
A Argentina do tango e das vinícolas tenta se recompor em meio à crise financeira. Os efeitos do arrocho econômico no país conhecido pela qualidade na produção de grãos e carnes afetam as cidades do interior. Moradores de regiões consideradas tranquilas convivem com o medo de assaltos e a falta de emprego, fatos que marcaram a última grande crise argentina, há cerca de uma década.
Com base em argumentos neoliberais, críticos do governo da presidente Cristina Kirchner reclamam do aumento dos gastos públicos e o que chamam de benesses assistencialistas. Aposentadoria para dona de casa, auxílio financeiro para mulheres grávidas desempregadas ou que já tenham filhos com menos de 18 anos causam polêmica e são vistas como medidas para assegurar votos e simpatizantes ao governo Kirchner. Por outro lado, ações impopulares ganham terreno. O governo taxou em 15% as transações de débito e crédito com cartões no exterior e proibiu aos argentinos adquirir moedas estrangeiras, exceto aqueles que irão viajar.
Conforme o Instituto Nacional de Estatística e Censo (Indec) a inflação acumulada entre agosto de 2011 e agosto de 2012 é de 10%. Os números divulgados pelo instituto causam divergência por serem apontados como irreais em relação ao estimado por analistas privados.
Classe média
A situação econômica do país coloca em xeque a presidente Cristina. Na capital Buenos Aires, moradores de classe média passaram a fazer panelaços durante os constantes discursos da presidente na televisão. Nas ruas, o medo toma conta.
"O abuso do álcool e das drogas levam as pessoas a matarem outras por poucos pesos ou por um par de sapatos", diz a contadora Mariana Neto, 45 anos, moradora de Buenos Aires. Este tipo de violência, comum no Brasil, não era familiar para os portenhos na última década.
No interior do país, a insegurança e o crescente desemprego também causam apreensão. Considerada a cidade mais tranquila da Tríplice Fronteira de Brasil, Paraguai e Argentina, Puerto Iguazú passou a registrar assaltos com reféns e ocorrência de pequenos furtos, algo raro para um município de 70 mil habitantes. "Antes podíamos sair e deixar o carro aberto. Hoje não. Terminou a tranquilidade", diz comerciante do ramo de móveis e eletrodomésticos, Federico Simon, de 57 anos.
Para Simon, a situação do país começou a piorar a partir de 2008, após Cristina ter se digladiado com o setor produtivo (agricultores e pecuaristas), que segundo ele, investia no país e aquecia a economia.
Embora haja reclamações, não é difícil encontrar pessoas que aprovam o governo Kirchner. Vendedora de cosméticos e auxiliar de limpeza, Juana Lopez, 56 anos, diz que a presidente ajuda muito a população necessitada. "Ela ajuda quem precisa, ajuda os aposentados e dá trabalho. Quem está sem emprego é porque não quer trabalhar", afirma.
País ainda é refém da crise anterior, dizem especialistas
Estudioso de História da América, o professor Paulo Renato da Silva, da Universidade Federal Latino-Americana (Unila), diz que o governo Kirchner é refém do passado econômico argentino. No entanto, há um grau de responsabilidade do atual governo.
Silva comenta que, no país, há defensores da manutenção das políticas sociais. No entanto, poderia haver revisão na concessão de subsídios até porque a crise que o país passa hoje não é tão dura se comparada a de 2002.
Para ele, há sinais de necessidade de ajustes no modelo político alimentado pela política Kirchner. "A situação da Argentina é de incerteza nos próximos meses", diz.
O professor Demiam Castro, chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), discorda da premissa de que o país esteja em crise. "A situação da Argentina nunca deixou de ser complicada, mas está longe de caracterizar uma crise", diz.
Na análise de Castro, não há elementos para caracterizar a existência de uma crise porque o país continua crescendo. A taxa de desemprego também não indica crise.
Subsídios
Para o professor, o país ainda sofre consequência da crise de 2002 quando estava explodindo socialmente, fato que explica parte da atual política de subsídios sociais estabelecida pela presidente Cristina Kirchner. "Não é assistencialismo", diz.
Ele sustenta que a Argentina ainda não encerrou os compromissos herdados anteriormente, incluindo a dívida contraída com o Clube de Paris, na época do calote de US$ 100 bilhões, em 2002, um fato que repercute na situação atual.
Uma das preocupações de Castro em relação ao futuro do país é quanto à inflação, explicada parcialmente pelo processo de desindustrialização. "A indústria perdeu a importância e a capacidade de introduzir progresso técnico", afirma.



