
As regiões de fronteira do Brasil, que abrigam cerca de 10 milhões de pessoas, perdem ano a ano sua função política de vizinhança para se tornarem "territórios supranacionais", apontam analistas. A bacia do Prata, que banha os países do Mercosul, é considerada a primeira grande região transfronteiriça do mundo, graças à grande concentração de cidades gêmeas nas divisas. São territórios multiculturais onde o dialeto é o "portunhol", crianças nascem em um lado e se alfabetizam no outro, o comércio é livre, as políticas nacionais e internacionais se misturam. Principalmente, as estratégias de sobrevivência acabam se sobrepondo à lei, com o tráfico de diversos produtos em mãos de facções criminosas.
De um ponto de vista prático, e não político, especialistas revelam que as "fronteiras porosas" da América Latina se assemelham em facilidade de movimentação à União Européia. "Na UE existem políticas deliberadas, planejadas, enquanto aqui essa permeabilidade interna se dá de forma espontânea, justamente pela falta de planejamento, de políticas ou de barreiras", explica o professor de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Aldomar Rückert.
A Tríplice Fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina provavelmente é o maior exemplo de cidades gêmeas ("trigêmeas", nesse caso). A socióloga Sílvia Montenegro, do conselho argentino de Investigações Científicas e Técnicas, destaca que, na prática, essa região não tem uma coordenação de trânsito. "Trata-se de uma lógica mutável. As fronteiras são permanentemente negociadas na prática, e os habitantes reagem ao controle.
É comum, por exemplo, que a Ponte da Amizade seja bloqueada em manifestações de protesto contra algum enrijecimento do controle na região. Épocas de livre circulação alternam-se com momentos de controles rígidos, as fronteiras abrem e fecham segundo situações políticas e conjunturas econômicas", explica Sílvia.
As regiões transfronteiriças brasileiras passam a ser territórios de mudanças mais imediatas dos processos de integração e da reestruturação econômica. Nesse processo, a diplomacia brasileira está construindo uma nova geopolítica com os países vizinhos, na opinião do professor Aldomar Rückert. "Talvez seja o início de um projeto hegemônico do continente que pode se tornar um exemplo do uso dos territórios", diz. "Existe a tendência de se usar políticas territoriais supranacionais, muito embora as políticas regionais até agora tenham tido um início tímido."
Estudiosos concordam que a principal dificuldade da integração de ações supranacionais é a ausência das políticas regionais: com políticas macroeconômicas incipientes e estatísticas sem padronização, as pesquisas acadêmicas não fecham, há dados e leis incompatíveis.



