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O ex-presidente boliviano Evo Morales mastiga folhas de coca durante evento em Sacaba, na província de Chapare, em janeiro
O ex-presidente boliviano Evo Morales mastiga folhas de coca durante evento em Sacaba, na província de Chapare, em janeiro| Foto: EFE/Jorge Abrego

Uma das histórias mais inusitadas da história política recente da Bolívia pode ter sido finalmente desvendada, com a prisão em dezembro de um espião de Cuba infiltrado na diplomacia dos Estados Unidos.

No mês retrasado, Víctor Manuel Rocha, ex-embaixador dos Estados Unidos na Argentina e Bolívia, foi preso em Miami, no estado americano da Flórida, acusado de trabalhar como espião a serviço da inteligência cubana durante quatro décadas, segundo revelou o Departamento de Justiça.

Na Bolívia, a notícia disparou um alarme, já que Rocha foi decisivo para transformar em fenômeno eleitoral o ex-presidente Evo Morales, que ocupou a presidência entre 2006 e 2019 e teve como herdeiro político o atual mandatário boliviano, Luis Arce – ambos estão rompidos.

Em junho de 2002, quatro dias antes da eleição presidencial na Bolívia, Rocha, à época embaixador dos Estados Unidos no país sul-americano, fez um discurso no qual não mencionou o nome de Morales, mas todos sabiam que fazia referência ao líder cocaleiro, candidato à presidência.

“O eleitorado boliviano deve considerar as consequências de eleger líderes de alguma forma ligados ao tráfico de drogas e ao terrorismo”, afirmou Rocha, sugerindo que a eleição de Morales poderia levar ao corte da ajuda americana à Bolívia.

A declaração gerou indignação entre a população boliviana e, segundo analistas, foi decisiva para que Morales ganhasse votos de última hora e quase vencesse a eleição daquele ano.

Uma reportagem recente do jornal Los Tiempos lembrou que, nas pesquisas para o pleito de 2002, o político de esquerda não aparecia sequer com 5% das intenções de voto. Quando saiu o resultado da eleição de 30 de junho daquele ano, a surpresa: Morales ficou em segundo lugar, com 20,94% dos votos.

O mais votado foi Gonzalo Sánchez de Lozada, com 22,46%. Como nenhum candidato obteve mais de 50% dos votos, coube ao Parlamento da Bolívia escolher o presidente.

Morales perdeu para Lozada no voto entre os legisladores, mas a reviravolta gerada a partir da declaração de Rocha o projetou politicamente e ele foi o vencedor da eleição presidencial de dezembro de 2005, com quase 54% dos votos.

O líder cocaleiro cunhou uma frase imortal: “O meu melhor chefe de campanha se chama Manuel Rocha”.

Agora, com a revelação de que o ex-embaixador defendeu os interesses de Cuba durante décadas enquanto trabalhava para o governo dos Estados Unidos, a declaração de 2002 soa ainda mais como uma autossabotagem proposital, considerando-se as fortes relações de Morales com a ditadura de Havana.

Em entrevista este mês à agência Associated Press, Liliana Ayalde, ex-colega de Rocha na diplomacia americana e que foi embaixadora dos Estados Unidos no Paraguai e no Brasil, disse que se lembra “com muita clareza” do discurso dele em 2002.

“Foi muito constrangedor. Eu disse a ele que não era apropriado que o embaixador fizesse essas declarações com as eleições tão próximas”, disse Ayalde. “Agora, olhando para trás, vejo que tudo fazia parte de um plano.”

No fim, os “parceiros” de 22 anos atrás não acabaram bem. Rocha pode pegar até 25 anos de prisão se for condenado pelas acusações das quais é alvo. No mesmo mês em que o ex-embaixador foi preso, o Tribunal Constitucional da Bolívia declarou Morales inelegível para o pleito presidencial de 2025.

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