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Uma bomba explodiu perto de um dos locais de votação na cidade de Quetta, no Paquistão, e matou 31 pessoas  | BANARAS KHAN/AFP
Uma bomba explodiu perto de um dos locais de votação na cidade de Quetta, no Paquistão, e matou 31 pessoas | Foto: BANARAS KHAN/AFP

Os paquistaneses estão indo às urnas nesta quarta-feira (25) para eleger seus representantes da Assembleia Nacional. A disputa, a mais controversa em anos, determinará o destino da nação que possui armas nucleares e é central para os esforços antiterroristas dos EUA e às ambições globais da China. Pesquisas mostram que nenhum dos três principais partidos tem a maioria dos votos, o que abre caminho para negociações a fim de formar um governo de coalizão após o resultado da eleição ser divulgado na noite desta quarta-feira.

A campanha foi marcada por acusações de manipulação pelas Forças Armadas, por intimidações à imprensa, pela presença de candidatos ligados ao extremismo islâmico e por uma série de atentados contra candidatos, o que fez com que esta fosse chamada de "a eleição mais suja da história".

O aparente beneficiário de muitos desses esforços tem sido o partido de Imran Khan, uma estrela de críquete transformada em político nacionalista. E o poder oculto que se acredita estar pavimentando o caminho para a vitória de Khan é o exército do Paquistão.

Na manhã desta quarta, uma bomba explodiu perto de um dos locais de votação na cidade de Quetta, matando 31 pessoas e ferindo outras 35, segundo informou a BBC. A mídia local também relatou um ataque com granada em Hyderabad e uma explosão em Larkana. 

Homem  chora ao ajudar a carregar um parente ferido em uma maca, depois de um ataque a bomba perto de um local de votação em QuettaBANARAS KHAN/AFP

Poucos dias antes um candidato foi morto em um ataque suicida quando estava a caminho de um evento no noroeste do Paquistão, aumentando as preocupações com a segurança pública, em uma eleição em que quase 200 pessoas morreram em ataques políticos somente neste mês.

O exército mobilizou cerca de 370.000 soldados e uma forte presença militar em Karachi, a maior cidade e centro financeiro do Paquistão, onde os soldados montam guarda dentro e fora das seções de voto. 

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Manipulação dos militares

O alto escalão do país tem uma longa história de intervenção na democracia. Os generais do Paquistão administraram a nação várias vezes nas últimas sete décadas; quando não estavam abertamente no poder, exerceram um controle desmedido sobre política externa, economia e política local. O ISI, a ala de inteligência sombria e influente dos militares, continua a manter laços com militantes no exterior enquanto sufoca a sociedade civil em casa. E embora essa eleição marque a terceira transição consecutiva de poder de um governo civil para outro - o que é considerado um sucesso pelos padrões paquistaneses -, ela tem as impressões digitais da interferência militar por toda parte.

A mão dos militares é visível no judiciário, que condenou Sharif, que agora definha na cadeia com sua filha. A influência também é vista nos principais meios de comunicação paquistaneses, incluindo o respeitado diário de língua inglesa Dawn e a emissora independente Geo TV. Nas últimas semanas, enquanto o partido de Sharif organizava grandes manifestações na província de Punjab, lar de mais da metade da população do país, os paquistaneses precisaram recorrer às mídias sociais para encontrar imagens do evento. 

Uma série de proeminentes oficiais militares aposentados se uniram para apoiar Khan. Carismático e educado em Oxford, ele transformou-se em um nacionalista desde que entrou na política, condenando a "toxicidade" do Ocidente e o distanciamento decadente de seus rivais. Ele vê tanto a Liga Muçulmana Paquistanesa, de Sharif, quanto o Partido do Povo Paquistanês, centro-esquerdista, da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto, como facções corruptas e dinásticas que desviam a riqueza da nação.

Os quase 400 mil soldados que estão fazendo a segurança nas seções eleitorais para evitar ataques terroristas levantaram ainda mais suspeitas quanto a influência do exército. Tal demonstração de força é motivo de preocupação entre aqueles que acreditam que os militares estão tentando manipular a eleição, uma crença reforçada por recentes relatos de que alguns candidatos da Liga Muçulmana do Paquistão e do Partido do Povo do Paquistão foram perseguidos pelas forças de segurança ou pressionados a mudar a lealdade política.

Os desafios do próximo líder

Khan é visto como a principal escolha dos militares para assumir o cargo de primeiro-ministro, apesar de suas negativas. Seu principal rival é o partido liderado pelo ex-primeiro-ministro Nawaz Sharif, que foi preso este mês por acusações de corrupção, às quais ele está apelando. 

