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Religião

Criacionismo emerge no mundo islâmico

Tese de que os humanos evoluíram a partir dos primatas primitivos não é bem aceita por grande parte da população muçulmana

Amherst, Massachusetts - O Criacionismo está ganhando adeptos no mundo muçulmano, da Turquia à Indonésia, conforme revelaram acadêmicos de todo o mundo durante conferência realizada no mês passado na cidade de Amherst, Massachusetts (EUA). 

Entretanto, os criacionistas da Terra Jovem, grupo que acredita que Deus criou o universo, a Ter­­ra e a vida em seis dias há apenas alguns milhares de anos, são ra­­ros entre os islâmicos.

Uma das razões da pequena aceitação desse grupo entre os muçulmanos se deve ao fato de o alcorão, o livro sagrado islâmico, dizer que o universo foi criado em seis dias, mas que o termo "dia", nesse contexto, é metafórico: "mil anos nos cálculos do ho­­mem".

Esse fato, no entanto, não significa que a evolução moderna se enquadra no Islã ou que os mu­­çulmanos aceitam de bom grado as descobertas da biologia. Mais e mais islâmicos estão se juntando ao grupo dos que se denominam Criacionistas da Terra Antiga. Eles não discutem com astrônomos e geólogos, mas travam uma verdadeira luta com os biólogos, insistindo que a vida é criação de Deus e não uma consequência de fatos aleatórios.

Educação

O debate sobre a evolução ganhou maior proeminência nos últimos anos em muitos países islâmicos pelo fato de que a educação nessas nações progrediu e cada vez mais estudantes são expostos às teorias da biologia moderna.

Uma pesquisa realizada pelo Centro de Pesquisas Educacionais sobre a Evolução, da Universidade McGill, em Montreal, Canadá, revelou que os livros escolares de Biologia no Paquistão incluem a teoria da evolução, mas citações do alcorão no início dos capítulos sugerem que religião e teoria coexistem de forma harmoniosa.

O grau de aceitação da teoria da evolução varia de país para país no mundo muçulmano. Um estudo englobando 2.527 alunos do ensino médio paquistanês, conduzido pelos pesquisadores da McGill e colaboradores internacionais, revelou que 28% dos estudantes concordam com o sen­­timento criacionista. Em contrapartida, pelo menos 8 em cada 10 (86%) estudantes aceitam como verdadeira a seguinte afirmação: "Milhões de fósseis de­­monstram que a vida existe há bilhões de anos e mudou com o passar do tempo".

A situação na Turquia é diferente e mudou há apenas duas décadas. Um dos participantes da conferência, Taner Edis, revelou jamais ter sido exposto ao criacionismo durante sua infância na Turquia, durante os anos 70. "Só fiquei sabendo sobre o criacionismo quando vim estudar nos EUA", relembra Edis, hoje professor de Física na Truman State University, em Missouri. No começo ele pensava que o criacionismo era uma esquisitice norte-americana.

Há alguns anos, enquanto consultava as prateleiras de uma livraria durante uma visita à Tur­­quia, o professor Edis encontrou livros sobre o criacionismo entre o livros da seção científica. "Fui pego de surpresa", confessou.

Na Turquia, que tem um go­­verno oficialmente secular, mas que agora está sob a administração de um partido islâmico, o en­­sino da evolução desapareceu amplamente, ao menos nos ní­­veis abaixo do universitário, e o currículo científico nas escolas públicas é ditado pelas crenças religiosas, revelou Edis.

De acordo com a pesquisa ca­­nadense, menos alunos na Indo­­nésia do que no Paquistão acreditam que a evolução é um fato científico bem aceito, apesar de 85% deles acreditarem que os fósseis comprovam que a vida existe há bilhões de anos e que mudou com o passar do tempo.

A qualidade do ensino da biologia "varia enormemente conforme o país e escola que você analisa", apontou Jason R. Wiles, professor de biologia na Syracuse University e diretor associado do McGill Center.

Além desse fato, a situação em países de maioria xiita pode ser muito diferente do que em lugares onde os sunitas são mais nu­­merosos. Não existe um líder, co­­mo o papa da Igreja Católica, para ditar uma regra geral válida para todos os muçulmanos.

O simples fato de descobrir co­­mo países diferentes ensinam a evolução pode ser difícil, apontou Salman Hameed, responsável pela organização da conferência no Hampshire College, onde é professor de ciências integradas e humanidades.

Na Arábia Saudita, por exemplo, estrangeiros não podem ver os livros didáticos de biologia.

Para muitos muçulmanos, a evolução e a noção de que a vida floresceu sem a interventora mão de Alá podem ser altamente compatíveis com suas crenças. O que eles consideram inaceitável é a evolução humana, a ideia de que os humanos evoluíram de primatas primitivos. O alcorão prega que Alá criou o primeiro homem a partir da argila.

Pervez A. Hoodbhoy, renomado físico atômico da Universidade Quaid-e-Azam, no Paquistão, re­velou que quando dava palestras que analisavam a história cosmológica, desde o "big bang" até a evolução da vida na Terra, a plateia ouvia, sem reclamar, quase tudo. "Tudo vai bem até você falar do macaco", revelou Hood­­bhoy.

O simples fato de mencionar a evolução humana poderia levar a piquetes e ele teria de ser escoltado para sair do local. "Esta talvez seja a única coisa que eles (muçulmanos) irão jamais aceitar", afirmou.

O ensino da biologia, mesmo em lugares como o Paquistão, onde realmente se ensina sobre a evolução, frequentemente faz manobras e não responde de on­­de vieram os humanos.

Alguns acadêmicos participantes da conferência se preocupam com o fato de que a rejeição de alguns aspectos da evolução pode levar alguns países islâmicos a um atraso na educação científica.

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