nossa capacidade de agir como modelo de domínio da lei para outros países será aumentada".

Muitos juízes e acadêmicos do direito nos Estados Unidos afirmam que considerar precedentes legais estrangeiros nas decisões judiciais americanas é ilegítimo, e que não pode haver nenhum diálogo transnacional sobre a interpretação da Constituição americana.

A Constituição deveria ser interpretada segundo seu significado original, disse John O. McGinnis, professor de direito em Northwestern, e decisões recentes, sejam estrangeiras ou domésticas, não ajudam. Além disso, disse McGinnis, decisões que aplicam leis estrangeiras a circunstâncias estrangeiras não são instrutivas para cortes americanas.

"Pode ser bom em seus países", ele disse. "Não existe razão para crer necessariamente que isso é bom para nosso país".

Em qualquer evento, disse Eric Posner, professor de direito da Universidade de Chicago, muitos americanos são profundamente desconfiados em relação a leis estrangeiras.

"Estamos acostumados a incentivar outros países a adotar normas constitucionais americanas", escreveu Posner em um ensaio mês passado, "mas nunca aceitamos a idéia de que deveríamos adotar as deles".

"É um excepcionalismo americano", acrescentou Posner, em entrevista. "A visão, voltando 200 anos na história, é que nós fomos pioneiros e as pessoas deveriam seguir nosso exemplo". Em suas audiências de confirmação, o chefe dos juízes John G. Roberts Jr. e o juiz Samuel A. Alito Jr. indicaram que são contra à citação de leis estrangeiras em casos constitucionais. Roberts observou que juízes estrangeiros não são responsáveis pelo povo americano e disse que permitir o uso de precedentes estrangeiros transpunha os critérios jurídicos.

"Lei estrangeira: você encontra o que quiser nela", disse Roberts. "Recorrer a leis estrangeiras para apoio é como ver uma multidão e escolher seus amigos".

Mudança

A mudança em direção à direita da Suprema Corte pode ser em parte responsável pela diminuição da sua influência. Além disso, a tendência lá fora é em direção a decisões claramente liberais em áreas como pena de morte e direitos dos homossexuais. "O que tivemos nos últimos 20 ou 30 anos", afirmou o professor Fried, "é uma enorme reviravolta nos judiciários em todos os lugares – a Corte Européia dos Direitos Humanos, Canadá, África do Sul, Israel". Em termos de ativismo judicial, disse, "eles nos ultrapassaram".

Há vinte anos, disse Anthony Lester, advogado britânico, as decisões significativas do Supremo Tribunal eram "estudadas com a mesma atenção em Nova Déli ou Estrasburgo quanto em Washington".

Isso se deve em parte pelo fato de documentos legais fundamentais em muitas das democracias que lideram o mundo hoje serem bem recentes. A Constituição Indiana foi adotada em 1049, a Carta Canadense dos Direitos e das Liberdades em 1982, a Declaração dos Direitos da Nova Zelândia em 1990 e a Constituição Sul-Africana em 1996. Todos eles foram inspirados em princípios constitucionais americanos.

Particularmente no começo, tribunais nesses países se baseavam na jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal americano, por dois motivos: porque era relevante e porque essencialmente era a única alternativa disponível. Mas à medida que cortes constitucionais ao redor do mundo desenvolveram seus próprios precedentes e deram início a uma conversa judicial internacional, a influência americana despencou.

A abertura de alguns sistemas legais a leis estrangeiras se reflete em suas constituições. A Constituição Sul-Africana, por exemplo, afirma que cortes que interpretam sua declaração de direitos "devem considerar as leis internacionais" e "podem considerar leis estrangeiras". As constituições da Índia e da Espanha têm disposições similares.

Muitos acadêmicos do direito destacaram o Supremo Tribunal Canadense e a Corte Constitucional da África do Sul como cada vez mais influentes.

"Em parte, a influência deles pode vir do simples fato de não serem americanos", escreveu a reitora Slaughter em um ensaio em 2005, "o que faz com que o pensamento deles seja mais agradável politicamente para o público doméstico em uma época de poder militar, político, econômico e cultural extraordinário dos Estados Unidos, e os ressentimentos que o acompanham".

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