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Secas mais frequentes contribuem para alta nos preços dos alimentos e para a fome | Phil Behan/UN Photo
Secas mais frequentes contribuem para alta nos preços dos alimentos e para a fome| Foto: Phil Behan/UN Photo

 Desde a Segunda Guerra Mundial, temos avançado de maneira significativa para erradicar a fome ao redor do mundo. Novas tecnologias, ajuda externa e uma economia mundial que cresceu mais de 30 vezes são fatores que, combinados, contribuíram para que centenas de milhões de pessoas saíssem da pobreza e deixassem de passar fome. 

 No entanto, mesmo que grupos que trabalham para erradicar a fome do mundo celebrem essa grande conquista, é importante não esquecer que ainda há muito o que fazer. Em 2000, 191 países-membros da ONU prometeram acabar com a fome até 2015, mas ainda não estamos no caminho para erradicar o problema. 

 A realidade atual é que os números estão indo na direção errada. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, desde 2014, o número de pessoas que passam fome está aumentando em todo o mundo. Conflitos e mudanças climáticas são fatores provavelmente culpados por essa situação. 


Nesta estatística, porém, não consta uma realidade ainda mais triste. Quase 2 bilhões de pessoas sofrem de desnutrição de micronutrientes, fenômeno chamado de “fome oculta”, por ser menos óbvio do que a fome regular. 

 Já que é mais difícil de identificar visualmente, a fome oculta recebe muito menos atenção do que deveria. A desnutrição pela falta de micronutrientes causa muitos dos mesmos problemas de saúde desencadeados pela deficiência calórica. A fome oculta atinge principalmente crianças pequenas, mulheres em idade fértil e populações pobres em países em desenvolvimento. Assim como a fome regular, o fenômeno da fome oculta tira milhões de vidas a cada ano e impede que um número ainda maior escape da pobreza. 

 Como pesquisador, pude testemunhar em primeira mão as consequências desse fenômeno. Também observei várias soluções brilhantes que poderiam resolver de forma eficaz, econômica e rápida muitos dos problemas que determinam essa situação. Com atenção e apoio suficientes, a fome oculta pode ser erradicada em poucas décadas e, assim, a vida de quase um terço da população mundial pode ser melhorada significativamente. 

 O que é desnutrição causada pela falta de micronutrientes? 

 O corpo necessita de determinada quantidade de calorias para funcionar adequadamente. Vitaminas e minerais são essenciais para muitas das funções centrais do corpo, bem como para a saúde imunológica e o funcionamento cerebral. Quando uma pessoa tem uma dieta calórica não variada, é possível que sofra de desnutrição de micronutrientes, mesmo se ingerir calorias suficientes para viver. Ou seja, uma pessoa pode ter calorias suficientes, mas ainda assim estar desnutrida. 

Esse fenômeno é causado pela carência de micronutrientes, que ocorre quando a dieta de uma pessoa tem quantidades insuficientes de vitaminas e minerais essenciais. Embora existam dezenas de micronutrientes importantes, algumas deficiências são mais preocupantes do que outras, como a falta de vitamina A, zinco, ferro e ácido fólico. 

 Consequências da fome oculta 

 As consequências da deficiência variam. A carência de ferro no sangue, por exemplo, que pode causar anemia, restringe severamente a quantidade de oxigênio que o sangue pode transportar para as células do corpo. Isso pode resultar em fadiga, apatia, dores de cabeça e controle de temperatura corporal inadequado, além de outros sintomas. 

 A falta de zinco pode fazer com que o organismo se desenvolva muito lentamente e pode danificar o sistema nervoso central, além de diminuir a capacidade do corpo de combater a doença diarreica – patologia que afeta 1,7 bilhão de pessoas em todo o mundo a cada ano, e é a segunda causa de morte entre menores de 5 anos. Além disso, a doença diarreica pode agravar ainda mais o fenômeno de fome oculta porque o corpo luta para aproveitar as calorias e micronutrientes disponíveis, levando a pessoa afetada a níveis ainda maiores de desnutrição. 

