
Trípoli - Reconstruir, do marco zero, instituições de Estado aniquiladas por 42 anos de ditadura será a principal tarefa do Conselho Nacional de Transição (CNT) da Líbia. Mas não só. Internamente, no vasto, desértico e pouco populoso território líbio, estão à espreita do novo governo os velhos focos de tensão que afligiam Muamar Kadafi: divisões tribais e o risco da militância islâmica jihadista.
Para ler com seu filho: confira o infográfico que explica como funcionam as ditaduras
Antes mesmo da captura, a festejada queda do ditador ameaça balançar o mais sólido pilar que uniu milhares de líbios, dos mais variados espectros, ao CNT o ódio à figura do tirano que enriqueceu ao oprimi-los. Na falta do ideal anti-Kadafi, caberá aos rebeldes cumprir as promessas de criar um mecanismo administrativo capaz de dar voz à toda a sociedade. Nada fácil num país onde há cerca de 140 tribos e onde, até a independência, em 1951, havia três províncias Cirenaica, Tripolitania e Fezzan que davam ao cidadão uma identidade regional, lado a lado à tribal e ao clã ao qual cada um pertencia. "Superar definitivamente o tribalismo histórico será decisivo para o sucesso da nova Líbia", diz o pesquisador Shashank Joshi, doutorando em Relações Internacionais da Universidade de Harvard. "Poucas dezenas de tribos são politicamente engajadas, o que não significa que pertencer a um determinado grupo ou clã não ajude, por exemplo, na hora de conseguir um emprego."
Forte nacionalismo
Sem questões sectárias, a Líbia tem uma população sunita e duas etnias a árabe e a berbere, em geral, misturadas ao longo dos anos facilitando, em tese, o diálogo nacional, favorecido ainda pelo que talvez seja a única herança positiva de Kadafi: uma educação pública que doutrinou o conceito da nacionalidade líbia a toda uma geração. O especialista americano Ronald Bruce St John, autor de vários livros sobre o país, vê no desarmamento, e não nas tribos, uma preocupação urgente. "Os líderes tribais são conservadores, mas a Líbia passou uma urbanização considerável, aproximando-se muito da sociedade urbana", garante.
A sensação de triunfo dos rebeldes conseguiu, por enquanto, ocultar sinais de fissura no Conselho Nacional de Transição existentes, como indica o misterioso assassinato do comandante militar Abdel Fatah Yunis, há três semanas, ainda sem explicação. Novos indícios de divergências transpareceram também quando, ainda em Benghazi, o CNT traçou um curioso esboço de Constituição.
Avanço
Rebeldes líbios anunciaram controlar todo o Aeroporto Internacional de Trípoli, mas admitiram a existência de combatentes leais ao ditador Muamar Kadafi na área. Três aviões civis que estavam pista de pouso foram destruídos. Ainda na sexta-feira, os insurgentes também afirmaram controlar um importante posto na fronteira entre a Líbia e a Tunísia, Qafr ben Ghirshir
No sábado, foi divulgado que jatos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) fizeram ataques aéreos durante a noite em Trípoli e em Sirte, cidade natal de Muamar Kadafi vista como o último grande foco de resistência do regime no país.
Os corpos de cerca de 53 pessoas foram encontrados em um galpão na capital líbia, depois de terem sido aparentemente executadas no início desta semana, afirmou o canal de televisão britânico Sky News. O correspondente da emissora, Stuart Ramsay, citou testemunhas ao afirmar que 150 pessoas foram mortas no local em 23 e 24 de agosto, enquanto forças rebeldes lutavam para tomar o controle da capital líbia.
Para ler com o seu filho: Ditaduras destroem as liberdades e promovem o terror àqueles que se opõem aos governantes



