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Sociedade relativamente homogênea da Dinamarca vive desafio de incorporar imigrantes muçulmanos | MAURICIO LIMA/
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Sociedade relativamente homogênea da Dinamarca vive desafio de incorporar imigrantes muçulmanos| Foto: MAURICIO LIMA/ NYT

Quando Rokhaia Naassan der à luz, ela e seu bebê vão entrar em uma nova categoria aos olhos da lei dinamarquesa. Porque vive em um bairro imigrante de baixa renda, descrito pelo governo como um "gueto", Rokhaia será o que os jornais dinamarqueses chamam de "mãe do gueto" e seu bebê, um "filho do gueto".

A partir de um ano de idade, as "crianças do gueto" devem ser separadas de suas famílias por pelo menos 25 horas por semana, sem contar o período da soneca, para receber a orientação obrigatória sobre os "valores dinamarqueses", incluindo as tradições do Natal e da Páscoa, e a língua oficial. O descumprimento pode resultar em uma interrupção dos pagamentos da seguridade social. Outros cidadãos dinamarqueses são livres para escolher quando matricular seus filhos de até seis anos na pré-escola. 

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O governo da Dinamarca está introduzindo um novo conjunto de leis para regular a vida em 25 enclaves de baixa renda e predominantemente muçulmanos, dizendo que se as famílias não assimilam a cultura do país, devem ser obrigadas a isso. 

Durante décadas a integração dos imigrantes foi um desafio complicado para o modelo dinamarquês, destinado a servir uma população pequena e homogênea. Os líderes estão focando sua ira nos bairros urbanos, onde os estrangeiros, em parte colocados lá pelo governo, vivem em concentrações densas, com altas taxas de desemprego e violência de gangues. 

Integração ou assimilação? 

A descrição dos guetos feita por políticos foi se tornando cada vez mais sinistra. Em seu discurso anual de Ano Novo, o primeiro-ministro Lars Lokke Rasmussen avisou que os guetos poderiam "alcançar as ruas", espalhando a violência, e que por causa desses locais, "rachaduras estão surgindo no mapa da Dinamarca". Os políticos que já usaram a palavra "integração" agora pedem abertamente a "assimilação". 

Essa abordagem dura está incorporada no "pacote do gueto". Das 22 propostas apresentadas pelo governo, no início de março, muitas foram aceitas pela maioria parlamentar, e mais outras poderão ser votadas até o fim do ano. 

Algumas são punitivas: uma medida em estudo permitiria que os tribunais dobrassem a punição para certos crimes se fossem cometidos em um dos 25 bairros classificados como guetos, com base no rendimento dos residentes, no estatuto de emprego, nos níveis de educação, no número de prisões efetuado e no "passado não ocidental". Outra imporia uma pena de prisão de quatro anos aos pais imigrantes que forçassem seus filhos a fazer visitas prolongadas a seu país de origem – descritas aqui como "viagens de reeducação" –, dessa forma prejudicando sua "escolaridade, linguagem e bem-estar". Ainda outra permitiria às autoridades locais aumentar o acompanhamento e a vigilância das famílias dos "guetos". 

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Certas propostas foram rejeitadas, vistas como extremamente radicais – como uma do Partido Popular Dinamarquês, de extrema-direita, que confinaria as "crianças do gueto" a suas casas após as oito da noite. (Ao ser perguntado sobre como a medida seria aplicada, Martin Henriksen, presidente do Comitê de Integração do Parlamento, sugeriu que os jovens nessas áreas poderiam ser equipados com tornozeleiras eletrônicas.) 

Recentemente, no Folkemodet, um encontro político anual na ilha de Bornholm, o ministro da Justiça, Soren Pape Poulsen, fez pouco da objeção baseada em direitos. 

"Alguns vão lamentar e dizer: 'Não somos iguais perante a lei neste país', e 'certos grupos são punidos mais severamente', mas isso é um absurdo", disse ele, acrescentando que o aumento das sanções afetaria apenas as pessoas que não obedecem à lei. 

Para aqueles que dizem que as normas se destinam aos muçulmanos, ele disse: "Isso é bobagem. Para mim, a ideia é que, não importa quem viva nessas áreas ou em quem eles acreditem, todos terão que aceitar os valores necessários para viver bem na Dinamarca". 

Críticas ao modelo 

Yildiz Akdogan, um social-democrata cujo eleitorado inclui Tingbjerg, classificado como gueto, disse que os dinamarqueses se tornaram tão insensíveis à dura retórica contra os imigrantes que já não percebem a conotação negativa da palavra "gueto" e seus ecos da separação de judeus na Alemanha nazista. 

