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ásia

Budismo radical está por trás de crise humanitária

Perseguidos por monges que pregam “pureza racial”, islâmicos da etnia rohingya são lançados ao mar em Mianmar

Imigrantes rohingya em porto na Indonésia: muçulmanos também sofrem perseguição religiosa. | Beawiharta / Reuters
Imigrantes rohingya em porto na Indonésia: muçulmanos também sofrem perseguição religiosa. (Foto: Beawiharta / Reuters)

Abandonados em barcos, membros de uma minoria muçulmana expulsa de Mianmar por monges radicais são personagens centrais de uma crise humanitária que põe à deriva o senso comum de que o budismo está sempre associado ao pacifismo. Milhares de homens, mulheres e crianças rohingyas teriam sido impelidos para o alto-mar e carregados por meses em barcos de pesca, com pouca água e comida, por extremistas budistas no país do Sudeste Asiático.

As imagens de náufragos da etnia rohingya não aceitos por países como Indonésia e Malásia põem em evidência recentes trabalhos acadêmicos que estudam a violência no budismo. Especialistas avaliam que, embora textos da religião preguem a não violência, a agressividade é frequente.

“Trata-se mais de propaganda que o budismo é relacionado ao pacifismo. A mídia ocidental e Hollywood têm nos alimentado de uma imagem tranquila, mas o budismo é tão propenso à corrupção como qualquer outra religião”, diz Sufian bin Uzayr, escritor especialista em assuntos religioso que vive na Índia.

Para Uzayr, a principal causa do atual embate é um discurso a favor de uma pretensa pureza racial. “Eles (extremistas de Mianmar) sequer chamam o rohingya de ‘rohingya’, mas de ’bengalês’, alegando que deveriam deixar Mianmar”, afirma. Outro problema, diz ele, são as fronteiras desenhadas pelos colonialistas britânicos — Arakan e Rakhine, que poderiam ser independentes, foram fundidos à Birmânia (antigo nome de Mianmar).

Uzayr acrescenta que o governo do país, em que os budistas chegam a 90% da população, legitimou a violência ao aprovar leis que proibiram membros da minoria de terem filhos sem permissão e lhes negaram o direito a educação e saúde.

Frank Usarski, professor de Ciências da Religião da PUC-SP, diz que é crescente o número de pesquisas sobre violência e budismo. “Esses estudos relativizam a imagem do budismo como ultrapacifista. A ideia principal é a não violência, mas a religião é praticada por seres humanos e já estamos três mil anos depois de Buda”, avalia.

Ele lembra a Guerra Civil do Sri Lanka, iniciada na década de 1980: ao reagir contra os Tigres Tâmeis, organização separatista, parte da maioria budista adotou o discurso da manutenção da autenticidade do budismo no país, atacando hindus e muçulmanos. A guerra terminou em 2009 e os separatistas perderam, mas os ataques de extremistas budistas continuam.

O caso cingalês pode ter influência no radicalismo de Mianmar. Usarski diz que motivações econômicas e sociais, além de um discurso global anti-Islã, são ingredientes centrais. Ele cita o Movimento 969, fundado pelo monge Ashin Wirathu, que se autointitula “Bin Laden birmanês”. “Religião alguma é totalmente pacifista. Há sempre tradições ambíguas dentro dos seus repertórios”.

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