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Mulher fotografa uma ilustração que reúne o papa Francisco e os dois beatos que serão santificados hoje, no Vaticano | Stefano Rellandini/Reuters
Mulher fotografa uma ilustração que reúne o papa Francisco e os dois beatos que serão santificados hoje, no Vaticano| Foto: Stefano Rellandini/Reuters

João Paulo II

O papa político

Karol Józef Wojtyla nasceu em 1920 no sul da Polônia. Perdeu a mãe, o irmão mais velho e o pai muito cedo. Com apenas 21 anos, já não contava mais com o amparo familiar. Durante a Segunda Guerra Mundial enfrentou a perseguição nazista e estudou em seminários clandestinos.

A formação de Karol Wojtyla foi essencialmente acadêmica. Somando-se a isso as dificuldades enfrentadas durante a guerra e a rígida cultura polonesa, delineia-se um perfil distinto do de João XXIII.

"João Paulo II tinha referências de um catolicismo oriental-ortodoxo, cujas preocupações tinham um caráter espiritual acima do material. O catolicismo dele era de resistência, reflexo do que ele viveu na Polônia, onde a Igreja representava força e união", explica Ribeiro Neto, professor da PUC-SP. A Polônia pós-guerra viveu sob um regime comunista ateu e hostil à Igreja.

Eleito sumo pontífice em 1978, João Paulo II foi o primeiro oriundo de um país comunista, isso enquanto a Europa ainda era dividida em Ocidental e Oriental. Por sua luta contra os regimes comunistas do Leste europeu, ficou conhecido como o "papa político".

Ciente de que a Igreja precisava chegar mais perto da vida dos fiéis, João Paulo II agiu pela aproximação com outras religiões e defendeu as liberdades individuais, mas manteve-se firme sobre temas como o matrimônio, a defesa da vida desde sua concepção e a moral sexual.

Peregrino

O papa João Paulo II fez por merecer o título de peregrino: ao longo de seu pontificado, realizou 102 viagens pelo mundo e visitou 129 países. No total, percorreu 1,7 milhão de quilômetros, o equivalente a 31 voltas em torno do mundo ou a 3,2 vezes a distância entre a Terra e a Lua.

João XXIII

O Papa bondoso

Nascido em uma tradicional família italiana de camponeses, em 1881, Angelo Giuseppe Roncalli vivenciou desde jovem uma fervorosa vida paroquial. De formação religiosa fundamentalmente pastoral, Angelo trabalhou como visitador apostólico na Bulgária, como delegado na Turquia e Grécia, como núncio em Paris e como cardeal em Veneza. O contato com outras culturas desenvolveu nele um profundo senso de tolerância às diferenças, que facilitaram o diálogo com outras religiões.

Na avaliação de Roberto Romano, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, "João XXIII possuía uma visão cosmopolita da Igreja. Era um homem com grande capacidade de empatia, com aquela aparência bonachona. Ao mesmo tempo, era um bom diplomata e um bom político. Por isso logrou êxito com o Concílio".

Ribeiro Neto, professor da PUC-SP, acrescenta à composição da personalidade de João XXIII o catolicismo ocidental "de caráter mais pragmático, focado em questões mais prosaicas da vida dos fiéis. Isso o tornava mais flexível e receptivo às mudanças", explica.

Como sumo pontífice, eleito em 1958, João XXIII fortaleceu a imagem de bom Pastor, mostrando-se, no entanto, um governador empreendedor e corajoso, disposto a promover com sabedoria a renovação que a Igreja necessitava à época para se reaproximar dos fiéis.

Da Lua

Em 1962, na abertura do Concílio Vaticano II, diante de uma plateia que lotava a Praça São Pedro, João XXIII começou seu discurso evocando a Lua: "Poderíamos dizer que até mesmo a Lua está com pressa esta noite. Observem-na, lá no alto, está a olhar para este espetáculo", disse.

O momento é histórico para os católicos: dois papas conhecidos pelo grande carisma serão canonizados hoje, em uma única cerimônia celebrada pelo papa Francisco. Santificar João XXIII e João Paulo II juntos sinaliza o espírito de unidade da Santa Sé.

Angelo Roncalli e Karol Wojtyla enfatizaram temas distintos enquanto estiveram à frente da Igreja, mas ambos agiram no sentido da continuidade. Os dois papas estão unidos também pelo Concílio Vaticano II, evento fundamental para compreender os caminhos percorridos pela Igreja Católica no século 20.

De acordo com Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, "em uma ponta temos João XXIII, que tornou possível uma série de mudanças por meio do Concílio. Na outra, temos João Paulo II, em cujo papado de mais de 20 anos o Concílio foi cristalizado".

Convocado por João XXIII, em uma atitude surpreendente para aquele que era considerado um papa de transição devido à idade avançada, o Concílio Vaticano II promoveu a reforma estrutural – e não doutrinária – da Igreja.

Sensível

A sensibilidade de João XXIII para as mudanças de seu tempo o fez perceber que a estrutura pastoral não atendia mais às demandas sociais da época, e a Igreja deveria acompanhar essas transformações.

João Paulo II exerceu seu pontificado em um momento no qual as mudanças já tinham sido definidas, mas deveriam ser gerenciadas adequadamente, sem que a doutrina cristã fosse distorcida.

Assim, as prioridades do pontificado de cada papa diferem de acordo com o tempo em que viveram e as circunstâncias desse tempo. Para o padre José Lino Currás Nieto, "cada papa fez pela Igreja o que tinha de ser feito dado o contexto histórico e a formação que tiveram", acredita.

João XXIII e João Paulo II possuíam arcabouços conceituais distintos e tiveram uma formação cultural e religiosa diversa, por isso, corrobora Ribeiro Neto, seus pontificados "partiram de posições diferentes, e isso trouxe implicações culturais importantes em relação ao que cada um fez à frente da Igreja".

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