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Opinião

Europa: crime de imigração, exceto para os qualificados

A Europa insiste em suas metas de fortalecimento interno, autodefesa e agressividade econômica, não obstante a frustração de não aprovar a "Constituição Européia" via plebiscito e malgrados os recentes entraves para a aprovação do Tratado de Lisboa. Em plena crise econômica mundial, atribui a responsabilidade aos bancos, ao sistema financeiro internacional e também aos imigrantes.

O tema da imigração deixa de ser polêmico para os representantes europeus que, em consenso, aprovam políticas e princípios de endurecimento à imigração, alegando motivos humanitários e econômicos. Curiosamente, a população européia cresceu 0,48% em 2007, chegando a 497,5 milhões de habitantes (quatro quintos desse crescimento se deve aos imigrantes). A Europa recupera seu déficit populacional e projeta-se ao futuro graças a essa população, que, ironicamente, recebe a conta pela crise.

A chamada "Diretiva do Retorno", aprovada no primeiro semestre deste ano, revela-se uma verdadeira lei de expulsão dos imigrantes, violando direitos fundamentais consagrados em pactos internacionais e contrariando os avanços em matéria de direitos humanos dentro do sistema europeu. Também chamada de Diretiva da Deportação ou da Vergonha, a normativa estabelece, em última instância, a criminalização da imigração e enseja indignação e revolta por parte dos governantes latino-americanos e africanos.

Como medidas complementares e igualmente xenófobas, na última quinta-feira, 25 de setembro, o Conselho de Ministros da União Européia (EU) aprovou formalmente o Pacto Europeu de Imigração, tomando como referência a política sobre imigração desenvolvida por Nicolas Sarkozy na França e que tem como mote "endurecer a luta contra a imigração ilegal e promover a imigração legal". O documento ainda precisa ser ratificado na Cúpula de líderes da UE, em 15 e 16 de outubro.

O texto final do Pacto possui cinco eixos principais: 1) a necessidade de organizar a imigração legal de acordo com as prioridades e necessidades da Europa; 2) o combate à imigração irregular e a expulsão dos irregulares (segundo o Conselho, mais de oito milhões de pessoas); 3) o fortalecimento do controle das fronteiras; 4) a construção de um sistema de asilo equilibrado entre os países do bloco; e 5) o aumento de colaboração global para com os países de origem.

Para atender ao critério de prioridade e necessidade da Europa, os ministros do Trabalho e do Interior da UE ultimaram um acordo para criar o blue card, um instrumento que seleciona imigrantes de alta qualificação à semelhança do green card estadunidense. Os requisitos para a obtenção do blue card incluem cinco anos de experiência profissional, exigência de um diploma ou título equivalente e a necessidade de contratação com salário mínimo superior a 1,5 vezes o salário médio do país receptor, o que no caso da Espanha ultrapassa os 33 mil euros brutos anuais (o equivalente a R$ 89,1 mil por ano). A condição de imigração qualificada será válida por um período entre um e quatro anos e os titulares terão praticamente os mesmos direitos que os trabalhadores europeus.

As portas da Europa seguirão abertas para os "qualificados", mas os ilegais serão perseguidos como criminosos que ameaçam o crescimento equilibrado do continente. No início de 2012, serão implantados os vistos com informação biométrica e o registro eletrônico de entradas e saídas, instrumentos que comprovarão a estada ilegal e servirão para instruir os processos de detenção de pessoas por "crime de imigração".

As medidas deixam de ser enunciado de princípios e objetivam critérios que passaram a ter validade em poucos anos, trazendo conseqüências inéditas não apenas para os imigrantes irregulares, que serão expulsos, mas também para a relação de política externa da Europa com o resto do mundo, ensejando naturalmente o princípio da reciprocidade.

* Carol Proner é doutora em Direito e professora de Direito Internacional da UniBrasil. E-mail: carolproner@uol.com.br

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