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O presidente russo Vladimir Putin participa por videoconferência de uma reunião extraordinária da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, na semana passada
O presidente russo Vladimir Putin participa por videoconferência de uma reunião extraordinária da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, na semana passada| Foto: EFE/EPA/GAVRIIL GRIGOROV/SPUTNIK/KREMLIN

Variadas etnias e culturas se espremeram para caber dentro dos padrões soviéticos por quase 70 anos. Não é à toa que hoje as diferenças explodem entre as ex-repúblicas soviéticas. Dos 15 estados independentes que surgiram com a dissolução da URSS, seis trocam agressões entre si no momento, além de existirem tensões constantes em dois outros.

As falhas da Rússia na invasão da Ucrânia, que estendem a guerra por quase sete meses, com a impossibilidade de os russos estarem mais presentes em outros territórios da região, também incentivam novos conflitos. A estratégia czarista do presidente Vladimir Putin pode, na verdade, ter enfraquecido a Rússia como nenhum outro fez no comando do país.

Em janeiro, pouco menos de um mês antes da invasão do país vizinho, Leonid Ivachov, um renomado militar russo, criou uma declaração assinada por membros da Assembleia geral dos oficiais russos, afirmando que atacar a Ucrânia era “uma loucura”. De acordo com Ivachov, era preciso destituir Putin, pois ele poderia “destruir definitivamente o Estado russo”. O militar e seus colegas não são os únicos a perceber os riscos para a Federação Russa e também para a memória soviética.

"A história julgará, mas talvez Putin permaneça como o homem que, ao querer restaurar um esplendor passado, terá finalmente perdido tudo daquele passado", apontou Thierry Wolton, especialista em comunismo e União Soviética, escritor de uma trilogia sobre o assunto, ao jornal francês Le Figaro.

Além dos históricos combates físicos e ideológicos na Geórgia e na Moldávia, e da invasão russa à Ucrânia, outros enfrentamentos surgem ou são reorganizados em países que faziam parte da antiga União Soviética. Conforme os termos de Wolton, são Estados que foram "colonizados pelo império soviético".

 Militares do Azerbaijão carregam caixão durante um funeral em massa de militares azeris que foram mortos durante confrontos com tropas armênias na fronteira com a Armênia, em cemitério perto de Baku, Azerbaijão, 14 de setembro de 2022. EFE/EPA/ROMAN ISMAYILOV
Militares do Azerbaijão carregam caixão durante um funeral em massa de militares azeris que foram mortos durante confrontos com tropas armênias na fronteira com a Armênia, em cemitério perto de Baku, Azerbaijão, 14 de setembro de 2022. EFE/EPA/ROMAN ISMAYILOV| EFE

Na semana passada, o Azerbaijão bombardeou a Armênia, iniciando um novo confronto que deixou mais de 200 mortos, e a Rússia intermediou a relação entre os países, pedindo que o conflito fosse resolvido diplomaticamente.

Os embates na região começaram assim que a URSS caiu. Pivô do conflito, a região fronteiriça de Nagorno-Karabakh, que havia declarado sua independência em 1991, nunca teve o status reconhecido pelo Azerbaijão. Em 2020, a Armênia, protegida pela Rússia, perdeu a guerra sobre esse território.

O Azerbaijão é comandado por uma sucessão de familiares ex-comunistas, enquanto a Armênia passa por uma transição democrática.

 Casas queimadas na fronteira Quirguistão-Tajiquistão, na aldeia de Maksat, a 1.000 km de Bishkek, Quirguistão, em 20 de setembro de 2022.  EFE/EPA/IGOR KOVALENKO
Casas queimadas na fronteira Quirguistão-Tajiquistão, na aldeia de Maksat, a 1.000 km de Bishkek, Quirguistão, em 20 de setembro de 2022. EFE/EPA/IGOR KOVALENKO| EFE

Já a disputa entre o Tajiquistão e o Quirguistão gira em torno do rio localizado na fronteira dos dois países. O Quirguistão acusa o Tajiquistão de ter instalado câmeras de vigilância no local. Nenhum dos dois países vive uma democracia, mas o Quirguistão contou com duas revoluções populares, em 2005 e 2010. Já o Tajiquistão tem o mesmo presidente há 30 anos.

“São conflitos históricos que estavam adormecidos, e ganharam força com a invasão russa à Ucrânia, já que a Rússia tirou as forças militares nesses estados”, lembra a professora de Relações Internacionais do Unicuritiba Priscila Caneparo.

