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Militares guardam a entrada do palácio presidencial Carondolet, em Quito, onde Rafael Correa fez uma entrada triunfal após seu resgate | Pablo Cozzag/AFP
Militares guardam a entrada do palácio presidencial Carondolet, em Quito, onde Rafael Correa fez uma entrada triunfal após seu resgate| Foto: Pablo Cozzag/AFP

Arrocho seria crucial para saúde econômica

Adriano Cesar Gomes

O conflito de quinta-feira em Quito deflagrou a primeira grande crise enfrentada pelo presidente Rafael Correa em seu governo. Mas o protesto violento, que contou com a participação de pouco mais de uma centena de policiais e militares contra Correa, pode ser entendido como o resultado de uma situação que já vinha se arrastando há alguns anos no país. "A manifestação de policiais e militares foi causada, principalmente, pelo projeto de lei [cortando benefícios a policiais] que tramita na Assembleia. Porém, a tensão entre a polícia e o go­­verno não é coisa de agora. Os ânimos apenas se exaltaram de fato, de ambos os lados", revela C.V, jornalista do diário equatoriano El Comercio, o principal periódico do país.

Ele falou à reportagem da Gazeta do Povo por telefone, ontem, mas pede que sua identidade seja preservada.

O projeto que Rafael Correa pretende aprovar no Congresso é baseado em medidas que visam reduzir benefícios e promoções, além de cortar salários de boa parte do funcionalismo público equatoriano.

Eficiência

Apesar das críticas, analistas veem o arrocho como a única saída. "As recentes ações políticas do governo Correa foram ditadas por restrições econômicas", explica Alejandro Grisanti, analista de mercado do banco britânico Barclays Capital, em comunicado à imprensa.

De acordo com o governo, as recentes reformas têm como objetivo tornar o serviço público mais eficiente e o gasto pú­­blico mais efetivo. "É uma reforma polêmica, mas necessária para o bom encaminhamento da saúde econômica do país", avalia C.V.

Segundo analistas, o protesto poderia ter seguido como uma manifestação quase pacífica, não fossem as declarações e ameaças feitas por Correa na tarde de quinta-feira.

O presidente chegou a acusar os policiais que ocuparam o aeroporto de Quito de "um grupo de bandidos ingratos" e desafiou-os a matá-lo. "Existe uma tendência de governantes po­­pulistas emergentes, tanto de esquerda quanto de direita, de buscar por meio da confrontação ganhar o apoio popular. Vimos isso em Zelaya, em Chá­­vez e agora em Correa", analisa Juliano Cortinhas, coordenador do curso de Relações Interna­­cionais do UniCuritiba.

Ele não vê tentativa de golpe. "O presidente quis dar a impressão de que sofreu um golpe, mas o que aconteceu foi uma situação de desconstrução do Estado de Direito. E o resultado foi o enfraquecimento de instituições fundamentais ao país", avalia.

A opinião é compartilhada pelo jornalista equatoriano. C.V. afirma que a população quer saber agora quem são os responsáveis pelo levante.

Volta da paz

De acordo com o funcionário do El Comercio, a expectativa dos equatorianos é que a vida no país volte ao normal a partir da próxima segunda-feira.

  • Florencio Ruiz assumiu como chefe de polícia com a renúncia de Freddy Martinez: presidente garante que todos os rebeldes serão destituídos

O presidente Rafael Correa retomou ontem o controle do Equa­­dor, reafirmou ter sido alvo de tentativa de golpe e de assassinato e prometeu "profunda depuração na Polícia Nacional". Ele foi resgatado sob tiros na noite de quinta-feira de hospital onde fi­­cou 12 horas sitiado por rebeldes. De acordo com o governo, o episódio acabou com oito mortos. Reinstalado no palácio de governo – isolado por cordão militar –, Correa anunciou que vai destituir os policiais que lideraram a onda de protestos pelo país e que não pretende retroceder nas medidas que levaram à revolta.O presidente garantiu que não vai haver "perdão nem esquecimento" a "golpistas".

O chefe da Polícia Nacional do Equador, Freddy Martínez, assumiu a responsabilidade pelos protestos, embora não os tenha apoiado. "Um comandante a quem é dispensada tamanha falta de respeito por seus subordinados não pode continuar no cargo", disse Martínez, que assegurou que a situação estava se normalizando ontem.

Especula-se que Correa, em dificuldade política, lance ofensiva para capitalizar a suposta tentativa de golpe e destitua a As­­sembleia Nacional. Isso lhe permitiria governar mediante decreto até a realização de um novo pleito presidencial e legislativo.

A manobra, que está prevista na Constituição com o nome de "morte cruzada", precisaria, po­­rém, ser aprovada pela Corte de Justiça.

Sem relaxar

O chanceler equatoriano, Ri­­cardo Patiño, afirmou que ainda não se pode "cantar vitória to­­tal". "Superamos a situação por agora, mas nós ainda não podemos relaxar."

Ainda sob estado de exceção, o país também voltava à normalidade, mas escolas e o comércio seguiam fechados.

Os protestos tiveram início na manhã de ontem, horas depois da retificação pela Assembleia Na­­cional de uma lei que retira benefícios dos policiais. Os rebeldes tiveram o apoio de alguns militares.

Durante o dia, tomaram os principais aeroportos, quartéis e a própria Assembleia, atearam fogo a pneus, montaram barricadas nas ruas das principais cidades locais e interromperam es­­tradas.

Ao tentar dialogar com um grupo de manifestantes, Correa foi alvejado por bombas de gás lacrimogêneo e uma garrafa d’água, sendo então levado para o hospital.

Correa, que desafiou seus algozes a que o matassem, voltaria ao palácio apenas à noite.

Segundo o balanço oficial, ao menos cinco pessoas morreram e outras quase 200 terminaram feridas. A Justiça anunciou investigação sobre a suposta tentativa de golpe.

Telefonema

Lula condena "tentativa de golpe"

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenou veementemente ontem o que chamou de tentativa de golpe no Equador. "Esse tipo de tentativa de derrubar presidente eleito não é correto, a polícia jogar bomba em presidente é menos correto ainda", disse Lula a jornalistas após participar de um evento em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.

"Não existe no mundo ninguém que concorde com golpe. Os golpistas do Equador já devem estar arrependidos da burrice que fizeram", acrescentou o presidente.

Ainda ontem, os países da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) anunciaram que adotarão medidas como fechamento de fronteiras e suspensão do comércio com o Equador caso grupos rebeldes insistam na tentativa de golpe de Estado contra o presidente Rafael Correa.

A ameaça foi divulgada ao final da reunião extraordinária de chefes de Estado e representantes de governo da Unasul que aconteceu em Buenos Aires.

Os países afirmam ser necessário que os responsáveis pela tentativa de golpe "sejam julgados e condenados". E advertem que não vão tolerar "qualquer novo desafio à autoridade institucional nem tentativa de golpe ao poder civil legitimamente eleito."

Os países decidiram ainda enviar seus chanceleres a Quito, para expressar respaldo ao presidente equatoriano. O secretário-geral do Ministério de Relações Exteriores, embaixador Antônio Patriota, deve representar o chanceler Celso Amorim.

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