Entrevista
"A violência não tem origem na pobreza, mas nos erros do governo"
Celio Martins, enviado especial
Caracas - Para muitos, o sociólogo Roberto Briceño lembra o pintor Salvador Dalí por seu bigode nada comum. Mas o trabalho desse venezuelano é bem diferente do que deu fama ao artista catalão. Professor da Universidade Central da Venezuela e presidente do Observatório Venezuelano da Violência, ele estuda há anos as razões da insegurança pública que atemoriza a população venezuelana. Briceño conversou com a Gazeta do Povo em Caracas.
Qual é a raiz da insegurança pública na Venezuela?
A raiz do problema tem a ver com uma visão equivocada do governo, ao considerar que a violência e a criminalidade estão enraizadas na pobreza e no capitalismo. Na Venezuela não há mais pobreza e mais desigualdade, nem mais capitalismo, do que na Colômbia ou no Brasil. O problema na Venezuela é que o governo partiu para destruir as instituições e paralisar a ação da polícia para não "reprimir" os criminosos, o que levou a um enorme aumento da impunidade.
Quais são os erros e acertos da política do governo de Chávez na segurança pública?
O esforço para melhorar a preparação em relação aos direitos humanos dos policiais, com a criação da Universidade de Segurança e a Polícia Nacional, é valioso. Mas não há como reconhecer êxito quando o número de homicídios aumentou quatro vezes e os sequestros e assaltos, com uso de armas, mais de dez vezes. As políticas públicas são avaliadas pelo seu desempenho e na Venezuela têm sido um completo fracasso.
A taxa de pobreza urbana na Venezuela, segundo a Cepal, era de mais de 49% em 1999 e caiu para 29% em 2010, uma melhora significativa. Por que o país não seguiu esta tendência na segurança pública?
Porque o homicídio não tem origem na pobreza; essa é uma visão equivocada e a Venezuela é uma demonstração clara disso: a pobreza diminuiu para metade, mas os homicídios aumentaram duas vezes e meia [como reconhecido pelo governo, 50 por 100 mil pessoas] ou por três vezes e meia [de acordo com as universidades que compõem o Observatório Venezuelano da Violência, 67 por 100 mil]. Os pobres não são violentos nem assassinos, os pobres sofrem com a violência e a falta de proteção por um governo que enche a boca falando sobre os pobres, mas os deixa serem assassinados: 84% das vítimas de homicídio são pobres.
Qual é a diferença básica das propostas de segurança do governo de Chávez e do candidato da oposição Henrique Capriles?
Em essência, o governo Chávez não fez nada e ainda está preso a uma discussão entre as políticas de segurança de esquerda ou de direita, e diz que não vai impulsionar a ação da polícia, porque essa é uma política de direita. Já o programa de Capriles propõe desenvolver ao mesmo tempo atividades de prevenção social e ações para proteger os cidadãos, especialmente os pobres, além de uma ação de reforço do sistema de justiça criminal, despolitizando a questão, colocando a polícia a serviço de todos os cidadãos, independentemente da sua classe social e orientação política. Capriles quer unir o país, Chávez quer dividi-lo.
Caracas - Enquanto o presidente Hugo Chávez e o líder da oposição Henrique Capriles discursavam para multidões no domingo à tarde, na reta final da campanha presidencial, o secretário-geral do Corpo de Investigações Cientí_fica, Penal e Criminal (CICPC), Ramón Maldonado, era assassinado durante um assalto em Caracas. Quatro homens invadiram a casa dele, ameaçaram de morte a mulher e os filhos, e o mataram com um tiro na cabeça.
O horror que viveu a família de Maldonado no fim de semana simboliza um dos principais problemas sociais da Venezuela. A média das pesquisas mostra que 70% dos venezuelanos consideram a insegurança pública como a questão mais importante a ser resolvida pelo próximo presidente.
Os números, apesar de não demonstrarem o sentimento de medo e pavor das pessoas comuns, deixam claro que a violência fugiu ao controle. Desde 1998, quando Chávez fez sua primeira campanha eleitoral, o número de homicídios no país quadruplicou, passando de 4.550 para 19.366 em 2011. Hoje, a Venezuela tem uma taxa de 67 assassinatos para cada 100 mil habitantes, três vezes superior à do Brasil, que é de 23 homicídios por 100 mil pessoas e está longe da média mundial, de 8,8 por 100 mil.
Esse levantamento é feito por organizações independentes, como o Observatório Venezuelano de Violência, uma ONG que trabalha com univer sidades e outras instituições da sociedade civil. O governo Chávez não divulga estatísticas oficiais desde 2009, mas diz que a taxa é menor, de 50 homicídios para cada grupo de 100 mil pessoas.
O crescimento da violência amedronta até a polícia. "Na Venezuela, o crime está ganhando de dez a zero. Aqui, os bandidos estão nos matando", desabafa o sargento Terán. Com a morte do investigador Maldonado no domingo, foram 80 policiais assassinados este ano na Venezuela.
Nos bairros mais violentos da capital, Caracas, os frequentes assaltos forçaram os pequenos comerciantes a instalar verdadeiras fortalezas em seus estabelecimentos. Muitas lojas são protegidas por grandes de ferro. Os clientes ficam do lado de fora e recebem as mercadorias pelos vãos das grades. E a modalidade de assaltos nos sinaleiros até parece que foi importada do Brasil.
Enquanto a criminalidade galopa, governo, oposição e especialistas têm visões diferentes sobre a insegurança no país.
Os chavistas culpam a concentração de renda e a exclusão social pela violência, enquanto muitos opositores afirmam que falta uma política mais rigorosa de repressão ao crime.
"O governo paralisou a polícia e estimulou o uso da força e das armas com objetivos políticos ou para resolver conflitos", dispara Roberto Briceño, sociólogo e presidente do Observatório Venezuelano de Violência. Ele rejeita a tese do governo de que a pobreza é responsável pelo aumento da criminalidade.
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