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Eleições

Com medo, gregos correm aos bancos e estocam comida

Líder da direita, que apoia a União Europeia, surpreende ao defender revisão do tratado de austeridade

Agência do Banco da Grécia em Atenas: gregos fazem corrida para sacar euros antes das eleições | Andreas Solaro/AFP
Agência do Banco da Grécia em Atenas: gregos fazem corrida para sacar euros antes das eleições (Foto: Andreas Solaro/AFP)
Morador de Atenas saca notas de 100 euros do Eurobank |

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Morador de Atenas saca notas de 100 euros do Eurobank

Na Grécia, a desconfiança quanto ao resultado das eleições de domingo tem levado a população a sacar cerca de 800 milhões de euros (R$ 998 milhões) por dia, segundo banqueiros ouvidos pela agência Reuters.

Esse dinheiro está sendo usado para a compra de estoques de comida, especialmente macarrão e alimentos enlatados, já que as pessoas temem que o país saia da zona do euro e retorne à moeda antiga, o dracma, caso o Syriza (Coalizão da Esquerda Radical) seja eleito.

A União Europeia e o Fundo Monetário Internacional já avisaram que o país precisa seguir cumprindo as condições do resgate, ou não receberá mais o dinheiro.

Revisão

Apesar de defender a União­­­­ Europeia, Samaras, o lí­­der­­ do partido conservador No­­va­­­­ Democracia e um dos fa­­vo­­­ritos para ser primeiro-mi­­nistro, surpreendeu ontem­­ ao declarar que pretende rever­­ os termos do acordo de austeridade fechado com a­­ União Europeia caso vença­­ a eleição.

Até agora, ele vinha se mos­­trando um dos maiores defensores do pacote, que prevê cortes e demissões. Sem a adesão grega, a UE congelaria o repasse de parcelas de ajuda à Grécia, que seria forçada a deixar o euro.

"A Europa está mudando, e a Grécia tem uma chance de negociação justa com esse clima de mudança", afirmou Samaras. O líder do Nova Democracia fez questão de ressaltar que pretende manter o país na zona do euro.

Até então, o temor das autoridades europeias era centrado apenas em uma vitória do Syriza, cujo líder, Alexis Tsipras, já afirmou que cancelará o pacote de austeridade na segunda-feira, dia seguinte à eleição, caso obtenha maioria no Parlamento.

Na edição de ontem do jor­­nal britânico Financial Times, Tsipras publicou um artigo em que contesta a visão de que a vitória de seu partido levará à saída do país da moeda única. Segundo ele, o povo grego quer substituir o pacote de austeridade por um "plano nacional de reconstrução e crescimento".

Os dois líderes partidários concordam que é crucial que a segunda eleição parlamentar na Grécia resulte na formação de um governo.

Em maio, nenhum partido recebeu votos suficientes para indicar o primeiro-ministro e as negociações entre os partidos chegaram a um impasse, razão da nova disputa no domingo.

Opinião"País se vê paralisado pela indecisão e prestes a cair no caos"

Randall Fuller, professor de inglês na Universidade de Tulsa, Oklahoma (EUA)

"O que esperamos na ágora reunidos?", perguntava o poeta grego Konstantinos Kaváfis em 1904 (na tradução de José Paulo Paes). "Por que tanta apatia no Senado? Os senadores não legislam mais?".

Poucos dias antes de a Grécia passar por outro turno (decisivo) das eleições nacionais, o famoso poema de Kaváfis – "À espera dos bárbaros" – tem sua força e urgência renovadas em Atenas. As eleições, marcadas para o próximo domingo, decidirão o destino da Grécia na zona do euro e talvez até mesmo seu futuro a longo prazo como um Estado viável. Mas, com uma escolha excruciante a ser feita entre as draconianas medidas de austeridades e a saída da moeda compartilhada pela Europa, o lugar de nascença da democracia se vê paralisado pela indecisão e prestes a cair no caos e na catástrofe econômica.

As provas de que o Estado está à beira de uma completa disfunção são aparentes por toda a cidade de Atenas. Os semáforos funcionam esporadicamente; uma placa que avisa o encurtamento do horário de funcionamento de um dos maiores museus do mundo, o Museu Arqueológico Nacional, está colada precariamente à sua porta; policiais equipados para controle de multidão patrulham os perímetros das universidades, onde uma população crescente de anarquistas, jovens desiludidos e viciados em drogas congregam em sua desesperança comunal.

O mais visível sinal desses tempos terríveis e incertos é a proliferação de pichações em quase todos os espaços verticais da cidade. Atenas tem há muito apreciado uma tradição de comentário político e arte de rua, mas a recente crise financeira tem levado os jovens a expressarem seu descontentamento com uma intensidade niilista.

"Acordem!", diz um aviso que está em toda parte na cidade. "Bem-vindo à Civilização do Medo", alarma outro. Uma cena em grafite mostra um ônibus ateniense – um símbolo, até pouco tempo, do compromisso da Grécia em melhorar sua infraestrutura cívica ao mesmo tempo em que reduz a poluição – prestes a sair da estrada e bater num outro veículo.

Se os jovens são os que mais estão sofrendo com a crise econômica – 48% dos gregos abaixo dos 24 anos estão desempregados –, seu sofrimento mistura negação, uma exuberância frenética e uma sensação debilitante de absurdo. Um flash mob [aglomerações instantâneas de pessoas em locais públicos, combinadas com antecedência, geralmente via redes sociais] recentemente apareceu na Praça Sintagma, não para protestar pela falta de empregos ou pelos impasses políticos, mas para dançar ao som de "Bye Bye Bye" da banda jovem norte-americana ‘N Sync. Perto dali, outro slogan pichado parece capturar bem o humor da coisa: "Dançando o tempo todo, sentindo toda a raiva".

Por toda a cidade de Atenas eu perguntei a pessoas de todas as idades como era viver na Grécia no momento. "Um inferno", me disse uma mulher. "Terrível, terrível" disse um garçom numa taverna do bairro de Plaka.

Um amigo grego suspirou e admitiu que ele deixaria o país imediatamente se pudesse: "Não há uma única boa solução para a crise atual. A austeridade vai nos prejudicar por anos a fio, e retornar ao dracma também. De qualquer jeito, tudo irá piorar muito antes de começar a melhorar".

Tradução: Adriano Scandolara.

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