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Comportamento

Casei com um europeu! E agora?

Sonho de muitos brasileiros, o casamento com pessoas loiras de olhos azuis do Velho Mundo requer adaptações como qualquer matrimônio

Letícia e o marido alemão, Henning: banho com tempo controlado e altas negociações na padaria | Arquivo Pessoal
Letícia e o marido alemão, Henning: banho com tempo controlado e altas negociações na padaria (Foto: Arquivo Pessoal)
Ricardo e a mulher finlandesa, Karoliina: início na linguagem dos sinais e casamento com divisão de tarefas |

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Ricardo e a mulher finlandesa, Karoliina: início na linguagem dos sinais e casamento com divisão de tarefas

No sonho, a vida a dois é charmosa, embalada pelo som de outra língua e alimentada a brioche e caviar. Mas, quando a brasileira ou brasileiro que se casou com um europeu acorda, está em um país onde regem as mesmas regras de qualquer lugar – rotina, trabalho, obrigações – e onde, ainda por cima, não domina nem o idioma nem a cultura.

A principal dificuldade identificada pela antropóloga Maria Eduarda Rittiner entre brasileiras casadas com estrangeiros, tema que pesquisa há dez anos, é a comunicação. E não só com vizinhos e empregadores, mas também com o próprio cônjuge.

Foi na linguagem corporal que o músico Ricardo Wenzel Santos, de 29 anos, e a finlandesa Karoliina Roos, de 26, acabaram ficando juntos. "No começo nem teve perguntas porque eu não conseguia falar inglês direito. A comunicação já era tão complicada que, quanto mais a gente perguntasse, pior ficaria", lembra ele. Há dois anos em Helsinque, ele ainda se considera "em dívida" com o finlandês.

Sem falar com fluência a língua do cônjuge ou outro idioma comum, é quase impossível resolver as querelas do dia a dia. Como o tempo do banho, por exemplo. Na casa de Letícia Kaniak, em que mora com Henning Kunow, em Rheinsberg, no nordeste da Alemanha, o dele (diário, por influência dela) dura 3 minutos. O dela, 10. "E ele brigando", brinca Letícia, que tem 31 anos. A Alemanha é o país da Europa onde os homens mais se casam com brasileiras, de acordo com o Centro de Estatísticas de Neuchatel, na Suíça.

Da porta de casa para fora, sem o idioma fica difícil achar emprego, ainda mais na área de formação. E aí entra o preconceito, que é mais pesado para mulheres.

"Quando falamos que somos brasileiras, sempre vem uma piadinha, parece que é a chave para dizer que somos prostitutas. Eu acabo dizendo que sou venezuelana ou argentina", diz Cristiane Barros, que mora em Florença com o marido italiano.

Em cidades pequenas dos países do norte europeu, as mais morenas são olhadas aonde quer que forem. "Tinha um ônibus escolar onde as crianças me olhavam como se eu fosse o maior E.T. do universo. Na minha cidade só tem alemão e um casal de paquistaneses", conta Letícia.

Além do preconceito, o clima é um complicador para brasileiros. "Sou do Rio de Janeiro. E aqui faz frio abaixo de zero", diz Cristiane, que tem 39 anos e é carioca.

Por trás do imaginário de uma vida agradável e pacífica no Velho Mundo, outro agravante para a maioria das brasileiras são as temperaturas árticas nos relacionamentos. Perguntar o sexo do bebê é impensável em alguns países, e uma visita sem hora marcada, sinal de demência. "No escritório, não pode chamar o chefe pelo nome. Dar um abraço, então, é cadeia", diz Letícia.

Na hora do jantar, cada país tem sua particularidade. Na Alemanha, onde a alimentação leva altas doses de salsicha, as brasileiras costumam enjoar logo da carne de porco. "E tudo aqui é à base de batata, o pão é preto. É briga sempre", diz Letícia, que prefere o pão branco.

Na Itália, coitadas das esposas brasileiras. Cozinhar dentro dos moldes do país da "pasta al dente" não é uma questão de escolha para elas. "Meu marido me ensinou a fazer a massa do jeito deles, mas ainda reclama se parto o spaghetti. E, se cozinhar demais, ele morre", conta Cristiane.

Uma grande frustração relatada pelas tupiniquins na Europa envolve as tentativas de apresentar a comida brasileira aos amigos. É frequente que os anfitriões não experimentem aquilo que não conhecem, ou então deixem clara a opinião sobre aquelas "esquisitices": brigadeiro é doce demais, vagem é comida de porco, e assim vai.

E se a solução for ir ao restaurante, não é raro que cada um pague sua conta..., o que, para algumas brasileiras, acaba com todo o romantismo. Para se adaptar aos hábitos da vida a dois no Velho Mundo, Ricardo precisou rebolar miudinho. Com tarefas muito bem divididas, ele leva bronca quando não tira a louça da lavadora. "É diferente do casamento ideal do Brasil – que é o homem ir para casa e encontrar a janta pronta e a casa limpa e arrumada. Coisa machista e super ultrapassada... aqui na Europa não tem isso."

Nas entrevistas que realizou com seis casais formados por brasileiras e suíços e três suíços que foram ou são casados com brasileiras, em 2005, a pesquisadora portuguesa Maria Eduarda notou que as mulheres não gostam muito desse traço ultraigualitário da cultura europeia. "Elas achavam absurdo cada um ter sua conta no banco", conta. Por isso tentaram escolher o que havia de melhor em cada cultura e adaptaram a família a esse novo molde, especialmente na criação de filhos.

É com relação aos pimpolhos de dupla cidadania que a carioca Letícia Moura, de 50 anos, se define traumatizada. Quando conheceu o marido francês, no Rio de Janeiro, deixou bem claro que não o acompanharia à França. "Minha família é muito unida, todo mundo sabe tudo da vida do outro, para mim seria muito difícil ficar longe", conta. Como ele aceitou viver na Cidade Maravilhosa, Letícia achou que a adaptação seria tranquila. E foi, mas só até chegarem os filhos, dois meninos, hoje com 16 e 11 anos. "O que mais me incomoda é que eles acham que criança deve se comportar como adulto desde cedo. Quando morreu um coleguinha deles, eu expliquei que foi para o céu, mas meu marido disse que ele estava enterrado e acabou", relembra.

Entre mortos e feridos, fica o conselho de quem já esteve lá: como em qualquer casamento, é melhor colocar os pés no chão e saber que o rapaz europeu pode até ter a aparência de um príncipe da Disney, mas não é encantado.

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