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Desafios das Nações Unidas

Em reforma (pelos próximos 65 anos?)

ONU completa hoje seis décadas e meia em crise de legitimidade e com o desafio de reformar profundamente sua estrutura

A ONU custa US$ 30 bilhões ao ano. Confira no gráfico quanto é a contribuição de cada país |
A ONU custa US$ 30 bilhões ao ano. Confira no gráfico quanto é a contribuição de cada país (Foto: )
1 bilhão de pessoas passam fome hoje no planeta. Apesar de o porcentual da população mundial faminta ter diminuído, a ONU tem o desafio de reduzir o número pela metade até 2015 para cumprir a

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1 bilhão de pessoas passam fome hoje no planeta. Apesar de o porcentual da população mundial faminta ter diminuído, a ONU tem o desafio de reduzir o número pela metade até 2015 para cumprir a

Se a Organização das Nações Uni­­das (ONU) fosse um prédio, seria necessária a autorização de 192 condôminos para qualquer reforma. É essa dimensão coletiva que torna tão difícil levar a cabo as atualizações necessárias ao organismo, após 65 anos de sua criação, completados hoje.

As reformas apontadas como necessárias vão além do conhecido pleito por novas vagas permanentes no Con­­se­­lho de Segurança (CS, formado por EUA, Inglaterra, França, Rússia e China), órgão responsável por autorizar o uso da força de um Estado contra outro. Brasil, Alemanha, Índia e Japão uniram forças no chamado "G4" para reivindicar seu espaço, por enquanto sem avanço. Segundo os analistas, a reforma precisaria mexer em estruturas mais profundas: aumentar a mesa da "diretoria" não iria resolver falhas de atuação percebidas hoje.

A perda de legitimidade é vista pelo professor de Direito Internacional da Universidade Positivo Rui Carlo Dissenha como o principal problema da atuação recente do CS. O caso mais emblemático ocorreu no fim de 2002, quando os EUA pressionaram pela autorização à invasão ao Iraque, sob o argumento de que o país manteria armas secretas de destruição em massa. Ela não foi concedida e a guerra começou mesmo assim, tendo por justificativas juridicamente frágeis decisões anteriores.

"Foi uma pancada violenta, porque o órgão simplesmente não foi respeitado", observa Dissenha. O silêncio posterior foi constrangedor. "Para as Nações Unidas cumprirem com seu papel, deveriam ter condenado a invasão e processado as atividades criminais do governo americano", diz o professor da Escola de Jornalismo da Uni­­versidade do Texas em Austin Robert Jensen.

Uma reforma ampla do CS é defendida desde o fim dos anos 60. Fontes diplomáticas asseguram que a entrada para o "clube" G4 foi um tiro no pé do Brasil, porque a China jamais aceitará a entrada do rival Japão.

Outra discussão é sobre a coerência de uma reforma no CS que não contemple o fim do poder de veto que hoje os países membros detêm. "Para que funcionasse melhor, seria mais interessante que ele caísse. Mas esse pleito in­­viabilizaria a reforma, porque os cinco atuais membros não aceitam perder esse poder", avalia o coordenador de Relações Inter­­nacionais do UniCuritiba, Juliano Cortinhas.

Outra avaliação frequente é a de que, escrita no pós-guerra para recolocar o mundo em ordem e garantir a paz, hoje a Carta da ONU deveria priorizar o desenvolvimento e o fim da fome. Na prática, é o que a organização tenta fa­­zer com as metas do milênio, lista de melhorias assumidas por países para cumprimento até 2015.

O novo foco desloca a atenção das agressões de um Estado contra outro para questões internas aos países. "A reconstrução de infraestruturas, reorganização de sistemas judiciários, direitos humanos, auxílio humanitário, reorganização dos exércitos e força policial" são hoje levados em conta pa­­ra a manutenção da própria segurança internacional, avalia a coordenadora de Ciência Política e Relações Interna­­cio­nais da Facin­­ter Karla Gobbo.

Outro fator que vem causando perda de relevância às Nações Uni­­das, de acordo com analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, é a influência política dos membros mais poderosos sobre as decisões. Isso se reflete na própria representação dos países da ONU. Em tese, o modelo é democrático, já que cada país tem direito a um voto na As­­sembleia Geral. Na prática, "quando determinado país precisa aprovar algo de seu interesse, ele faz lobby e países mais pobres acabam trocando seu voto pelo que é economicamente ou politicamente melhor", avalia Dissenha (leia mais ao lado).

Bom começo

A própria ONU reconhece necessidades de mudança e tem até um site sobre isso (www.un.org/reform). Os mais otimistas apontam mudanças positivas que já ocorreram. A principal seria o novo Conselho de Direitos Hu­­manos, criado em 2006, que instituiu a revisão periódica temática de to­­dos os países integrantes – por exemplo, avaliando a situação das mulheres na Re­­pú­­blica Democrá­­tica do Congo e na Suíça.

A advogada especialista em direitos humanos Chrystiane Paul cita ainda a ampliação da capacidade diplomática para prevenir novos conflitos e realizar a mediação daqueles já existentes.

"A reforma da ONU foi iniciada em 1995 no secretariado de Boutros Boutros-Ghali, e precisa ter continuidade", ela avalia. Para isso, basta convencer os 192 condôminos – de preferência, sem pressão política sobre os países mais pobres.

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