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Manifestantes de grupo anti-nuclear em Frankfurt: fim das usinas, na verdade, só piorou a economia e as emissões de gás carbônico
Manifestantes de grupo anti-nuclear em Frankfurt: fim das usinas, na verdade, só piorou a economia e as emissões de gás carbônico| Foto: EFE

Há uma década o Japão enfrentava a maior catástrofe de sua história, depois da explosão das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki em 1945. Um tsunami provocado por um terremoto de escala 8,9 matou 18 mil pessoas e atingiu a usina nuclear de Fukushima, a 260 quilômetros de Tóquio, forçando a retirada de 160 mil pessoas que moravam nos arredores.

A tragédia chocou o mundo e levou líderes a repensarem o uso da energia nuclear, ainda que o caso de Fukushima tenha envolvido peculiaridades que não necessariamente se aplicam ao resto do planeta (a começar pela conhecida vulnerabilidade do Japão a este tipo de desastre natural). Sob o governo da então chanceler Angela Merkel, a Alemanha decretou que fecharia todas as suas usinas nucleares - uma transformação radical em um país que, meses antes do desastre, havia se comprometido a manter as usinas em funcionamento. Seguiu-se à decisão o encerramento das atividades de oito reatores, enquanto os nove restantes seriam desligados na próxima década.

A virada de 2021 para 2022 marcou o fim de três das seis usinas em funcionamento: Gundremmingen, Brokdorf e Grohnde. À época do fechamento, mesmo já tendo sido parcialmente desativada, a usina de Gundremmingen ainda produzia cerca de 10 bilhões de quilowatts de energia por ano, o suficiente para abastecer toda a região metropolitana de Munique. Em entrevista à imprensa internacional, a proprietária de uma pousada na região afirmou que a usina é "tanto parte da vila quanto a igreja", enquanto o prefeito avisou que serão necessários pelo menos 50 anos para remover todo o lixo radioativo do local após a desativação da usina. O governo alemão ainda não sabe onde o resíduo nuclear será armazenado no longo prazo.

De acordo com o instituto de pesquisa alemão Fraunhofer, as energias renováveis ​​representavam mais de 50% do fornecimento energético da Alemanha em 2020 - o dobro de dez anos atrás. Ocorre que, em paralelo com o plano para fechar as usinas nucleares, há também a intenção de encerrar as usinas de carvão até 2038, anunciado em 2019 pelo país que é o maior produtor mundial de linhito. E, para que a Alemanha se liberte por completo deste produto, é necessário que as energias renováveis - como a eólica, a solar, a hídrica, entre outras - constituam pelo menos 65% de sua matriz energética.

Ainda que alguns especialistas apontem que o papel da energia nuclear tenha sido compensado pela expansão destas fontes, a verdade é que o país instalou apenas 1,65 gigawatts de parques eólicos no ano passado, e para cumprir a meta do governo, faltam "apenas" 9,8 gigawatts por ano - o que está longe de ser um plano de fácil execução. Por conta dos riscos de danos à paisagem, a construção de parques eólicos enfrenta a resistência de moradores locais. Vale lembrar também que as usinas movidas a vento não podem ser construídas em qualquer lugar e que as seis últimas usinas nucleares terão que ser substituídas por mais de 8 mil turbinas de vento ou 4 milhões de painéis solares para dar conta do fornecimento.

Por ocasião do fechamento de Gundremmingen, Brokdorf e Grohnde no fim do ano passado, um editorial do The Wall Street Journal deu a dimensão do problema ao lembrar que, à época do desastre de Fukushima, "cabeças mais esclarecidas alertaram para o fato de que a decisão da então chanceler Angela Merkel foi um erro que forçaria a maior economia da Europa a depender de combustíveis fósseis como linhita, uma forma especialmente suja de carvão. O que foi exatamente o que aconteceu". Mais do que isso: segundo o o think tank alemão Agora Energiewende, as emissões de gases provenientes da geração de eletricidade no país aumentaram no primeiro semestre de 2021 em um quarto, ou 21 milhões de toneladas.

