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Teste nuclear durante a operação Crossroads, em 1946, nas Ilhas Marshall |
Teste nuclear durante a operação Crossroads, em 1946, nas Ilhas Marshall| Foto:

Tony de Brum tinha 9 anos de idade em 1954 quando viu o céu se iluminar e ouviu o terrível barulho da Castle Bravo. Era o mais poderoso dos 67 testes nucleares realizados pelos Estados Unidos nas Ilhas Marshall, remoto arquipélago do Pacífico ao qual ele chama de lar.

Seis décadas depois, agora que de Brum é ministro das Relações Exteriores de seu país, a lembrança daquele céu violento levou-o a um empreendimento quase quixotesco: seu minúsculo país está processando as oito declaradas potências nucleares e Israel na Corte Internacional de Justiça. Ele quer que a corte ordene o início das conversações há muito prometidas para um acordo que proíba arsenais atômicos, como os tratados que já proíbem arsenais químicos, biológicos e de outras armas de destruição em massa.

De Brum diz que a iniciativa não visa pedir uma reparação pela contaminação eterna e as levas de doenças e defeitos congênitos atribuídos à radiação. Pelo contrário, ao apelar ao mais alto tribunal mundial, uma corte civil que lida com disputas entre nações, ele quer usar a história dolorosa de seu próprio país para reacender o interesse global sobre a corrida armamentista nuclear.

Mesmo que a corte decida a favor das Ilhas Marshall, não há como impor sua decisão. As perspectivas de que alguma potência nuclear acate tal decisão, dizem os especialistas, são ínfimas. Mas alguns dizem que o processo vai chamar a atenção para um assunto sério, mas negligenciado.

"Esse caso ajudará a esclarecer o posicionamento com relação à lei de controle de armas e talvez estimule a obrigação de desarmamento. Ele tem seu mérito em uma época de crescente tensão internacional, mas eu vejo uma série de obstáculos legais à frente", disse Nico Schrijver, diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Leiden, na Holanda.

Em sua primeira argumentação, apresentada ao tribunal no mês passado, as Ilhas Marshall dizem que as potências nucleares haviam violado a obrigação legal de desarmamento. Ao se juntarem ao Tratado de Não Proliferação Nuclear, cinco países — Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha, França e China — se comprometeram a terminar a corrida armamentista "em data próxima" e a negociar um tratado de "completo desarmamento".

Três outras nações nucleares que não assinaram o tratado — Índia, Israel e Paquistão — e uma quarta que se retirou — a Coreia do Norte — são obrigadas a se desarmarem sob o direito consuetudinário internacional, de acordo com a ação das Ilhas Marshall.

"Todos os Estados detentores de armas nucleares estão modernizando seus arsenais em vez de negociar, e queremos que o tribunal legisle sobre isso", disse Phon van den Biesen, líder da equipe jurídica das ilhas.

Em um encontro em Viena no mês passado, especialistas em Direito Humanitário de 160 nações reiteraram que a ameaça de armas nucleares ou outras armas de destruição em massa era incompatível com os direitos humanos. Cientistas intensificaram avisos de que até mesmo o uso de uma pequena porcentagem do arsenal nuclear mundial mudaria radicalmente a atmosfera e poderia causar quedas de temperaturas e perda de colheitas em grande escala.

Mais de uma dúzia de peritos em Direito Internacional doaram seu tempo para auxiliar as pequenas Ilhas Marshall, um grupo de atóis com 70 mil habitantes.

Uma das questões-chave que a bancada de 15 juízes da Corte precisará considerar é se a modernização dos arsenais existentes levaria a uma nova corrida armamentista, proibida por acordos já existentes.

Foi solicitado também que a corte estabeleça um novo calendário de desarmamento. O processo das Ilhas Marshall pede que as potências nucleares iniciem as negociações de um tratado de desarmamento um ano após a decisão judicial.

Entre as potências nucleares, apenas Grã-Bretanha, Índia e Paquistão reconhecem a jurisdição da corte como obrigatória; os outros podem optar. Até agora, apenas a China respondeu, afirmando que não aceitará a jurisdição nesse caso.

De Brum não se sente desencorajado. De uma reunião de cúpula sobre o clima em Lima, Peru, em meados de dezembro, ele enviou um e-mail enfatizando o paralelo entre a mudança climática e as questões nucleares. "Ambos afetam a segurança e a sobrevivência da humanidade. No fim, tudo se resume a isto: de que adianta a humanidade alcançar uma solução pacífica para a ameaça da mudança climática só para ser dizimada por um mal-entendido nuclear?", escreveu de Brum.

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