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Ásia

China teme os conflitos étnicos mais do que a crise econômica

Para analistas, o embate em Xinjiang e a repressão à minoria uigur demonstram fracasso na política comunista de unificação

Veja onde fica Urumqi no mapa |
Veja onde fica Urumqi no mapa (Foto: )
Muçulmano observa a guarda chinesa fortemente armada diante de mesquita em Urumqi: número de mortos em onda de violência é contestado por uigures |

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Muçulmano observa a guarda chinesa fortemente armada diante de mesquita em Urumqi: número de mortos em onda de violência é contestado por uigures

A três meses das comemorações dos 60 anos da Revolução Cultural, a China mostrou nas últimas semanas o alto preço cobrado de suas minorias étnicas para manter a imagem monolítica da potência econômica. Mais do que comprovar a mão dura com que o governo chinês reage a manifestações de insatisfação em seu território, a violenta repressão a protestos pacíficos da minoria uigur em Xinjiang revela que o regime teme erupções étnicas até mais do que a atual crise econômica.

Assim como ocorre nos demais grandes países asiáticos, a formação da China é pluriétnica. "Ela é um mosaico, mas se faz homogênea graças a anos inculcando isso, ao poder econômico e à tradição", diz o professor de história medieval oriental da Universidade Federal de Campina Grande (na Paraíba) José Otávio Aguiar.

Dentro da população de 1,3 bilhão de chineses, apenas 100 milhões não são da etnia dominante han, mas estes estão divididos em 56 minorias, incluindo os 10 milhões de uigures da região de Xinjiang, no noroeste do país.

O fato de as crises étnicas chinesas serem pouco conhecidas no mundo ocidental não significa que não existam. Em 1997, um conflito em Yining, perto da fronteira com o Casaquistão, deixou um número desconhecido de mortos.

Na semana passada, o governo divulgou a morte de 184 pessoas, com a ressalva de que 137 seriam han, ou seja, da etnia dominante. Já o Congresso Mundial Uigur, entidade que representa a comunidade no exterior, fala em mil mortos, a maioria uigures.

Talvez por prematura tensão pré-eleitoral (em 2013 o Partido Comunista escolhe novos presidente e primeiro-ministro), a repressão a um protesto que começou com a morte de dois uigures em uma fábrica no sul da China pode ter servido para legitimar o atual regime. O próprio presidente Hu Jintao cresceu na política quando esmagou uma revolta no Tibete, em 1989. (Ainda no ano passado, a repressão a manifestações pró-independência na região deixou cerca de cem mortos.)

Conspiração

Responsável pela região de Xinjiang, o burocrata chinês Wang Lequan discursou na televisão por nove minutos no dia 6 de julho para dizer que estava em curso uma "conspiração maciça, em meios aos conflitos, para sabotar a unidade étnica".

"Wang é um dos figurões da facção linha-dura do Partido que acham que mais do que uma queda na economia, as questões étnicas são o calcanhar de Aquiles em potencial deste regime", disse o especialista em relações internacionais chinesas Russell Leigh Moses ao jornal britânico The Independent. Ainda no mesmo discurso, Wang pediu à multidão da etnia han que parasse de atacar uigures, assegurando-os de que a "força ditatorial é perfeitamente capaz de derrubar os malvados".

O secretário do Partido Comunista em Urumqi, Li Zhi, subiu em seu carro com um megafone para responder aos gritos da multidão de "punam os assassinos". Disse: "Ouvi o que vocês querem e o faremos. Vamos puni-los duramente".

Declarações como essas mostram que, independentemente de o governo chinês considerar a revolta uma prova de que sua política de unidade nacional falhou, está usando a situação para demonstrar força.

A primeira atitude radical foi a saída imediata do presidente Hu Jintao da cúpula do G-20, na Itália, para voltar ao país em resposta à crise. "Pode ter indicado aos chineses que o governo estava respondendo de maneira firme, mas acabou passando ao mundo a imagem de que a situação havia se complicado tanto que o líder do país precisou voltar. Em outros países, o chefe de Estado não faria isso", disse à Gazeta do Povo a analista para a Ásia da ONG Human Rights Watch, Sophie Richardson. "Uma das consequências da repressão é mais um golpe na ideia que a China tenta passar internacionalmente de paz interna", concorda o professor Aguiar.

"É um sinal de falta de habilidade para desenvolver políticas que unifiquem e incluam as pessoas quando você precisa empregar 20 mil policiais para dominar um protesto que começou pacífico. É sinal de fraqueza", continua Sophie.

O problema é que, internamente, divisões étnicas podem até fortalecer o poder central, na medida em que aqueles que poderiam lutar contra ele perdem força. "Enquanto grupos brigam entre si, o poder central se estabelece como gerenciador do conflito. Se todos se unissem contra ele, teriam mais força", diz o professor José Otávio Aguiar.

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