
O embaixador dos EUA na Líbia, J. Christopher Stevens, foi um dos quatro mortos no ataque ao consulado americano em Benghazi, leste do país, por um bando armado na noite de terça-feira.
Stevens visitava o consulado quando o grupo abriu fogo, em meio a uma manifestação contra um filme produzido nos EUA que ridiculariza o profeta Maomé, fundador do Islã.
Manifestações contra o filme se repetiram ontem no Egito, no Marrocos, no Sudão, na Tunísia e na Faixa de Gaza, despertando o temor de que uma onda de protestos se espalhe pelo mundo islâmico.
O presidente dos EUA, Barack Obama, ordenou o aumento da segurança nas representações americanas no exterior. Foi aprovado ainda o envio de 50 fuzileiros navais e dois navios de guerra para proteger as instalações dos EUA na Líbia.
Segundo o vice-ministro do Interior líbio, Wanis al-Sharef, havia rumores de que islamitas radicais planejavam usar o aniversário dos ataques de 11 de setembro de 2001 para vingar a morte de um dos líderes da Al-Qaeda, o líbio Abu Yahya al-Libi.
O filme Innocence of Muslims [Inocência dos Muçulmanos] é uma produção claramente amadora, com atores que usam barbas postiças, túnicas que parecem lençóis e onde o deserto é um cenário "fake".
O profeta escapa de chineladas das duas esposas ao ser pego dormindo com uma terceira mulher. Mais tarde, aparece banhado em sangue com uma espada conclamando guerra aos infiéis. E promete a soldados pedófilos que poderão abusar de crianças.
O autor do filme, Sam Bacile, 56 anos, disse à Associated Press que queria criar uma provocação política. "O Islã é um câncer, ponto", afirmou.
Dizendo-se judeu israelense e morador da Califórnia, ele foi entrevistado a partir de um local não identificado. Virtualmente desconhecido, Bacile pode nem mesmo existir seria alguém usando pseudônimo.
Brasil
Apesar da instabilidade no país, o embaixador do Brasil na Líbia, Afonso Carbonar, não vê justificativa, por enquanto, para reforçar a segurança da embaixada ou planejar a retirada de funcionários. O Itamaraty condenou os ataques.
Entrevista"Governo líbio ainda é fraco para combater os salafistas"
Mansour el-Kikhia, diretor do Departamento de Ciência Política da Universidade do Texas.
O diretor do Departamento de Ciência Política da Universidade do Texas, Mansour el-Kikhia, vê na luta contra o extremismo um dos maiores desafios ao governo de Trípoli. Autor do livro A Líbia de Kadafi: A política da contradição, ele ressalta em entrevista à Agência O Globo que movimentos extremistas religiosos têm pouco apelo popular na Líbia.
O senhor acredita que o ataque ao consulado americano foi planejado?
Sem dúvidas. O povo de Benghazi condenou fortemente a ação. O governo líbio sabe quem são esses salafistas, e um dos maiores desafios é achar uma maneira de combatê-los. O governo ainda é fraco política e militarmente.
E quem são os salafistas líbios?
Esses movimentos operaram durante a ditadura de Kadafi na clandestinidade e agora, diante de um governo ainda enfraquecido, veem a chance de agir em prol do Estado islâmico que almejam. Estimamos que o grupo Ansar al-Sharia tenha de 200 a 500 militantes. O grupo tem raízes no Iêmen, e acredito que muitos desses milicianos sequer sejam líbios, mas gente que se infiltrou no país durante a revolução que derrubou Kadafi.
Há, hoje, no governo líbio ex-jihadistas como o comandante da libertação de Trípoli, Abdel Hakim Belhaj. Isso não facilitaria o diálogo para incluir essas minorias no processo democrático?
Não há diálogo porque eles não reconhecem a democracia e acreditam apenas num Estado regido pela lei islâmica no sentido puritano. O próprio Belhaj, no passado um combatente salafista treinado no Afeganistão, hoje, é considerado pelos ultrarreligiosos um infiel.
Então, como o governo pode contê-los?
O governo de Trípoli não tem alternativa. Será necessário recorrer à força contra o extremismo. Na Líbia, os salafistas são uma minoria.
Entrevista"Filme favorece as ações de grupos extremistas"
Didier Billion, especialista em Oriente Médio do Instituto de Relações Internacionais e Estatégicas (Iris).
Para o especialista em Oriente Médio do Instituto de Relações Internacionais e Estatégicas (Iris), em Paris, Didier Billion, não estão descartadas novas ações violentas em outros países do mundo islâmico após o ataque na Líbia. Em entrevista à Agência O Globo, ele diz que o filme que serviu de justificativa para o episódio é condenável, e favorece os extremistas ocidentais e islâmicos.
Como o senhor analisa este atentado?
A situação na Líbia desde a morte de Kadafi é extremamente instável e volátil. Achou-se que as eleições legislativas tinham ido bem, já que os grupos mais extremistas não tiveram bom desempenho. Espero não ser muito pessimista, mas considero que o quadro na Líbia é de anarquia, no sentido literal do termo, ou seja, o embrião de um aparelho de Estado não consegue restabelecer a ordem.
Qual sua opinião sobre o filme no centro da discórdia?
Trata-se de uma verdadeira provocação. Cenas que me foram descritas sobre o profeta Maomé são de uma injúria absoluta, um desprezo, um insulto. E quando se está numa situação muito instável, quando se sabe que os salafistas manobram para se reforçar, isso é um presente para eles.
É a melhor ocasião para mostrarem seu radicalismo e provarem que são os defensores do Islã.
Quais serão as repercussões em outros países do mundo islâmico?
Aguardo com bastante inquietação como as reações serão cristalizadas em um país como o Paquistão, em que há um clima de violência exacerbado, com todos os riscos embutidos. A corrente salafista se reforçou nos últimos meses na Tunísia, financiada em parte por países como o Catar e a Arábia Saudita, e isto é um fator suplementar de preocupação. Os salafistas estão se afirmando na região, isto é incontestável.



