"Se Deus é brasileiro, o papa é gaúcho". A suposta blague de João Paulo II, em 1980, na cidade de Porto Alegre, hoje soa como uma profecia. Ou quase. É fato que o papabile dom Odilo Pedro Scherer nasceu em terras rio-grandenses. Ele é de Cerro Largo, no Noroeste do Rio Grande do Sul. Mas veio guri de colo para o sudoeste do Paraná e viveu no estado por nada menos do que quatro décadas, incluindo os 12 anos de sua formação para o sacerdócio.
Veja fotos da passagem de Dom Odilo por Curitiba
Em Curitiba está boa parte dos endereços da memória de Scherer, em particular o Seminário São José, no km 99 da BR-277, no bairro Orleans; o Seminário Rainha dos Apóstolos, no Batel; e o Studium Theologicum, bem de frente à Praça Ouvidor Pardinho, no Rebouças. Se a fumacinha branca for favorável ao brasileiro, vai se tornar impossível não apontar com o dedo o local onde o novo papa cursou o ginásio e o ensino médio, a faculdade de Filosofia e a de Teologia.
"Para falar a verdade, a rotina do nosso colégio já não é mais a mesma", brinca o padre Luciano Ferreira de Lima, 32 anos, vice-reitor do Seminário São José, uma das joias da arquitetura moderna da capital, plantada numa área de 120 mil metros quadrados. Desde que a preferência por dom Odilo Scherer veio à tona, o local tem sido visitado por jornalistas, em busca de fotos, documentos e informações sobre o cardeal. O material foi xerocado e envelopado para atender aos pedidos. Faz parte do lote até o número da matrícula de Scherer 126.
Só não é permitido "colar" as notas dos boletins. Mas nem seria preciso escondê-las. Nos sete anos em que dom Odilo viveu no São José, entre 1963 e 1969, teve média geral em torno de 9,8. Sua avaliação mais baixa, no ano em que chegou, foi 7,4 em Português, natural para um menino de 13 anos, vindo de uma então distante Toledo, dado a falar alemão com seus pais Edwino e Francisca Wilma e com os 12 irmãos.
Sinais
Os sinais de passagem do cardeal pelo seminário da arquidiocese ainda estão sendo recolhidos. A cada nova remexida nos arquivos aparece uma ata esquecida em que seu nome aparece em meio a Brünings, Marochis e Cecatos. Há pilhas e pilhas de álbuns fotográficos antigos para serem analisados. Algum deles deve guardar uma relíquia de Odilo jogando bola, na biblioteca ou servindo à missa. Numa das imagens encontradas se vê o menino muito louro e miúdo posando em meio a uma centena de outros candidatos ao sacerdócio.
Naquela época, o seminário menor, como é chamada a fase em que se cursa o atual fundamental e médio, chegava a ter 150 estudantes. Em 1963, ano da entrada do futuro cardeal, eram 124. Não havia casas em volta do local e a BR-277 era apenas um projeto. Estar no seminário significava estar afastado. E ocupado: o prédio do São José fora inaugurado em 1959, mas ainda estava em obras. Calcula-se que Odilo tenha ajudado a plantar a grama do primeiro campo de futebol e dado uma mãozinha na conclusão da capela provavelmente a primeira erguida no Paraná nos moldes do Concílio Vaticano II, que ocorreu entre 1961 e 1965, o que a faz objeto de análise do Patrimônio Histórico.
Coral
O monsenhor Francisco Fabris, 72 anos, 46 morando no Seminário São José, conviveu três anos com o Odilo seminarista. Regeu-o no coral e ainda tem fitas cassete daquele tempo. Lembra que o guri Scherer tocava violão, bem a gosto da romântica Ação Católica dos anos 50 e dos ventos da renovação dos anos 1960. "Era um garoto sadio", reforça o monsenhor, sobre o jovem que descreve como um seminarista de bom trato e dado aos estudos. É Fabris quem revela dois detalhes saborosos da vida do cardeal um diz respeito a sua iniciação pastoral, outro àquele que teria sido sua maior influência.
Os seminaristas de Toledo eram chamados de "a turma do Oeste". Iam menos para casa da família, por causa da distância. Nos feriados e mesmo em férias, acompanhavam os padres do seminário para uma espécie de missão na paupérrima região de Adrianópolis, conhecida pelas minas de chumbo. O local deve ter sido sua iniciação missionária. Quanto à influência, ela atende pelo nome de padre Eugênio Mazzarotto, de célebre clã de religiosos curitibanos.
Eugênio dava aulas de francês no seminário com folga, as maiores notas eram de Odilo. Fora uma presença tão marcante na vida dos estudantes que quando morreu, em 1971, muitos, já padres, vieram velá-lo. Scherer estava entre os que vararam a noite tocando e cantando canções francesas em torno do corpo do amigo e professor. É a imagem mais bela que Fabris tem do jovem Odilo. Por ela, vai se emocionar em vê-lo eleito papa, mas não há de se espantar.



