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O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa durante a abertura da primeira sessão plenária da Cúpula das Américas de 2022 em Los Angeles, na semana passada
O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa durante a abertura da primeira sessão plenária da Cúpula das Américas de 2022 em Los Angeles, na semana passada| Foto: EFE/EPA/ETIENNE LAURENT

Não faltam grupos, blocos e eventos que visam promover a integração dos países das Américas: Mercosul, Acordo Estados Unidos-México-Canadá (que substituiu o Nafta), Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba), União de Nações Sul-Americanas (Unasul), Grupo de Lima, Cúpula das Américas, que teve sua nona edição realizada em Los Angeles na semana passada...

É claro que a composição desses grupos varia muito e também seus objetivos, que muitas vezes se contradizem: o Grupo de Lima, por exemplo, visa contribuir para a volta da democracia na Venezuela, enquanto a Alba busca legitimar e dar continuidade à ditadura chavista. Entretanto, todos têm em comum o fracasso de efetivamente integrar a região.

Em artigo publicado no ano passado, Detlef Nolte, membro associado do Instituto Alemão de Estudos Globais e de Área (Giga, na sigla em inglês), ex-diretor do Instituto Giga de Estudos Latino-Americanos e professor adjunto de ciência política na Universidade de Hamburgo, destacou que o comércio entre os países latino-americanos é um dos menos integrados do mundo.

Entre 1990 e 2014, enquanto o comércio intrarregional em todas as regiões do mundo representou 45% do comércio mundial, na América Latina e no Caribe ele não ultrapassou a faixa dos 20%. Em 2020, com o impacto da pandemia de Covid-19, o comércio intrarregional na região caiu 24%, mais do que o extrarregional. Ou seja: os países latino-americanos fazem (muito) mais negócios com países de outras regiões do mundo do que entre si.

A Gazeta do Povo detalha os principais motivos para essa falta de integração nas Américas.

Desinteresse das grandes potências

O ex-presidente americano Donald Trump (2017-2021), que sempre manifestou seu desprezo pelo multilateralismo e sua preferência por relações bilaterais, ameaçou retirar os Estados Unidos do Nafta (o que levou a uma renegociação e a criação de um novo acordo com Canadá e México) e saiu da Parceria Transpacífico, que reúne países das Américas e de outros continentes.

Seu sucessor, Joe Biden, pregou uma aproximação com os vizinhos durante a Cúpula das Américas, mas foi criticado por ter demorado para tomar essa iniciativa – seu primeiro ano e meio de mandato foi monopolizado por questões internas, China e guerra da Ucrânia.

O economista Igor Macedo de Lucena, doutorando em relações internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política, apontou em entrevista à Gazeta do Povo que as duas maiores potências da América Latina também não têm interesse numa integração das Américas.

“O Brasil era para ser o grande líder, a Alemanha da América Latina, no sentido de liderar um projeto de integração, pela nossa população, nosso mercado consumidor, mas historicamente o país é preso ao seu próprio processo. Desde a redemocratização, focamos muito em nós mesmos, dificilmente olhamos para a América Latina. Sem um país economicamente forte puxando essa integração, dificilmente ela vai acontecer”, destacou.

No caso do México, Lucena argumentou que, por ser “ligado umbilicalmente ao antigo Nafta e ao novo acordo com Canadá e Estados Unidos”, o maior país de língua espanhola do mundo “olha muito mais para essa integração dentro da América do Norte do que para a América Latina”.

Ditaduras de esquerda na região

Além da repressão que impõem a suas populações, Venezuela, Cuba e Nicarágua geram pressões em países vizinhos (como os milhões de refugiados venezuelanos e a proteção que o regime de Nicolás Maduro oferece a guerrilhas e traficantes na região da fronteira com a Colômbia) e desestabilizam o diálogo político nas Américas, já que dividem o continente entre apoiadores (Argentina, Bolívia) e críticos (Estados Unidos, Colômbia, Brasil).

“As crescentes tendências autoritárias depois que Maduro chegou ao poder na Venezuela levaram a um aumento dos conflitos na região, especialmente após a mudança para governos de direita em muitos outros países latino-americanos, incluindo o Brasil. Mas também houve governos que apoiaram a Venezuela”, argumentou Detlef Nolte, no artigo publicado em 2021.

“A polarização político-ideológica não só dificultou o desenvolvimento de projetos regionais conjuntos, mas também colocou em risco a sobrevivência das organizações regionais existentes”, complementou.

Para citar dois exemplos: o Brasil deixou a Celac depois que Jair Bolsonaro se tornou presidente devido às presenças de Cuba, Venezuela e Nicarágua na comunidade, enquanto a Argentina abandonou o Grupo de Lima porque a gestão Alberto Fernández alegou que seus integrantes visavam “isolar o governo da Venezuela”.

Igor Macedo de Lucena apontou que a presença de ditaduras dificulta a integração nas Américas, mas a ausência desta também colabora para que os regimes autoritários se perpetuem.

“Quando olhamos outros projetos econômicos de integração, a União Europeia [então Comunidade Econômica Europeia] pressionou Espanha e Portugal e isso foi um dos motivos para que ali ocorressem transições para a democracia”, justificou.

“Não há dúvida de que, se houvesse um projeto de integração maior, haveria pressão para que essas ditaduras não se consolidassem ou que caminhassem para que houvesse democracia novamente nesses países”, afirmou o economista.

Insegurança jurídica e econômica

Igor Macedo de Lucena ressaltou que na América Latina, historicamente “o desenvolvimento econômico nunca é perene”. “Assim como o Brasil, muitos países sofrem da mesma mazela: projetos de desenvolvimento que são alterados ou abandonados conforme os governos passam, não existe continuidade”, apontou, citando como exceções Chile e, mais recentemente, Colômbia e Panamá.

O ranking mais recente de liberdade econômica da Fundação Heritage tem apenas cinco países das Américas entre os que entram nas categorias livre e livre na maior parte: Canadá (15º lugar), Chile (20º), Estados Unidos (25º), Barbados (28º) e Uruguai (34º).

Porém, entre os países considerados de pouca ou nenhuma liberdade econômica, há 15 das Américas: El Salvador (90º), Guiana (91º), Honduras (92º), Trinidad e Tobago (99º), Belize (109º), Nicarágua (122º), Dominica (125º), Equador (126º), Brasil (133º), Argentina (144º), Haiti (145º), Suriname (156º), Bolívia (169º), Cuba (175º) e Venezuela (176º).

O ranking leva em conta diversos fatores, como eficácia do Judiciário, integridade do governo, carga fiscal e facilidade para fazer negócios e investimentos.

Influência crescente da China

A China vem nos últimos anos aumentando sua presença na América Latina e diminuindo a influência dos Estados Unidos, por fatores políticos, como a ligação com as ditaduras de esquerda da região, mas principalmente por questões econômicas, com empréstimos de seus bancos estatais e investimentos.

A China recentemente quebrou uma hegemonia histórica do Brasil e se tornou a maior parceira comercial da Argentina.

“A crescente presença econômica da China na América Latina desencadeou uma reação dos Estados Unidos, que tentam diminuir a influência chinesa. Entre outras coisas, isso levou a uma politização da política comercial dos EUA na América Latina. A América Latina tornou-se mais uma arena no conflito global entre a China e os Estados Unidos”, afirmou Detlef Nolte.

Com a sombra da segunda maior economia do mundo e um histórico pouco animador, uma integração das Américas fica cada vez mais distante de sair dos discursos e chegar à prática.

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