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Turcos montam sobre um tanque dos militares rebeldes para comemorar (e registrar com seus celulares) o  sufocamento do golpe. | Bulent Kilic/AFP
Turcos montam sobre um tanque dos militares rebeldes para comemorar (e registrar com seus celulares) o sufocamento do golpe.| Foto: Bulent Kilic/AFP

A tentativa de golpe de estado por uma facção do exército turco, na sexta-feira (8), fracassou por muitas razões, incluindo divisões entre militares e repetidos passos em falso dos rebeldes. As redes sociais e a comunicação móvel também exerceram um papel importante. E não foi a primeira vez que essa combinação habilitou cidadãos a expressar sua vontade e dizer com voz de decisão quem deveria governá-los e por quê.

A facção rebelde de oficiais de nível médio procurou cumprir o guia clássico de tomadas militares – o que nos tempos antigos teria sido rotulado como golpe de coronéis, em oposição a um liderado por generais. Fecharam vias-chave de transporte, isolaram o parlamento e escritórios presidenciais, tentaram capturar os oficiais mais poderosos, incluindo o presidente Recep Tayyip Erdogan e o topo da hierarquia militar. Também tomaram redações da imprensa estatal e usaram o canal de televisão do governo para difundir sua mensagem e declarar vitória prematuramente.

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Os rebeldes logo perceberam que esse ataque clássico não foi suficiente e partiram para tomar controle de canais privados de tevê, chegando ao ponto de tirar do ar a afiliada turca da CNN – ato transmitido ao vivo para o mundo todo.

O objetivo era convencional. Ao negar aos cidadãos o acesso a fonte alternativas de informação, os rebeldes estariam aptos a controlar a narrativa, ditando a informação que seria transmitida e sua interpretação. Eles também usariam esse controle para potencializar o alcance do seu discurso, persuadindo outras facções militares a aderir ao seu pequeno grupo de colaboradores.

Mas os golpistas falharam o suficiente para provocar uma atualização no manual do golpe que inclua as redes sociais e a tecnologia móvel. A tentativa de controlar o fluxo de informação para o cidadão comum teve sucesso parcial e a mensagem dos militares rapidamente foi engolida por meios de comunicação locais e internacionais com muito maior poder de amplificação. Assim, a vantagem inicial dos militares com o fator surpresa rapidamente se diluiu.

Pouco depois do início do golpe, Erdogan usou um aplicativo de vídeo do seu iPhone para se comunicar com a nação, conclamando os turcos a tomar as ruas e se opor aos rebeldes. Sua mensagem foi ecoada nas redes sociais, principalmente Facebook e Twitter, e reforçada por imagens de pessoas paradas em frente a tanques ou sobre eles.

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Recep Erdogan recorreu a um aplicativo em seu iPhone para falar com a CNN turca e conclamar os cidadãos a ir às ruas. Redes sociais e telefonia móvel foram determinantes para o fracassado golpe militar na Turquia

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As redes sociais também desempenharam um papel fundamental para transmitir – em tempo real - apoio doméstico e internacional ao presidente e seu governo democraticamente eleito. Essas mensagens vieram até de críticos da política interna de Erdogan, que usaram o Twitter para condenar a tentativa de golpe, que, segundo eles, não proporcionaria o tipo correto de mudança. Líderes estrangeiros, como Barack Obama, ecoaram o apoio à democracia turca e a Erdogan.

O engajamento doméstico e internacional fez mais do que apenas alimentar a curiosidade dos cidadãos turcos. Também enfraqueceu os efeitos da tomada de veículos da mídia estatal e instalações cruciais do país por parte dos rebeldes. Também minou a tentativa de estabelecer um estado de sítio. O fluxo de informações encorajou, empoderou e mobilizou os turcos a enfrentar os rebeldes e seus tanques.

A população passou de receptor passivo a participante ativo do presente e do futuro do país. E ao desmentir as informações veiculadas pelos veículos oficiais capturados pelos rebeldes, fizeram os golpistas passarem do grito do vitória à realidade da derrota.

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Um número significativo de turcos formaram, coletivamente, o que as forças militares rebeldes mais temiam: multidões civis bloqueando seu caminho e atrapalhando seus planos operacionais. A força dessas pessoas foi transmitida para todo o mundo por meio de imagens nas redes sociais de pessoas em pé diante de soldados rebeldes. Sinalizou que os rebeldes não estavam vencendo, o que diminuía a chance de vitória no final.

Sentindo a derrota, centenas de soldados rebeldes começaram a se render e a levantar os bloqueios das estradas. As imagens que dominavam a web mostravam que os cidadãos tinham novamente encontrado uma maneira de desenvolver um papel determinante em seu destino político - especialmente sobre como e por quem seriam governados.

Não foi a primeira vez que as redes sociais e a mobilização desempenharam um papel importante para influenciar resultados ou permitir a cidadãos comuns a reverter um cenário que uma minoria tentava impor a uma maioria. Nem foi a primeira vez em que a vontade da maioria prevaleceu com ajuda da tecnologia. Em 2011 e 2013, por exemplo, milhões de egípcios, empoderados pelas redes sociais, surpreenderam o mundo com uma ação coletiva, tomando as ruas para influenciar como seriam governados.

Para ajudar a frustrar um golpe contra um governo legitimamente eleito, as redes sociais reforçam a democracia. Esse é o lado oposto do trágico uso da mesma democracia para influenciar e radicalizar discursos contra os excluídos.

A história registrará como oficiais turcos trapaceiros e seus seguidores falharam ao compreender como as mídias sociais mudaram a dinâmica tradicional de golpes militares. Isso contribuiu para evitar, no mínimo, um período de profunda incerteza em um dos maiores países da Europa, membro da Otan. Mais um desdobramento que os “especialistas”, seja do setor público ou privado, não haviam previsto. Agora o desafio para a Turquia é garantir que o legado do golpe fracassado seja o fortalecimento da democracia e das instituições do país.

* Mohamed El-Erian é conselheiro-chefe de economia na seguradora Allianz e presidente do Conselho de Desenvolvimento Global de Barack Obama.

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