Moldávia e Geórgia temem ser os próximos alvos 

A Moldávia, autodeclarada república independente desde 1991, ainda tem uma região em conflito, a Transnístria, com quem teve uma breve guerra em 1992, e que se tornou um território pró-Rússia. Desde a invasão russa à Ucrânia, a Moldávia enfrentou um aumento de ataques e teme ser o próximo alvo de Putin.

Já a Ossétia do Sul foi o centro de uma guerra entre Rússia e Geórgia em 2008. Em agosto daquele ano, as forças russas invadiram a Geórgia, que então enfrentava uma milícia pró-Rússia. Depois do confronto, o governo russo reconheceu as regiões separatistas da Ossétia e da Abecásia como estados independentes. Os dois territórios seguem sob controle militar russo, que está enfraquecido na região desde a invasão à Ucrânia.

A guerra que estourou em fevereiro deste ano incentivou tanto a Moldávia quanto a Geórgia a formalizarem o pedido de adesão à União Europeia e à OTAN, criando um distanciamento ainda maior dos princípios imperialistas russos.

Conflitos separatistas na Federação Russa 

Existem também os territórios que fazem parte da Rússia, ainda que alguns sejam repúblicas autônomas. Formada por 85 membros, dos quais 22 repúblicas, a Federação Russa é o que resta da antiga União Soviética, e os seus distritos se concentram, principalmente, ao norte do Cáucaso, na área entre o rio Volga e os Montes Urais e na região do lago Baikal. Todos esses territórios estão sujeitos à Constituição russa, apesar de terem idiomas próprios e diferentes manifestações culturais.

A protagonista dos movimentos separatistas é a Chechênia. O conflito histórico remonta à Segunda Guerra Mundial, quando o líder comunista Josef Stálin acusou a república independente de colaborar com os alemães. As disputas seguiram por décadas e, nos anos 1990, a Rússia atacou duas vezes o território durante tentativas de separação.

O território é considerado uma região autônoma, com uma república constituída, mas ainda pertencente ao território russo. Hoje comandada por Ramzan Kadyrov, do partido Rússia Unida, os ânimos se acalmaram politicamente na região, apesar da força separatista persistir na sociedade civil.

O Daguestão também se tornou uma das repúblicas autônomas mais perigosas, com frequentes ataques a bombas, especialmente direcionados a autoridades políticas.

Outras repúblicas autônomas não estão em nenhuma guerra no momento, mas os conflitos ideológicos e a falta de unidade com a cultura e o comando de Putin se tornam cada vez mais evidentes, como a Chukotka, um território judaico aberto aos oceanos Ártico e Pacífico, e a Iacútia, que fica próxima ao círculo polar, tem três milhões de metros quadrados e representa 1/6 do território da Federação Russa.

Grande orçamento, pequeno resultado 

Desde 2010, Putin investe em modernização do arsenal militar russo, que estava atrasado em relação ao dos americanos. Destinando publicamente 15% do orçamento total do Estado – cerca de US$ 60 bilhões (quase R$ 310 bilhões) - ao exército, enquanto países como a França investem entre 2 e 3%, a Rússia já dava indícios de que preparava o terreno para a guerra. E, muito provavelmente, a Ucrânia era apenas o ponto de partida, diante de cenários tão parecidos em tantos outros territórios da antiga União Soviética.

No livro, “L’Engrenage” (“A Engrenagem”, em tradução livre, sem versão em português), publicado pela editora Albin Michel, Serguei Jirnov, ex-KGB, descreveu que, com o orçamento secreto, os investimentos russos na área militar devem passar de 30% do cofre do país. Mesmo assim, segundo o autor, “Putin não conseguiu equipar o exército com armas de última geração”.

Enquanto isso, com uma guerra que se arrasta por quase sete meses, a Ucrânia recebeu apoio ocidental para o armamento, que tem sido crucial para um início de virada do país no conflito, reconquistando territórios que estavam sob domínio russo.

Segundo Jirnov, esse é o resultado da “perversidade de Putin”. “Ele deforma a realidade, criando um mito de ‘ameaça’ na qual todos nós, pequenos soviéticos, crescemos.” O escritor também descreveu que a Ucrânia foi uma “vingança pessoal” do presidente russo, “contra um país livre, independente e democrático”, “que construiu um modelo mais justo que a Rússia e que devolve a Putin uma imagem deplorável de um velho ditador vivendo no passado”.

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