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 | LAURA BOUSHNAKNYT
| Foto: LAURA BOUSHNAKNYT

Bojan Bjelobaba, proprietário de um lava-jato e de uma oficina mecânica em Belgrado, diz que sofreu ameaças por se recusar a desocupar seu negócio de 38 anos para dar lugar a um parque.  

Ele é parte de um desenvolvimento de três bilhões de euros, ou aproximadamente US$3,6 bilhões, que está tomando forma na capital da Sérvia ao longo da margem leste do Rio Sava. O projeto, extravagante e controverso, conhecido como Orla de Belgrado, é a base do plano da elite governante sérvia para transformar a antiquada metrópole europeia na Dubai dos Bálcãs.  

Ivan e Vida Timotijevic, que vivem no meio da área destinada à reforma, tiveram a eletricidade e água cortadas porque se recusaram a sair. Se o governo conseguir o que quer, vai construir uma avenida que passa no meio da casa do casal.  

Eles estão entre os últimos que resistem ao projeto.  

Os inúmeros arranha-céus de luxo e shoppings centers se tornaram o símbolo do plano do presidente da Sérvia, Alexander Vucic, que quer dar à cidade "uma nova identidade", diferente do passado de militância e isolamento internacional do país.  

Vucic, ultranacionalista durante as Guerras dos Bálcãs, na década de 1990, que virou reformista europeu à medida que ganhava poder político, tenta alcançar seu objetivo com dinheiro emprestado e receitas provenientes da venda de terras do estado a ricos licitantes da Rússia, da China e dos Estados do Golfo Pérsico.  

Os críticos dizem que o governo sérvio está passando por cima de qualquer obstáculo.  

O entulho de um antigo edifício do Ministério Federal do Interior, destruído por aviões da OTAN em 1999, está sendo levado para longe para abrir caminho para três torres que serão construídas por uma empresa israelense, o AFI Europe Group. Lá perto, nas obras na margem do rio, os moradores foram retirados de suas casas.  

"Eles estão determinados a oferecer o tipo de futuro que planejaram para nós, atropelando tudo pelo caminho para alcançá-lo", disse Dobrica Veselinovic, líder do movimento de oposição chamado "Não vamos afogar Belgrado" que vem protestando contra o projeto.  

Na visão das autoridades, os manifestantes não entendem os objetivos da modernização.

"Queremos restaurar Belgrado à sua antiga glória e torná-la uma cidade grande e respeitável novamente, depois de anos vergonhosos com guerras e tumultos", disse Sinisa Mali, prefeito de Belgrado.  

Mas não são só os moradores afetados pelo projeto, e que se queixam de táticas autoritárias, que se opõem à maneira na qual ele está sendo conduzido.  

Ataque

Antes de a construção começar há dois anos, 231 famílias foram retiradas de propriedades estatais, mas algumas se recusaram a sair. Uma noite, 30 homens mascarados, portando tacos de beisebol e equipamento pesado, apareceram no local. Pela manhã, vários edifícios residenciais e comerciais haviam sido destruídos para dar início às obras de construção.  

O ataque, em 2016, chocou os sérvios, que levaram sua revolta às ruas, denunciando o que diziam serem práticas corruptas da elite. Os protestos se transformaram em grandes manifestações contra o governo, as maiores desde que uma revolta popular derrubou o ditador sérvio Slobodan Milosevic, em 2000.  

Adversários do projeto acreditavam que Mali, o prefeito, estivesse por trás do ataque, fato que ele negou veementemente. Muitos sérvios acusaram a ele e ao presidente de não consultar o público sobre os planos para desenvolver áreas públicas.  

Investimento

O apoio financeiro para o desenvolvimento também gerou preocupações em relação à falta de transparência e a influência estrangeira excessiva. O Projeto Orla de Belgrado está sendo financiado por uma empresa de investimento de Abu Dhabi, a Eagle Hills Properties, que assinou um contrato com o governo sérvio em 2015.  

O investimento bilionário é apenas parte de uma enxurrada de dinheiro que os Emirados Árabes enviam para a Sérvia.  

Mohammed bin Zayed, que é quem de fato governa os Emirados Árabes Unidos, identificou a Sérvia como o principal destino nos Bálcãs ocidentais da tentativa de seu país de diversificar a economia antes que o petróleo se esgote.  

Muitos sérvios se perguntam se os acordos entre seu país e os EAU foram feitos sigilosamente, mas o líder dos Emirados gosta da tomada de decisões de cima para baixo, dizem os analistas, e o presidente da Sérvia gosta de ver seu caixa engordar sem os regulamentos e salvaguardas que os investidores ocidentais impõem.  

"Suas culturas políticas são compatíveis em muitos aspectos; é o encontro do sultanato árabe com o autoritarismo balcânico", disse Tena Prelec, que pesquisa o sudeste da Europa na London School of Economics e é coautora de um estudo sobre os investimentos dos Emirados na Sérvia.  

Mas o Projeto da Orla de Belgrado é a ação mais contestada do uso de dinheiro do Golfo.  

Na orla, dois edifícios residenciais em forma de onda já estão quase completos. Os primeiros proprietários do endereço mais caro de Belgrado, cidade de dois milhões de habitantes, pagarão até sete mil euros por metro quadrado, ou cerca de US$8.500, em um país com um salário médio mensal de 375 euros, ou aproximadamente US$455.  

Ao todo, oito hotéis e 5,7 mil casas serão construídos na área que vai do rio até a Estação Central, que tem duzentos anos de idade.  

Mais de um quilômetro de lajotas de cimento está sendo colocado ao longo do rio para formar um novo calçadão, pontuado com imagens de crianças, um embarcadouro, um restaurante, uma ciclovia e uma cerca de cartazes gigantes retratando os edifícios que serão construídos nos próximos 30 anos – entre eles, o maior shopping center dos Bálcãs.  

"Queremos renovar a cidade sem perder a ligação com seu passado. O mais importante agora é termos trens rápidos, grandes rodovias e belos edifícios para viver e trabalhar. Esta é a medida do nosso sucesso hoje, e não quanto território já conquistamos em uma guerra com os vizinhos", insistiu Mali.  

Bojan Kovacevic, presidente da Academia Sérvia de Arquitetos, chamou o projeto de "crime contra o planejamento urbano". Ele afirma que os arranha-céus e os condomínios fechados, característicos de Dubai, não têm lugar em uma cidade como Belgrado.  

"Ele está construindo uma cidade proibida no coração de Belgrado", disse Kovacevic sobre o presidente.

"Diz que está moldando uma nova identidade, mas ele nos perguntou se queríamos uma nova identidade? Isso foi debatido? Os especialistas foram consultados?"  

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