Houve quem dissesse que a razão do aumento seria o crescimento do país em recuperação pós-pandemia, mas o ambientalista Michael Shellenberger questiona essa hipótese. "A geração eólica produziu apenas 46,8 terawatts-hora nos primeiros seis meses de 2021, mais de um quarto a menos que os 59,4 TWh produzidos no primeiro semestre de 2020", escreveu o especialista. As consequências foram sentidas não apenas pelo meio ambiente, mas pelo bolso dos alemães.

"Enquanto isso, a Alemanha está fechando usinas nucleares neste ano e no próximo, o que resultará em mais uso de carvão e gás natural e, portanto, aumentará as emissões de carbono. Dos 56% da eletricidade alemã que veio de fontes livres de carbono em 2020, 24% no geral veio de usinas nucleares, hidrelétricas e biomassa, que são muito mais confiáveis ​​do que a energia solar e eólica. Analistas dizem que o fechamento de usinas nucleares é diretamente responsável pelo aumento dos preços da eletricidade. A Alemanha tem a eletricidade mais cara da Europa e a forte e eólica Dinamarca tem a segunda mais cara. No primeiro semestre de 2020, os preços da eletricidade na Alemanha foram 43% mais altos do que a média europeia", escreveu Shellenberger, em junho de 2021. "As emissões crescentes da Alemanha e os custos da energia elétrica ilustram de maneira dramática que as nações modernas não podem contar com fontes dependentes do clima para alimentar suas economias", argumenta o especialista.

Entre o gás russo e a guerra com a Ucrânia

Além da questão ambiental e econômica, o editorial do WSJ alertou também para o segundo problema que emerge da apressada transformação energética: "Sem energia nuclear, a Alemanha também depende mais do gás natural russo, uma profunda vulnerabilidade geopolítica que dá força ao governo autoritário da Rússia".

Cortando o Mar Báltico, o principal exemplo desta complexa relação é o gasoduto Nord Stream 2, que tranporta gás natural entre o oeste da Rússia e o nordeste da Alemanha. Junto com o Nord Stream 1, é responsável pelo envio de 110 bilhões de metros cúbicos de gás natural à Alemanha, todos os anos. Concluída em setembro de 2021, a Nord Stream 2 custou 9,5 bilhões de euros e é o maior gasoduto submarino do mundo, que ainda não entrou em funcionamento por conta de questões burocráticas entre os dois países. Com o fechamento das usinas nucleares e a insuficiência das eólicas, a Alemanha é quase completamente dependente de importações de gás - e é a Rússia quem provê metade desta demanda.

Não foram poucos os avisos: os Estados Unidos e outros países ocidentais alertaram Merkel para a excessiva dependência que o país passaria a ter da nação de Putin, que poderia utilizar a construção como ferramenta de barganha em suas disputas expansionistas. Em 2018, o então presidente Donald Trump impôs sanções às entidades envolvidas no projeto, já retiradas pelo governo de Joe Biden, que não quer prejudicar as relações com Berlim.

Para complicar o cenário, a Rússia pode utilizar a Nord Stream 2 para privar a Ucrânia de uma taxa de trânsito que representa cerca de 4% do PIB do país do leste europeu. Enquanto o conselho da construtora responsável pelo projeto, a Gazprom, aguarda permissão legal dos alemães para começar a operar, o governo ucraniano luta para impedir a aprovação do gasoduto. "Tal é o equilíbrio de forças no tabuleiro, que é apenas concebível, se improvável, que no último instante o projeto seja bloqueado para sempre, deixando a Gazprom e seus cinco co-investidores europeus com um elefante branco no fundo do mar Báltico, um filho de uma era diferente, uma reprovação ao exagero imperial de Putin. Se assim for, será uma grande vitória para a independência ucraniana", avalia o jornalista Patrick Wintour, editor diplomático do The Guardian. Nas últimas semanas, o governo alemão surpreendeu ao indicar que consideraria sanções sobre o gasoduto caso a Rússia invada a Ucrânia. Enquanto isso, o pequeno país ameaçado recorda o mundo dos perigos de ficar à mercê de Putin - especialmente por razões que poderiam ser evitadas, como o fechamento das usinas alemãs.

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