• Carregando...
Uma jovem na aldeia de Juberia, no Iêmen, em 19 de outubro de 2018. A guerra liderada pelos sauditas no Iêmen levou milhões à beira da fome | TYLER HICKS/NYT
Uma jovem na aldeia de Juberia, no Iêmen, em 19 de outubro de 2018. A guerra liderada pelos sauditas no Iêmen levou milhões à beira da fome| Foto: TYLER HICKS/NYT

Os dois lados que participam da guerra civil no Iêmen concordaram, nesta quinta-feira (6), em realizar uma troca de prisioneiros, no primeiro avanço concreto das conversas para um acordo de paz realizadas na Suécia. 

"Estou feliz em anunciar a assinatura de um acordo para a troce de prisioneiros", disse o enviado da ONU para o Iêmen, Martin Griffiths, logo no início da negociação. Segundo ele, com a decisão, milhares de famílias vão poder se reunir. 

Segundo a Cruz Vermelha, ao menos 5.000 pessoas devem ser liberadas com o acordo. 

A chanceler sueca Margot Wallstrom e o enviado especial da ONU ao iêmen Martin Griffiths falam sobre as conversas de paz, em Rimbo, na Suécia, em 6 de dezembroSTINA STJERNKVIST/AFP

O representante da ONU e a ministra de Relações Exteriores da Suécia, Margot Wallstrom, são os responsáveis por mediar o diálogo entre o governo iemenita —apoiado pela coalizão liderada pela Arábia Saudita— e os rebeldes houthi, apoiados pelo Irã.

Um castelo na cidade de Rimbo, ao norte de Estocolmo, foi o local escolhido para sediar as conversas. Esta é a primeira vez desde 2016 que os dois lados do conflito enviam representantes para o diálogo, aumentando assim a possibilidade de algum tipo de acordo. 

Milhares de pessoas já morreram no conflito desde 2015, que deixou cerca de 14 milhões de pessoas sob risco de passar fome. A ONU já classificou a situação no país como a maior crise humanitária da atualidade. 

A pressão por uma resolução aumentou após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, morto no consulado saudita em Istambul, na Turquia.

O caso fez diminuir o apoio ao príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, principal idealizador e defensor do apoio de Riad ao governo iemenita. O líder saudita é suspeito de ter ordenado a morte do jornalista, um antigo crítico seu.

Apesar dos apoios de países da região, nenhum dos lados consegue avançar e o conflito segue em um impasse.

O que está em jogo?

Os houthis controlam a capital, Sanaa, e a maior parte das áreas mais populosas, enquanto o governo segue sendo reconhecido pela maior parte da comunidade internacional, embora tenha sido obrigado a se deslocar para a cidade de Aden, no sul.

Griffiths, da ONU, disse que a retomada do diálogo é um marco e disse que vai buscar um acordo que envolva a reabertura do aeroporto de Sanaa, o respeito ao Banco Central e a implementação de um cessar-fogo em Hodeidah, o principal porto do país. O local está sob poder dos houthis, mas a coalizão do governo lançou uma campanha para retomá-lo.

Um acordo que envolva estes três pontos poderia ainda ser ampliado para incluir o fim dos ataques aéreos realizados pela coalizão, que já mataram milhares de civis, e dos lançamentos de mísseis dos houthis contra cidades sauditas.

Uma fonte da ONU disse à agência de notícias Reuters que os dois lados ainda estavam longe de concordar com as três questões, especialmente sobre quem deveria administrar o porto de Hodeidah e se os houthis deveriam abandonar inteiramente a cidade

A ONU está tentando evitar um ataque em larga escala ao local, o ponto de entrada para a maioria dos bens e ajuda comercial do Iêmen. 

A outra rota principal dentro e fora do território houthi é o aeroporto de Sanaa, mas o acesso é restrito pela coalizão liderada pela Arábia Saudita que controla o espaço aéreo.

O chefe do Supremo Comitê Revolucionário dos houthis, Mohammed Ali al-Houthi, disse nas redes sociais que se nenhum acordo for fechado para reabrir o aeroporto, seu grupo irá bloquear todos os acessos ao local, incluindo veículos da ONU e de ajuda humanitária.

Como começou a guerra civil no Iêmen? 

O Iêmen vive uma persistente instabilidade política. O então presidente Ali Abdullah Saleh foi derrubado em 2011, dentro dos movimentos que marcaram a Primavera Árabe. Chegou-se a formar um movimento para conduzir a transição, incluindo todos os partidos políticos que forneceriam sugestões para reformas. Também seriam realizadas eleições e, eventualmente, seria escrita uma nova constituição. Mas as iniciativas fracassaram. 

