
Se a Organização das Nações Unidas (ONU) fosse um prédio, seria necessária a autorização de 192 condôminos para qualquer reforma. É essa dimensão coletiva que torna tão difícil levar a cabo as atualizações necessárias ao organismo, após 65 anos de sua criação, completados hoje.
As reformas apontadas como necessárias vão além do conhecido pleito por novas vagas permanentes no Conselho de Segurança (CS, formado por EUA, Inglaterra, França, Rússia e China), órgão responsável por autorizar o uso da força de um Estado contra outro. Brasil, Alemanha, Índia e Japão uniram forças no chamado "G4" para reivindicar seu espaço, por enquanto sem avanço. Segundo os analistas, a reforma precisaria mexer em estruturas mais profundas: aumentar a mesa da "diretoria" não iria resolver falhas de atuação percebidas hoje.
A perda de legitimidade é vista pelo professor de Direito Internacional da Universidade Positivo Rui Carlo Dissenha como o principal problema da atuação recente do CS. O caso mais emblemático ocorreu no fim de 2002, quando os EUA pressionaram pela autorização à invasão ao Iraque, sob o argumento de que o país manteria armas secretas de destruição em massa. Ela não foi concedida e a guerra começou mesmo assim, tendo por justificativas juridicamente frágeis decisões anteriores.
"Foi uma pancada violenta, porque o órgão simplesmente não foi respeitado", observa Dissenha. O silêncio posterior foi constrangedor. "Para as Nações Unidas cumprirem com seu papel, deveriam ter condenado a invasão e processado as atividades criminais do governo americano", diz o professor da Escola de Jornalismo da Universidade do Texas em Austin Robert Jensen.
Uma reforma ampla do CS é defendida desde o fim dos anos 60. Fontes diplomáticas asseguram que a entrada para o "clube" G4 foi um tiro no pé do Brasil, porque a China jamais aceitará a entrada do rival Japão.
Outra discussão é sobre a coerência de uma reforma no CS que não contemple o fim do poder de veto que hoje os países membros detêm. "Para que funcionasse melhor, seria mais interessante que ele caísse. Mas esse pleito inviabilizaria a reforma, porque os cinco atuais membros não aceitam perder esse poder", avalia o coordenador de Relações Internacionais do UniCuritiba, Juliano Cortinhas.
Outra avaliação frequente é a de que, escrita no pós-guerra para recolocar o mundo em ordem e garantir a paz, hoje a Carta da ONU deveria priorizar o desenvolvimento e o fim da fome. Na prática, é o que a organização tenta fazer com as metas do milênio, lista de melhorias assumidas por países para cumprimento até 2015.
O novo foco desloca a atenção das agressões de um Estado contra outro para questões internas aos países. "A reconstrução de infraestruturas, reorganização de sistemas judiciários, direitos humanos, auxílio humanitário, reorganização dos exércitos e força policial" são hoje levados em conta para a manutenção da própria segurança internacional, avalia a coordenadora de Ciência Política e Relações Internacionais da Facinter Karla Gobbo.
Outro fator que vem causando perda de relevância às Nações Unidas, de acordo com analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, é a influência política dos membros mais poderosos sobre as decisões. Isso se reflete na própria representação dos países da ONU. Em tese, o modelo é democrático, já que cada país tem direito a um voto na Assembleia Geral. Na prática, "quando determinado país precisa aprovar algo de seu interesse, ele faz lobby e países mais pobres acabam trocando seu voto pelo que é economicamente ou politicamente melhor", avalia Dissenha (leia mais ao lado).
Bom começo
A própria ONU reconhece necessidades de mudança e tem até um site sobre isso (www.un.org/reform). Os mais otimistas apontam mudanças positivas que já ocorreram. A principal seria o novo Conselho de Direitos Humanos, criado em 2006, que instituiu a revisão periódica temática de todos os países integrantes por exemplo, avaliando a situação das mulheres na República Democrática do Congo e na Suíça.
A advogada especialista em direitos humanos Chrystiane Paul cita ainda a ampliação da capacidade diplomática para prevenir novos conflitos e realizar a mediação daqueles já existentes.
"A reforma da ONU foi iniciada em 1995 no secretariado de Boutros Boutros-Ghali, e precisa ter continuidade", ela avalia. Para isso, basta convencer os 192 condôminos de preferência, sem pressão política sobre os países mais pobres.