Não importa quem triunfe, o próximo líder do Paquistão terá que lidar com os generais em assuntos que se referem ao controle da política externa e da segurança nacional - duas áreas que determinam as relações com os EUA e a China. Eles também precisarão lidar com uma crescente crise econômica: quatro desvalorizações da moeda desde dezembro fazem com que o próximo governo precise buscar outro resgate do FMI (Fundo Monetário Internacional). 

"Um governo civil fraco permitirá que o Exército tenha um poder quase insuperável", disse Shailesh Kumar, diretor da consultoria Eurasia Group para a Ásia. "Isso é importante, dado que as relações com a Índia - e com o mundo - estão em seus piores momentos e podem ser um catalisador para o mau comportamento e, por sua vez, causar desafios adicionais de segurança na região". 

O exército paquistanês há muito teme que um governo civil possa fazer concessões para a Índia e o Afeganistão, reduzindo a necessidade de um exército poderoso e os gastos decorrentes disto. Sob o presidente Donald Trump, os EUA suspenderam a ajuda militar em meio a alegações de que o exército do Paquistão apoia grupos que operam na Índia e no Afeganistão, o que complica a mais longa guerra dos Estados Unidos

O exército paquistanês nega essas alegações e tem procurado evitar que os laços com os EUA se deteriorem ainda mais: a instituição ainda permite que os militares americanos tenham acesso terrestre ao Afeganistão, por exemplo. Mesmo assim, qualquer partido que vencer deverá se aproximar cada vez mais da China, que ofereceu mais de US$ 60 bilhões para financiar projetos de infraestrutura do Paquistão.

Eleição apertada

A contagem de votos provavelmente se estenderá até as primeiras horas da manhã de quinta-feira. Das 342 cadeiras parlamentares existentes, 270 estão em disputa - 60 são reservadas para mulheres e 10 para minorias. Um partido ou coligação precisa de 136 assentos para formar o governo. 

Uma pesquisa da Gallup no início de julho mostrou que Khan está diminuindo a diferença em relação ao partido de Sharif, que está fazendo campanha com base em seu histórico de aumentar os gastos com infraestrutura, melhorar a segurança e reduzir os cortes de energia. Khan, por sua vez, prometeu transformar o Paquistão em um "estado de bem-estar islâmico", construindo cinco milhões de casas a preços acessíveis dentro de cinco anos, enquanto aumenta a arrecadação de impostos e melhora o ambiente de negócios. 

Um paquistanês vota enquanto um soldado guarda o local de votaçãoASIF HASSAN/AFP

"Se você me perguntasse há seis meses, eu teria dito que Imran Khan não teria chances de vencer", mas agora é uma "eleição apertada", disse Mattias Martinsson, gerente que supervisiona um total de US$ 420 milhões em ativos no Tundra Fonder, com sede em Estocolmo. Khan representa incerteza para os investidores, especialmente se ele pegar pesado com os negócios, acrescentou Martinsson, mas a longo prazo a mudança pode ser benéfica para o país.

Preocupação com a economia

As finanças do Paquistão, que estão se deteriorando rapidamente, estarão no topo da agenda do próximo governo. A moeda - que tem o pior desempenho na Ásia - desvalorizou 15% desde dezembro. O banco central aumentou as taxas de juros, o déficit em conta corrente aumentou em 43% no último ano fiscal e as reservas em moeda estrangeira estão caindo. 

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"A economia está enfrentando um estresse extremo", disse Asad Umar, membro do partido de Khan, cotado para ministro das Finanças em um eventual governo. "Há necessidade de reformas estruturais urgentes".

Medidas de curto prazo incluem recorrer ao FMI ou buscar novos recursos na China, enquanto impulsiona a indústria e a agricultura no longo prazo, segundo Umar. Miftah Ismail, ex-ministro das Finanças do partido de Sharif, disse em uma entrevista que ele iria explorar o mercado de títulos antes de recorrer ao FMI. 

As chances de Khan

O partido de Khan - o Paquistão Tehreek-e-Insaf (PTI), ou Movimento pela Justiça - chamou a atenção dos eleitores em parte devido ao seu histórico na administração da província de Khyber Pakhtunkhwa, no noroeste do país. 

Imran Khan, o célebre ex-jogador de críquete que se tornou um ferrenho crítico da corrupção, é um dos principais candidatosAAMIR QURESHI/AFP

Ainda assim, os futuros confrontos entre civis e militares são inevitáveis e limitarão a capacidade do novo governo de promulgar reformas, segundo diplomatas do Paquistão que pediram para não serem identificados. Eles disseram que a intromissão dos militares na eleição tem sido sem precedentes desde o fim do domínio do exército em 2008. O Exército não respondeu aos pedidos de comentário.

"A atual repressão militar no Paquistão parece querer limitar a capacidade de qualquer ator civil de desafiar a autonomia militar ou seus objetivos políticos", disse Paul Staniland, professor associado da Universidade de Chicago.

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