Leia também: Já estava ruim. Agora ficou pior: o retrato da maior crise humanitária no mundo

“O movimento houthi inicialmente participou, mas acabou se desiludindo”, diz Kelly McFarland, diretor de programas e pesquisa do Institute for the Study of Diplomacy da Georgetown University (EUA). 

Concentrados no Norte, os rebeldes começaram, a partir de 2014, ocupar partes do país. “E aproveitando a instabilidade da região, eles tomaram a capital Sanaa”, diz o professor Márcio Scalércio, do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). 

Não foi a primeira rebelião dos houthis contra o governo iemenita. Segundo McFarland, entre 2004 e 2010 houve seis conflitos, o último deles com intervenção da Arábia Saudita. 

Quem são os houthis? 

De um lado do conflito estão os houthis, um movimento político e religioso formado por muçulmanos xiitas que seguem a linha zaidi, e do outro, o governo do Iêmen. Segundo a ONG Minority Rights Group International, que defende os interesses de minorias no mundo, os zaidistas correspondem a aproximadamente 40% dos 28 milhões de habitantes. 

Atiradores de uma tribo leais ao movimento Houthi entoam slogans durante uma reunião em Sanaa para mostrar apoio à milícia xiita, em 10 de setembro de 2018MOHAMMED HUWAIS/AFP

“É uma minoria extremamente empobrecida”, diz Scalércio. Eles tiveram um papel ativo na política do país do Oriente Médio até 1962, quando foi derrubada a monarquia iemenita. “Desde então, o governo vem reprimindo econômica e culturalmente a sua região. Mais recentemente, o governo acusou os zaidis de serem aliados do Irã e uma ameaça existencial”, diz McFarland. 

Que países estão envolvidos no conflito? 

A guerra civil do Iêmen é o retrato da disputa geopolítica entre a Arábia Saudita e o Irã. Os sauditas veem os houthis como aliados dos iranianos e temem que estes se fortaleçam na Península Arábica. Segundo McFarland, o Irã fornece ajuda há tempo para o movimento houthi e vem equipando e treinando o grupo desde 2011. 

O Soufan Center destaca que a Árabia Saudita vê o Iêmen como área de importância crítica, exercendo controle sobre áreas estratégicas e fornecendo apoio para várias tribos. 

Na batalha pela influência na região, o Irã tornou-se um participante relevante no conflito. A atuação, segundo o think tank, é uma forma de “sangrar e humilhar a Arábia Saudita no contexto de sua guerra regional existencial contra os sauditas”. 

O Irã está fornecendo ao movimento Houthi armas, incluindo mísseis balísticos de curto alcance, que teriam sido usados para atingir alvos na Arábia Saudita, inclusive na periferia da capital Riad. 

Leia também: ï»¿Na guerra civil do Iêmen, quem mais perde são os civis

Já os Emirados Árabes Unidos – um dos principais aliados dos sauditas - vêm afirmando agressivamente seu interesse pelo Iêmen, especialmente no sul, solidificando sua base de poder nas cidades estratégicas de Aden e Hadramaut. “Agora são vistos por alguns – iemenitas e parceiros de coalizão – como uma força de ocupação no país”, ressalta o think tank. 

Um acampamento ao norte de Aden, no Iêmen, para os que fogem da violênciaLorenzo Tugnoli/The Washington Post

Mas o interesse no conflito não se restringe a esses países, lembra Scalércio, da PUC-Rio. Outros que estão apoiando a Arábia Saudita são o Bahrein, o Egito, o Marrocos e o Sudão. Estados Unidos e o Reino Unido estão fornecendo apoio militar aos sauditas e seus parceiros de aliança. Bombas fabricadas pelos Estados Unidos foram usadas em ataques à população civil iemenita, segundo informações da CNN.

Segundo o Soufan Center, isto precisa ser revisto. “Objetivos como desestruturar a Al-Qaeda na Península Arábica precisam ser consideradas diante dos efeitos devastadores da guerra na população iemenita.” 

Por que a região é importante? 

A localização geográfica do Iêmen contribui para a sua importância estratégica. Pelo Mar Vermelho passa um terço do petróleo mundial. Segundo o Soufan Center, think tank especializado em questões de segurança baseado em Nova York, qualquer negociação para um acordo de paz precisa levar em consideração a importância geográfica do país, as influências regionais e os interesses globais no Iêmen.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]