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O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo um discurso na última quinta-feira (13), em Lisboa
O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo um discurso na última quinta-feira (13), em Lisboa| Foto: EFE/EPA/MANUEL DE ALMEIDA

Aprovada em 2001, a Lei nº 30/2000, que descriminalizou as drogas em Portugal, vem sendo utilizada nos últimos anos por muitos defensores da causa como um exemplo de sucesso na luta contra o vício e o tráfico.

O objetivo da regulação na época em que foi aprovada era mudar a imagem do usuário, ou seja, deixar de tratá-lo como um criminoso e passar a enxergá-lo como uma “pessoa que precisa de ajuda”, e reduzir o consumo. No entanto, levantamentos e relatórios divulgados recentemente por organizações europeias e portuguesas apontam que a lei pode estar tendo um efeito contrário ao que era esperado inicialmente com a sua aprovação.

De acordo com o 5º Inquérito Nacional sobre o Consumo de Substâncias Psicoativas pela População Geral, divulgado este ano pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (Sicad), a prevalência do consumo de qualquer droga ilícita no país passou de 7,8% em 2001 para 12,8% em 2022. Os dados apontam ainda que o consumo de substâncias psicoativas ilícitas ao longo da vida em Portugal subiu mais de 60% desde 2001, ano em que entrou em vigor a lei.

Outro levantamento sobre o tema, divulgado neste ano pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT), revelou que Portugal está entre os quatro países europeus onde mais se consome cocaína. Além disso, o estudo apontou um aumento significativo no país no consumo de metanfetamina e cetamina – substância que causa efeito analgésico nos usuários. Em meio a tudo isso, a polícia portuguesa tem relacionado parcialmente o aumento de 14% no número de roubos, principalmente em espaços públicos, ao aumento do consumo de drogas.

Em 2021, o Sicad já havia registrado um aumento de 45% no número de overdoses por causa do consumo de drogas, a maior variação desde 2009. O alto consumo de cocaína e de heroína foi o maior responsável por esse aumento.

Na região dos Açores, arquipélago português localizado no Oceano Atlântico, a polícia judiciária local apreendeu nos primeiros seis meses desse ano cerca de 78 kg de drogas, como haxixe, cocaína, heroína e substâncias sintéticas. A quantidade, de acordo com a mídia portuguesa, equivale a 90% do total apreendido ao longo de todo o ano de 2022.

Por causa desses dados, críticos da Lei 30/2000 começaram a questionar se já não está na hora de repensar a política de descriminalização. Entre eles, está o prefeito da cidade do Porto, Rui Moreira, que expôs sua indignação contra a lei em uma entrevista ao jornal americano The Washington Post.

“Hoje em Portugal, é proibido fumar do lado de fora de uma escola ou de um hospital. É proibida a propaganda de sorvetes e de guloseimas açucaradas. E, no entanto, é permitido que [as pessoas] estejam lá, injetando drogas”, lamentou Moreira. O prefeito argumentou que o Estado era o maior culpado por Portugal ter chegado a esse ponto. “Nós normalizamos isso”, disse ele.

Foi na cidade do Porto, na capital Lisboa e em Almada que o relatório da OEDT registrou os maiores aumentos do uso de metanfetamina em Portugal. No começo deste ano, Moreira até anunciou uma proposta para tentar novamente criminalizar o uso de drogas em espaços públicos, mas logo voltou atrás. Apesar disso, o prefeito afirmou que ainda tem o desejo de endurecer a lei contra o consumo de drogas, principalmente quando ocorre perto das escolas da cidade, o que vem se tornando mais recorrente.

A legislação aprovada em 2001 não resultou na legalização ampla do consumo de substâncias químicas em Portugal, ela apenas fez com que a gravidade legal fosse reduzida para uma infração menos severa. A despenalização do uso pessoal de drogas, que era limitada a quantidades de até dez doses da mesma substância, foi acompanhada por programas destinados a dependentes, que passariam a ter acesso a uma ampla rede de apoio.

Mas, atualmente, Portugal não está mais conseguindo acompanhar todos os casos. O intenso aumento do uso de drogas ilícitas em espaços públicos, que tem contribuído para o aumento da aglomeração de pessoas embaixo de pontes e em locais abandonados, tem gerado cada vez mais desconforto na população. Relatos apontam que, por causa da legislação, a polícia está cada vez menos disposta a registrar indivíduos envolvidos em abuso de substâncias químicas e aqueles que buscam reabilitação estão tendo que enfrentar longas listas de espera por tratamentos financiados pelo Estado.

Em meio a esses novos problemas gerados pelo alto consumo de drogas, o Parlamento português, controlado pela maioria socialista, aprovou nesta semana uma lei que descriminaliza também o consumo das drogas sintéticas – que são substâncias químicas ainda mais fortes, não são controladas pelas convenções internacionais e ainda eram consideradas ilegais no país.

O debate sobre a descriminalização estava ocorrendo no Parlamento desde o início do mês e se intensificou nas últimas semanas, depois que os parlamentares conseguiram chegar a um consenso sobre o texto final. A nova legislação equiparou as drogas sintéticas às drogas "clássicas" e definiu que a quantidade de droga sintética encontrada com uma pessoa passa a ser apenas um “indício” de crime e não mais um critério para condenação. Além desse ponto, os socialistas também decidiram acabar com o critério da quantidade da dose que diferenciava um usuário de um traficante; antes, quem possuía até dez doses era classificado apenas como usuário.

A deputada socialista Cláudia Santos defendeu a nova legislação afirmando que “uma pessoa encontrada com 15 doses, porque vive no interior do país e se desloca a um centro urbano para comprar droga mais barata para consumo próprio, não pode ser automaticamente tratada como criminosa e condenada”.

No começo do mês, o partido de direita Chega criticou o então projeto de lei, pontuando que a matéria visava esconder dos portugueses que a liberação das substâncias iria permitir que os jovens do país pudessem ter acesso a drogas psicoativas “perigosas”, que aumentariam “os surtos psicóticos, o desenvolvimento de doenças mentais e o suicídio”. O partido concluiu afirmando que a discussão sobre a descriminalização ultrapassava “todo e qualquer [tipo de] populismo”.

A preocupação com a descriminalização em meio ao aumento descontrolado do consumo era tão grande que o ministro da Saúde do governo socialista português, Manuel Pizarro, defendeu na semana passada que era necessário “haver muita prudência” nos debates e no processo de descriminalização das drogas sintéticas para que uma “boa ideia” não interferisse na distinção entre consumo e tráfico. O ministro deu essa declaração lembrando aos parlamentares de que era preciso levar em conta os riscos que as novas drogas representam para a saúde pública e para a segurança das pessoas.

As drogas sintéticas são um desafio para as autoridades portuguesas, pois são vendidas em diferentes formas, como comprimidos, pós ou líquidos, e têm efeitos variados e imprevisíveis. O Relatório Europeu sobre Drogas lançado este ano mostrou que o consumo desse tipo de substância não é um problema somente de Portugal, mas sim de todo o continente, com aumento significativo em vários países europeus.

O relatório de 2022 mostrou que, após a apreensão de quase sete toneladas de drogas sintéticas na Europa em 2020 e em 2021, o número subiu para quase dez toneladas no ano passado. Em Portugal, de acordo com veículos de comunicação do país, neste ano, só na Ilha da Madeira, as substâncias sintéticas já provocaram cerca de 85 internações.

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