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Uma mulher sentada em sua mercearia de rua, em Xangai, China, 08 de julho de 2022
Uma mulher sentada em sua mercearia de rua, em Xangai, China, 08 de julho de 2022| Foto: EFE/EPA/ALEX PLAVEVSKI

A desaceleração econômica da China, a segunda maior economia do mundo, tem implicações globais. Dentro do país, a população já sente a transformação do “milagre econômico” do gigante chinês para as consequências desastrosas de um crescimento imobiliário insustentável, agravadas pela política de Covid Zero no país. A classe média, em especial, está pagando caro por essas estratégias da ditadura chinesa.

No final de julho, houve um forte conflito envolvendo bancos regionais chineses, com dinheiro confiscado e tanques de guerra nas portas das agências, para impedir a entrada de manifestantes que por três meses pediam para retirar as economias das contas. A medida foi adotada na província de Henan, onde protestos de correntistas na cidade de Zhengzhou foram violentamente reprimidos.

Correntistas de quatro bancos regionais alegavam que estavam com as economias bloqueadas desde abril. Esses valores estariam sendo transferidos para “produtos de investimento”, segundo informaram autoridades chinesas.

Para frear as manifestações dos correntistas, a ditadura chinesa ainda teria manipulado a plataforma de identificação da população, marcando pessoas como se tivessem testado positivo para a Covid-19 ou estado em contato com infectados. Segundo denúncias feitas pelos manifestantes, dezenas deles estariam em "vermelho" no aplicativo utilizado no país, sendo impedidos de sair de casa.

Em 29 de agosto, a polícia de Henan anunciou a prisão de 234 pessoas, “membros de uma organização criminosa”, conforme anunciou a corporação. Elas estariam envolvidas em um “desfalque financeiro” dos quatro bancos chineses em crise.

A bolha imobiliária 

Baseada em propriedade e crédito, a China alcançou um crescimento médio de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano entre 1991 e 2010, maior do que qualquer outro país no mesmo período. Esse desenvolvimento fez o país asiático se destacar pelo que ficou conhecido como “ritmo chinês de crescimento”. Nesse contexto, o crédito do setor privado cresceu mais do que o equivalente a 100% do PIB.

Esse ritmo foi superior ao que antecedeu a “década perdida” do Japão em 1980 e a bolha de mercado dos Estados Unidos em 2007, como lembra Desmond Lachman, membro do Instituto Empresarial Americano, ex-vice-diretor do Departamento de Desenvolvimento e Revisão de Políticas do Fundo Monetário Internacional, em artigo publicado no jornal americano National Review.

O setor imobiliário representa mais de 30% da economia do país - o dobro do tamanho do mesmo setor nos Estados Unidos, como lembra Lachman, e envolve entes subnacionais chineses, empreiteiras e veículos de investimentos.

“Há agora muitas indicações de que a festa do mercado imobiliário da China está chegando ao fim”, destacou o colunista da National Review. O principal fator para essa conclusão é a situação da empreiteira Evergrande, que tem uma dívida bilionária (US$ 300 bilhões, R$1,65 trilhão na conversão atual). A empresa deixou de pagar seus títulos em dólares no ano passado e não esconde a possibilidade de dar um calote.

Em seguida, outras 20 incorporadoras do mercado imobiliário chinês seguiram o mesmo caminho. Em julho, a China pediu aos bancos que concedam maior crédito às empresas que estão com dificuldades devido ao crescente número de proprietários que se recusam a pagar as mensalidades de obras atrasadas.

As pré-vendas na planta são a maneira mais comum de "vender" imóveis na China. O verbo está entre aspas, porque no país não existe uma real venda de casas ou apartamentos, e sim um aluguel por 70 anos de imóveis que pertencem às províncias.

Mais de 1 milhão de famílias chinesas aderiram ao boicote do pagamento de hipotecas de obras inacabadas. Com empréstimos inadimplentes, os bancos estão sobrecarregados. Enquanto isso, 65 milhões de habitações estão desocupadas no país. Como destacou Frédéric Lemaître, correspondente do jornal Le Figaro em Pequim, “na maioria das cidades chinesas, os preços atingiram um valor que não permite mais que a classe média encontre moradia”.

Covid Zero 

Agravando essa crise decorrente do setor imobiliário, mais um erro de estratégia na China: há dois anos e meio, o país cerca bairros e até cidades inteiras quando surtos de Covid-19 são detectados.

Os confinamentos exagerados prejudicaram diretamente a economia de 45 grandes cidades chinesas, entre elas Xangai. Trezentos e setenta e três milhões de habitantes foram impactados, o que equivale a um quarto da população do país e 40% do PIB nacional, segundo a holding financeira japonesa Nomura, atingindo especialmente a classe média do país.

Como consequência, o crescimento da economia chinesa deve cair para 3% em 2022, conforme preveem as pesquisas do americano Rhodium Group. Em 2019, o percentual foi de 6%. "Aumentaram os riscos, a complexidade e a incerteza sobre o desenvolvimento econômico da China", publicou o grupo em nota.

Um estudo publicado pelo banco francês Natixis apresentou a estimativa de que, no terceiro trimestre deste ano, o crescimento da economia chinesa será próximo de zero. A causa, segundo o banco, são as medidas restritivas diante da pandemia. E a tendência é que a desaceleração continue, porque a Covid Zero foi anunciada pela ditadura chinesa como uma política que deve perdurar até 2027.

Nos longos períodos de lockdown, conforme anunciou o Escritório Nacional de Estatísticas, dezenas de empresas precisaram reduzir ou parar a produção. "O funcionamento delas foi fortemente prejudicado", apontou o analista-chefe da organização, Zhao Qinghe, no comunicado.

Em abril, o valor agregado na indústria caiu 2,9% em um ano. O varejo teve queda de 11% e as vendas de automóveis tiveram impacto negativo de 47%. Especificamente no setor imobiliário, segundo o E-House, Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da China, as vendas caíram 52% nos primeiros meses de 2022, em comparação com o ano passado.

Consequências mundiais 

Se o cenário de desaceleração econômica se mantiver, o mundo não poderá mais contar com a China como seu principal motor de crescimento econômico. As economias de mercado emergentes não poderão mais se salvar com outro boom internacional de commodities impulsionado pela China, como foi na Crise de 2008.

Ren Zhengfei, fundador da Huawei, gigante chinesa das telecomunicações, alertou recentemente os funcionários assalariados da multinacional em um evento interno: “A próxima década será um período muito sofrido para a história da humanidade”. O discurso foi criticado pelo Partido Comunista Chinês, que prepara o 20º congresso, onde Xi Jinping deverá anunciar seu terceiro mandato, tentando manter a aparência de vitalidade do “sonho chinês” e do “ritmo de crescimento” que, pelo que mostram os fatos, ficou no passado.

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