A entrada em vigor neste fim de semana da lei sobre segurança da imigração, do premier Silvio Berlusconi, pode levar a crer que o clima anti-imigração vinha crescendo na Europa para só agora explodir em atitudes xenófobas como a italiana, que criminaliza a imigração ilegal e torna obrigatório a funcionários públicos denunciar os sem-registro.
A securitização da imigração ou a redução do imigrante a caso de polícia cresce no continente desde o 11 de setembro, como salienta o livro de ensaios Imigração, Integração e Segurança: América e Europa em Perspectiva Comparativa, organizado por Ariane Chebel dAppollonia e Simon Reich.
Mas estudiosos europeanistas salientam que o crescimento da xenofobia remonta à década de 80. Foi quando o desemprego atingiu as primeiras levas de imigrantes, que chegaram nos anos 50 a convite da própria Europa, vindas principalmente da África e do Oriente Médio para suprir a falta de mão de obra na reconstrução do pós-guerra. "Eles frequentemente ficavam isolados entre si, nos alojamentos das fábricas. Na época, os europeus eram indiferentes a eles", diz o professor de história contemporânea da Universidade de Brasília (UnB), Estevão de Rezende Martins.
Com os anos 70 vieram as duas crises do petróleo e as dificuldades econômicas. A consequência foi o surgimento do discurso xenófobo da extrema direita de que imigrantes roubam emprego, o que começa já nos anos 80. "A discriminação resultante é contra estrangeiros, não contra raça ou religião", explica Martins. Foi quando os imigrantes passaram a formar seus guetos, criando "vários países dentro de um mesmo país".
Com o fim da União Soviética, houve um fator complicador: a chegada de imigrantes do Leste Europeu à Europa Ocidental. Como nas décadas anteriores, foram em busca de emprego. "A reação é o surgimento de neonazistas", diz a professora de geopolítica do Curso Positivo, Luciana Worms.
Ela lembra que muitos imigrantes chegados nesta época eram muçulmanos (de países como Casaquistão e Turcomenistão), religião que em séculos anteriores coexistiu com os europeus, mas acabou identificada com o fundamentalismo antiocidental após o 11 de Setembro de 2001.
Essa associação ficou mais crítica com o envio de tropas inglesas, alemãs, dinamarquesas, entre outras, para combater o Taleban no Afeganistão, e com a participação europeia na invasão americana ao Iraque. Surge o discurso de "vocês matam os nossos", cresce o antiamericanismo e a contrariedade a todos os países que apoiam as guerras de George W. Bush. "Muitos árabes e turcos se colocam até mesmo contra os governos de seus países por apoiarem os EUA", diz Luciana.
Revolta teen
Entre 2004 e 2005, quando ocorreram os ataques à bomba aos metrôs de Madri e Londres, respectivamente, esse sentimento de oposição se intensificou. E ficou muito exposto entre 27 de outubro e 8 de novembro de 2005, quando estudantes de origem estrangeira incendiaram carros na periferia de Paris para protestar contra a morte de dois estudantes.
Foi quando ficou claro que o problema não são os primeiros imigrantes, que estão satisfeitos. "Mesmo sabendo que foram discriminados, eles não querem confusão. Mas os filhos de imigrantes clandestinos recentes sim, criam situação de conflito onde fique todo mundo constrangido e o governo se veja forçado a quebrar o galho e conceder documentos", diz Martins.
A antropóloga da UnB Ana Lúcia Valente fazia um pós-doutorado na Bélgica em 1995 quando a escola do filho de 13 anos sugeriu que ele não teria competência para passar de ano. "Ele sofreu preconceito. Dá para entender por que jovens imigrantes reagiram daquela maneira na França, depois de sofrer preconceito por muito tempo", diz.
Outro ponto que alimenta a bola de neve da xenofobia é a cultura incendiária do fundamentalismo islâmico. "Há países árabes, como a Arábia Saudita e parte da Argélia e do Irã que treinam imãs (autoridades religiosas do islamismo xiita) para enviá-los a comunidades europeias. O objetivo é que preguem nas mesquitas para botar fogo no circo. Eles estimulam reações violentas, manifestações brutas e desobediência a leis", diz Martins. Segundo ele, a Europa já vem negando vistos a pessoas com esse perfil.
Mais recentemente, as leis de tom xenófobo colocam mais um tijolo na edificação da complexidade imigratória na Europa. Aparentemente, não darão conta de resolver os problemas que ela apresenta.
* * * * * * * *
Interatividade
As leis anti-imigração que estão surgindo na Europa dificultam a convivência entre diferentes culturas?
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.



