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A ditadura da Venezuela alega que o novo coronavírus infectou 1.211 pessoas e causou 11 mortes no país até esta terça-feira (11). Porém, na avaliação da organização Human Rights Watch, os números reais são "quase certamente muito maiores", disse o grupo em relatório divulgado hoje.
Antes da pandemia o país já enfrentava uma crise política, econômica e social histórica. A versão oficial do impacto do coronavírus na Venezuela é questionada devido à "limitada disponibilidade de testes confiáveis, limitada transparência e a perseguição de médicos e jornalistas que relatam a questão", afirma comunicado divulgado nesta terça-feira pela Human Rights Watch (HRW) em conjunto com os centros de Saúde Pública e Direitos Humanos e de Saúde Humanitária da Universidade Johns Hopkins, todos dos Estados Unidos.
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Uma equipe das duas instituições conduziu uma pesquisa com entrevistas por telefone aprofundadas com profissionais de saúde de 14 hospitais públicos da capital, Caracas, e de cinco estados venezuelanos. Os pesquisadores fizeram novas entrevistas com equipes de saúde, de organizações humanitárias e especialistas em sanções em março, abril e maio deste ano, depois da chegada do coronavírus.
"Acreditamos que o dados, as estatísticas dadas pelo governo venezuelano, as estatísticas de Maduro, são absolutamente absurdas e sem credibilidade", disse José Miguel Vivanco, diretor para Américas da HRW ao apresentar o relatório em videoconferência nesta terça-feira.
A falta de resposta da Venezuela à pandemia pode forçar pessoas a deixar o país, sobrecarregando ainda mais os sistemas de saúde de países vizinhos, alertou Kathleen Page, médica e docente da Universidade Johns Hopkins. "A crise humanitária da Venezuela e o colapso do sistema de saúde criaram condições perigosas propícias à rápida disseminação na comunidade, condições de trabalho inseguras para profissionais de saúde e alta taxa de mortalidade entre pacientes que precisam de atendimento hospitalar", disse a médica.
Médicos e enfermeiros relataram que sabão e desinfetantes são "praticamente inexistentes" em suas clínicas e hospitais, e a hiperinflação dificulta cada vez mais que os profissionais tragam esses insumos de casa. Em Caracas, a falta d'água em hospitais é constante. Hospitais mais remotos chegaram a ficar de semanas a meses sem água. Os pacientes e profissionais precisam trazer a sua própria água para beber e se limpar, dizem as organizações.
Alguns dos médicos entrevistados disseram que compram o próprio álcool em gel que precisam para atender os pacientes, com grande sacrifício: um frasco custa de US$ 3 a US 5, enquanto o salário mensal dos médicos estava em torno de US$ 6 a US$ 15 na época das entrevistas.
Muitos pacientes e suas famílias precisam levar a água que será usada para os procedimentos médicos e até para limpar os banheiros e dar descarga. Em um grande hospital, os pacientes precisavam levar 25 litros de água para serem internados. Em outro, se o paciente não trouxer a própria água, sua cirurgia é cancelada, diz o estudo.
Os autores do relatório estimam que a taxa de mortalidade pela Covid-19 será provavelmente maior do que a média na Venezuela pela falta de equipamentos básicos de raio-X, testes de laboratório, leitos de terapia intensiva, respiradores, e pela frequente falta de água, item mínimo e essencial para limitar as infecções.
O relatório ressalta ainda que a escassez de medicamentos e outros insumos e a emigração em massa de profissionais de saúde contribuíram com o declínio progressivo da capacidade hospitalar.
A ditadura de Nicolás Maduro declarou, em 13 de março, estado de emergência e impôs quarentena obrigatória que fechou todos os negócios, exceto serviços essenciais, em todo o país desde 17 de março. O cumprimento das regras é fiscalizado por policias, membros das forças armadas, força de ações especiais (Faes) e pelos coletivos - cidadãos armados pró-Maduro.
Maduro solicitou em março um empréstimo de emergência para combater o coronavírus no valor de US$ 5 bilhões ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que rejeitou o pedindo, dizendo que o governo de Maduro não é reconhecido internacionalmente.
O presidente da Colômbia, Iván Duque, também alertou sobre a situação do coronavírus na Venezuela e disse, nesta terça-feira, que há pouca certeza sobre o número de contágios e de mortes no país vizinho. Para ele, a crise. Essa incerteza seria uma "bomba relógio" que traria mais pressão aos países da região.
A Human Rights Watch e os centros da Universidade Johns Hopkins pediram à comunidade internacional ajuda humanitária urgente para que a Venezuela possa enfrentar a pandemia. As entidades pedem que o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, e o coordenador de socorro de emergência da ONU, Mark Lowcock, assumam a liderança da ajuda humanitária.
O relatório defende ainda que o Grupo de Lima, do qual o Brasil faz parte, e os governos dos Estados Unidos e da União Europeia pressionem as autoridades do regime chavista para que abram as portas e permitam a entrada da resposta humanitária da ONU, ajudando a evitar uma "propagação catastrófica"da Covid-19 no país sul-americano.
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