"Nós os chamamos de 'crianças do gueto', de 'pais do gueto', é muito louco. Está se tornando uma palavra dominante, muito perigosa. As pessoas que conhecem um pouco de história e o período terrível por que passou a Europa, sabem ao que a palavra "gueto" está associada", disse Akdogan. 

Muitos moradores dos "guetos" dinamarqueses dizem que se mudariam se pudessem se dar ao luxo de viver em outro lugar. Em uma tarde recente, Naassan estava sentada com suas quatro irmãs em Mjolnerparken, um complexo de quatro andares de tijolos vermelhos que é, segundo os números, um dos piores guetos da Dinamarca: 43% dos seus residentes estão desempregados, 82% são de "origem não ocidental", 53% têm baixa escolaridade e 51%, ganhos relativamente baixos. 

As irmãs Naassan perguntaram em voz alta por que estavam sujeitas a essas novas medidas. Filhas de refugiados libaneses, elas falam dinamarquês sem sotaque e conversam com os filhos no mesmo idioma; queixam-se, inclusive, de que as crianças falam tão pouco árabe que mal podem se comunicar com os avós. Anos atrás, durante a infância na Jutlândia, no oeste da Dinamarca, elas raramente se deparavam com algum sentimento antimuçulmano, disse Sara, de 32 anos. 

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"Talvez essa sempre tenha sido a opinião deles, mas apenas agora está aparecendo. A política dinamarquesa é só sobre os muçulmanos. Eles querem que sejamos mais assimilados ou que saiamos. Não sei quando ficarão satisfeitos conosco", disse ela. 

Barwaqo Jama Hussein, 18 anos, refugiada somali, observou que muitas famílias de imigrantes, incluindo sua própria, haviam sido instaladas em bairros "guetos" pelo governo. Ela se mudou para a Dinamarca quando tinha cinco anos e vive em Tingbjerg desde os 13. Disse que a descrição dos políticos das "sociedades paralelas" simplesmente não se aplica a ela, ou a Tingbjerg. "É triste que não nos vejam como iguais. Vivemos de fato na sociedade dinamarquesa. Seguimos as regras, vamos para a escola; a única coisa que não fazemos é comer carne de porco", disse ela. 

Apoio dos eleitores 

Porém, cerca de 19 quilômetros ao sul da cidade, em Greve, subúrbio de classe média, os eleitores aprovam as novas leis. "Eles gastam muito dinheiro aqui. Nós pagamos seu aluguel, suas roupas, sua comida, e aí eles vêm com um dinamarquês ruim e dizem: 'Não podemos trabalhar porque estamos doentes'", disse a cabeleireira Dorthe Pedersen enquanto tingia o cabelo de uma cliente. 

Sua cliente, Anni Larsen, contou a história de quando foi convidada por um imigrante turco para o casamento de seu filho, e de como ficou chocada ao descobrir que os convidados eram separados por sexo e ficavam em salas diferentes. "Eu acho que havia apenas 10 dinamarqueses", disse, horrorizada. 

Anette Jacobsen, 64 anos, assistente de farmácia aposentada, afirmou ter orgulho do sistema seguridade social da Dinamarca, que garantiu educação e cuidados de saúde gratuitos a seus quatro filhos, e que por isso sentia-se grata todas as vezes que pagava seus impostos, que correspondem a mais de 50% de sua renda anual. Quanto aos imigrantes que utilizam o sistema, ela disse: "Há sempre uma portinhola para alguém entrar sorrateiramente". 

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"Moralmente, eles devem ser gratos por poderem participar do nosso sistema, construído ao longo de gerações", disse ela. 

Seu marido, Jesper, ex-marinheiro mercante cujo navio uma vez atracou no Líbano, disse que tinha visto operários preguiçosos sendo substituídos por um bando de novos trabalhadores, tirados do interior. "Eu acho que estão 300, 400 anos atrás de nós", disse ele. 

Essa nova investida para forçar a integração dos muçulmanos lhes parece positiva. "Os jovens vão ver o que é ser dinamarquês e não serão como seus pais", afirmou Jesper. "As avós vão morrer um dia. São elas que resistem à mudança", concluiu Anette. 

Hussein, a aluna do ensino médio de Tingbjerg, está acostumada com as conversas anti-imigrantes que surgem antes das eleições, mas diz que este ano elas estão mais agressivas do que nunca. "Se você pode criar leis que se aplicam apenas a uma parte da sociedade, vai continuar fazendo isso para sempre, gerando a tal sociedade paralela que tanto temem. Eles mesmos vão criá-la."  

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