
Eles marcharam pelas ruas de Pequim, Xangai e inúmeras cidades pequenas, impulsionados por vibrações patrióticas e enormes tambores. Era 1956, e Mao Tsé-tung chamava a juventude chinesa para "se abrir para o oeste", a vasta terra fronteiriça conhecida como Xinjiang, que por séculos desafiou a submissão. Após uma jornada de um mês inteiro de trem e caminhão, milhares de pessoas chegaram neste posto do exército no Deserto de Gobi para descobrir que os empregos nas fábricas, banhos quentes e telefones em todas as casas eram nada mais que promessas vazias para ludibriá-los para uma terra longínqua.
"Morávamos em buracos no chão, tudo que fazíamos, noite e dia, era trabalhar pesado", lembra Han Zuxue, de 72 anos, enrugado de sol. Ele era adolescente quando deixou sua casa na província ocidental de Henan. "Primeiro, chorávamos todo dia, mas com o tempo esquecemos nossa tristeza".
Depois de mais de cinco décadas de trabalho, homens e mulheres como Zuxue ajudaram a transformar Shihezi num oásis agitado, com sombras e árvores. Os tomates enlatados, o ardente álcool de grão e as grandes colheitas de algodão daqui são famosos por toda a China.
Esta cidade de 650 mil habitantes é uma exibição do Xinjiang Production and Construction Corps, um conglomerado chinês de fazendas e fábricas criado por soldados aposentados no final da guerra civil. "Coloque as armas de lado e pegue as ferramentas da construção", dizia um slogan popular. "Desenvolva Xinjiang, defenda as fronteiras da nação e proteja a estabilidade social."
Com uma população total de 2,6 milhões de pessoas, 95% delas da etnia chinesa han, Shihezi e vários outros assentamentos criados pelos militares são fortalezas estáveis numa região cuja população majoritária de não-hans muitas vezes tem estado infeliz com o domínio de Pequim.
Em julho, esse descontentamento foi mostrado durante ferozes conflitos étnicos que deixaram 197 mortos em Urumqi, a capital da região, a duas horas de distância de carro. O governo afirma que a maioria dos mortos eram chineses han que apanharam de grupos de uigures, muçulmanos de origem turca, cuja presença em Xinjiang tem sido diluída pela migração do leste da china, altamente povoado.
"Desde quando chegamos, eles se sentem mal e não têm consideração pelo quanto melhoramos este lugar", diz He Zhenjie, 76 anos, que passou sua vida adulta nivelando dunas de areia, plantando árvores e cavando canais de irrigação. "Mas estamos aqui para ficar. Os uigures nunca vão ganhar Xinjiang pela força".
Mesmo com uigures vendo os colonos como nada mais que colonos chineses, muitos chineses consideram o bingtuan, ou "unidade de soldados", um grande sucesso. De uma só vez, Mao empregou 200 mil soldados ociosos para ajudar a desenvolver e ocupar uma região rica em recursos e politicamente estratégica na fronteira com a Índia, Mongólia e União Soviética um ex-aliado que virou ameaça.
Shihezi e outros assentamentos bingtuans rapidamente se tornaram autossuficientes, um alívio para um governo com poucos recursos. Seus "guerreiros da reivindicação" trabalharam para pagar os primeiros anos, transformando milhares de hectares de terra inóspita em alguns dos terrenos mais férteis do país.
Com uma produção anual de bens e serviços de US$ 7 bilhões, os assentamentos administrados pelo bingtuan incluem cinco cidades, 180 comunidades agrícolas e mil empresas. Eles também se reportam diretamente a Pequim e administram seus próprios tribunais, faculdades e jornais.
Naqueles primeiros anos, as tropas do bingtuan eram fortificadas por marginais que cometeram leves delitos, ex-prisioneiros de guerra, prostitutas e intelectuais, todos enviados ao oeste para "reeducação".
Durante a década de 1950, 40 mil jovens mulheres foram seduzidas a ir a Xinjiang com promessas de boa vida. Elas chegaram e descobriram que sua principal função era aliviar a solidão dos pioneiros do sexo masculino e solidificar a presença han na região através de seus descendentes.
A demografia sempre foi um elemento tático da campanha pacifista na região. Em 1949, quando os comunistas declararam a criação da República Popular da China, havia apenas 300 mil chineses han em Xinjiang. Hoje, o número de hans cresceu para 7,5 milhões, mais de 40% da população da região. A porcentagem de uigures caiu para 45%, ou 8,3 milhões.
O descontentamento uigur se multiplicou mesmo com a prosperidade de Xinjiang, graças, em parte, a suas grandes reservas de gás natural, petróleo e minerais. Muitos uigures reclamam sobre a repressão de sua fé islâmica, sobre políticas oficiais que marginalizam sua língua e a falta de oportunidades de trabalho, especialmente em gabinetes do governo e dentro do bingtuan.
Recentemente, em Shihezi, a polícia paramilitar armada parou todos os carros e ônibus que entravam na cidade. No entanto, apenas uigures foram solicitados a sair de seus veículos para verificação de identidade e revistas.
Organizada, suas calçadas enfeitadas por árvores cheias de maçã e olmos, a cidade é povoada pelos firmes e desafiadoramente orgulhosos, que veem Xinjiang como a versão chinesa do Destino Manifesto, a doutrina que reforçava a expansão ao oeste dos Estados Unidos, no século 19. Porém, logo abaixo da autossatisfação corre uma veia de amargura, especialmente entre aqueles que chegaram nas décadas de 1950 e 1960.
"Achei que fosse ser enfermeira, mas acabei varrendo ruas e limpando banheiros", reclama Yue Caiying, que se mudou para cá em 1963. Como muitas pessoas instruídas, ela foi forçada a deixar de lado a ambição pessoal.
Lu Yiping, autor que passou cinco anos entrevistando mulheres que chegaram de caminhão a Xinjiang, vindas da província de Hunan, conta histórias sobre garotas enganadas pelas promessas de aulas de russo e empregos na indústria têxtil. Numa entrevista publicada na internet, ele contou a história de mulheres que chegavam e eram recebidas por Wang Zhen, o famoso general linha-dura que ajudou a organizar a região. "Camaradas, se preparem para enterrar seus ossos em Xinjiang", dizia Wang às mulheres.
Mesmo assim, para vários dos primeiros colonos, Xinjiang oferecia uma fuga à privação que assolava muitas áreas rurais entre 1959 e 1962, quando a desastrosa tentativa de Mao de iniciar a industrialização da China levou a uma fome que matou milhões de pessoas.