 A vitamina A é crucial para que o sistema imunológico consiga combater muitas doenças e contribui para o funcionamento da visão, principalmente em crianças. O ácido fólico, por sua vez, está associado, entre outras coisas, com o desenvolvimento fetal e, quando ausente da dieta de uma gestante, pode causar deformidades no feto. 

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 Crianças que sofrem de fome oculta na primeira infância têm tendência a não concluir sua educação, a sofrer de doenças crônicas e, consequentemente, são menos produtivas. Isso também os leva a saírem da pobreza e da desnutrição mais tarde, fazendo com que o ciclo afete seus próprios filhos. 

 Qualquer pessoa poderia reconhecer imediatamente as consequências da fome regular. Durante muitos anos, organizações de ajuda humanitária, ONGs e outras instituições difundiram imagens de crianças raquíticas com barrigas enormes como uma maneira de chamar o mundo para combater à fome. O sofrimento visível desencadeia a compaixão na maioria das pessoas e serve como um convite à ação. 

A desnutrição causada pela falta de micronutrientes ganhou o apelido de fome oculta porque, embora tenha muitas das mesmas consequências que a fome regular, é difícil identificá-la, mesmo para as pessoas que sofrem do fenômeno. Muitas das consequências, como o baixo funcionamento cognitivo, acumulam-se ao longo da vida e acaba sendo difícil atribuí-las diretamente a uma deficiência específica. 

Como podemos resolver isso? 

 A solução ideal para acabar com a falta de micronutrientes seria uma dieta diversificada, rica em grãos variados, carnes e vegetais, assim como agências de saúde em todo o mundo recomendam através da pirâmide alimentar. Esse cardápio, no entanto, pode ser quase impossível para muitas pessoas, que teriam de abrir mão de calorias para comprar alimentos melhores, trocando, dessa forma, um tipo de fome por outra. 

 Por isso, existem outras soluções muito mais viáveis e acessíveis. Na Tanzânia, por exemplo, a maioria das pessoas depende de um único alimento para suprir mais de 80% de suas calorias: o milho. Essa é a única maneira acessível para que a população consuma calorias suficientes. O milho, assim como outros alimentos básicos - arroz, trigo, mandioca, milheto - é quase totalmente desprovido de micronutrientes, e o pouco conteúdo de micronutrientes que um grão de milho inteiro contém é significativamente perdido durante o processo de moagem para produzir farinha de milho, a forma mais comum de consumo do cereal na África Oriental e em grande parte da América Latina. 

Portanto, uma simples solução para melhorar o valor nutricional desses alimentos seria fortalecê-los com uma mistura de micronutrientes. Após ou durante o processo de moagem, um pó de micronutriente seguro e barato poderia ser acrescentado pelo moleiro, ou pelos próprios consumidores, aumentando drasticamente o valor nutricional. 

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 Apesar do recente aumento da atenção à fome oculta, alguns itens básicos ainda são uma realidade muito distante para a maioria dos governos de países em desenvolvimento, que carecem de fundos, perícia e vontade política para assegurar a fortificação. Sem subsídios, os moleiros só poderiam fortalecer os alimentos se puderem aumentar o valor final do produto. Mas para muitas pessoas que vivem em extrema pobreza, até um pequeno aumento no custo dos alimentos é algo arrasador. 

 A fortificação de alimentos é a maneira mais econômica de ajudar centenas de milhões de pessoas a ter melhor qualidade de vida, saúde, educação e a aumentar a chance de saírem da pobreza. Isso é muito mais rentável do que os conhecidos programas de ajuda que visam melhorias em apenas uma dessas áreas. Com atenção e apoio suficientes, a fome oculta pode ser erradicada em poucas décadas, melhorando de maneira significativa a vida de quase um terço da população mundial.

*Morten Wendelbo é pesquisador da American University (EUA)
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