Curitiba O Brasil já enfrentou quase todo tipo de disputa com seus vizinhos sul-americanos. Guerreou com o Paraguai, anexou o Uruguai, teve de negociar limites de território com várias nações. Apesar disso, o tipo de conflito de interesses que o país vive atualmente com a Bolívia é inédito para nossa diplomacia. Por um lado, envolve dois países que não estão automaticamente alinhados a um líder mundial. Portanto, as partes precisam resolver os problemas entre si, sem apaziguamentos externos. Por outro lado, a disputa é entre duas nações que não querem e nem devem resolver suas questões na base da pressão militar.
"Estamos tendo de aprender a conviver com essas novas relações", afirma a professora da USP Maria Aparecida de Aquino, doutora em História Contemporânea. Segundo ela, durante boa parte do século 20, os conflitos entre as nações eram resolvidos por decreto do governo norte-americano. "Quando há um padrinho do tamanho dos Estados Unidos, nunca se chega a uma situação limite", opina a professora.
Só em anos recentes, a situação tomou novos rumos, com ares de decisões independentes nas relações internacionais.
Portanto, para encontrar algum paralelo para a dificuldade criada com a nacionalização do gás e do petróleo bolivianos, seria necessário voltar ao princípio da República brasileira e ao Império, quando o poder dos EUA ainda não dominava o cenário. E os cem anos que vão de nossa Independência até o começo do século 20 foram coalhados por questões internacionais envolvendo o Brasil.
Cardápio novo
O tipo de solução encontrado para os problemas da época, no entanto, não faz mais parte do cardápio nacional. "A política no começo da República, por exemplo, era de negociar mas ao mesmo tempo manter uma pressão militar", afirma o professor Everaldo de Oliveira Andrade, professor de História da América na Universidade de Guarulhos, em São Paulo. De acordo com ele, essa era a postura do Barão do Rio Branco, o diplomata que negociou alguns dos principais tratados de limites da nossa história.
O caso da compra do Acre exemplifica bem o processo usado pelo Brasil na época. No fim das contas, o Tratado de Petrópolis, que deu o Acre ao Brasil em troca de várias compensações e não apenas de um cavalo, conforme insinuou o presidente boliviano Evo Morales foi uma operação diplomática. Antes disso, porém, milícias de civis brasileiros haviam invadido com armas o território acreano, que na época pertencia à Bolívia. E mesmo durante a negociação, a diplomacia brasileira nunca deixou que os bolivianos esquecessem que estavam tratando com um país maior e militarmente mais forte.
"Hoje, a força militar não é usada como um argumento", diz Andrade. Segundo ele, o Brasil até poderia manter uma pressão mais forte sobre o país vizinho, mas essa é uma política que caiu em desuso.
Para Maria Aparecida, a política do governo Lula em relação à Bolívia nas últimas semanas acaba por revelar qual é o caminho que o Brasil pretende tomar nesse novo tipo de conflito. "Quando o presidente diz que é preciso ter carinho com a Bolívia, mesmo em meio a esse processo, isso mostra de que lado a política brasileira vai nos colocar", afirma. Ela diz que o Brasil pretende ficar ao lado dos seus colegas com menor poder de fogo. O que deve mudar significativamente nossas relações internacionais.



