• Carregando...

A primeira-dama da Argentina, Cristina Fernandez de Kirchner, quer ser a próxima presidente do país. Esposa do atual presidente, ela tem muito em comum com Hillary Clinton: ambas governaram províncias, são advogadas e têm consciência do poder que possuem.

Hugo Chávez, o "generoso" presidente da Venezuela e magnata do petróleo, quando está de bom humor, consegue ser extremamente agradável. Durante uma rápida visita a Rio de la Plata na semana passada, ele elogiou a beleza da "maravilhosa Buenos Aires", entusiasmou-se citando a Argentina como "a grande pátria" e homenageou seu "amigo e estadista, Néstor Kirchner".

Mas, acima de tudo, suas palavras doces foram dirigidas à primeira-dama Cristina Fernandez de Kirchner. "Cristina será a próxima presidente", disse ele.

O objeto de sua adulação não tardou a retribuir o favor. Em homenagem ao visitante, Fernandez vestiu um casaco vermelho-claro justo, em um coquetel no palácio presidencial. A primeira-dama argentina estava literalmente radiante ao retribuir os elogios ao "primeiro cidadão, presidente e comandante da República Bolivariana da Venezuela".

Na manhã seguinte, Chávez deixou escapar que Fernandez "falou mais do que o marido" em um jantar na residência presidencial, acrescentando em tom de brincadeira: "Mas acho que é sempre assim".

Os comentários espirituosos de Chávez são mais do que um gracejo à toa. Os argentinos especulam há meses sobre se o presidente Nestor Kirchner concorrerá à reeleição ou colocará a esposa na disputa. Agora é certeza. Fernandez concorrerá às eleições presidenciais no final de outubro, desdobramento que não causou muita surpresa aos argentinos.

A esposa do presidente dá a impressão de estar comandando o país, sobretudo no que diz respeito à política estrangeira. Recentemente, ela se reuniu com executivos espanhóis para discutir a política econômica da Argentina, e durante uma visita governamental ao México, apresentou os planos de Buenos Aires ao governo conservador mexicano, promovendo uma aproximação entre ambos os países.

'Rainha Cristina'

Embora a campanha ainda não tenha começado oficialmente, os peronistas do interior do país já estão se unindo em apoio à "Rainha Cristina". Ela recebeu tratamento de pop star durante uma cerimônia de inauguração de um shopping center em Córdoba.

Ela caminhou pelos corredores usando botas de cano longo e um casaco de couro preto e longo. À sua volta, o governador e a elite política da província corriam para acompanhá-la. "É ela quem veste calças", declarou uma admiradora presente no evento.

Parece que Fernandez nasceu para ser presidente. Ela profere discursos sem seguir textos ou ler pelo teleprompter e circula com habilidade e confiança pelos meios diplomáticos.

"Ela possui um perfil político independente do marido", disse o escritor e jornalista Horacio Verbitsky. De fato, Cristina era mais conhecida do que o marido antes de ele ser eleito. Segundo Verbitsky, as pessoas costumavam perguntar: "Quem é o homem que está com ela?".

Clinton e Kirchner

Fernandez é de família de classe média, da cidade universitária de La Plata. Ela conheceu Kirchner, colega de faculdade, quando estudava direito. Ambos estavam intimamente alinhados aos círculos peronistas de esquerda que dominavam as universidades naquela época.

Após o golpe militar de 1976, o casal se mudou para Santa Cruz, a província natal de Kirchner na Patagônia, onde ficaram razoavelmente ricos com um escritório de advocacia e negócios imobiliários. Kirchner foi eleito governador e a esposa se tornou membro do parlamento provincial. Hoje ela é senadora pela província de Buenos Aires.

Fernandez adora ressaltar as semelhanças entre ela e Nestor e o poderoso casal de Washington, Bill e Hillary Clinton. Assim como os Clinton, os Kirchner são de cidades provinciais e são ambiciosos e conscientes do poder que possuem.

O casal considera a presidência como mais uma extensão do negócio familiar dos Kirchner. No entanto, Nestor no fundo nunca se sentiu à vontade na capital cosmopolita da Argentina. O "pingüim", como gosta de se referir a si mesmo, com um tom de auto-ironia, é um homem direto e reservado. Ele formou a equipe de sua administração com um pequeno grupo de simpatizantes de confiança de sua província natal.

Quando Kirchner assumiu o poder há quatro anos, os "arrogantes" portenhos, como os moradores de Buenos Aires são conhecidos, apostaram que ele não duraria dois anos no cargo. O país que o elegera estava um caos. A economia havia entrado em colapso, o sistema financeiro estava falido e cinco presidentes haviam assumido e deixado o cargo no intervalo de duas semanas.

Mas os portenhos subestimaram o homem da Patagônia, que aos poucos conseguiu tirar a Argentina de uma situação semicatastrófica. Para o desgosto dos credores do mundo inteiro, ele ordenou a supressão dos pagamentos dos serviços da dívida. Kirchner conseguiu estabilizar a taxa de câmbio e impulsionar a indústria nacional. Ele também desarticulou e imobilizou seus adversários do partido peronista.

'Presidente transitório'

A economia vem se aquecendo nos últimos quatro anos e Buenos Aires está praticamente florescendo como no passado. "O inferno ficou para trás", diz Alberto Fernandez, chefe de gabinete, "agora estamos no purgatório".

A Argentina enfrentou problemas de garantia de empréstimos nos mercados financeiros internacionais desde quando cessou o serviço das dívidas. O país não estaria preparado para outra crise financeira, o que faz com que muitos argentinos duvidem do atual aquecimento.

Além disso, a crise energética, os escândalos de corrupção e a inflação crescente obscureceram os últimos meses da gestão Kirchner. O governo já está chamando Kirchner de "presidente transitório", enfatizando que Cristina Fernandez concluirá a modernização do país.

Nenhuma esposa de presidente havia conquistado uma influência equiparável desde Evita Peron. Mas Cristina rejeita comparações com a mitificada "mãe dos pobres", preferindo construir sua imagem como uma mulher arrojada e moderna.

Se fosse para compará-la com a lendária Peron de alguma forma, como Cristina disse recentemente, ela preferiria ver a si mesma como uma "Evita com punho cerrado".

Fernandez não se sente confortável entre as massas e muitas vezes prefere manter distância. Ela fica mais à vontade em debates políticos, conferências e reuniões. Conquistou a reputação de esplêndida oradora no Congresso, mas também é considerada arrogante e temperamental.

Os portenhos a difamam criticando sua predileção por jóias ostentosas e calças justíssimas, cirurgias plásticas, lábios com preenchimento artificial e maquiagem carregada. "Deixem Cristina chegar ao poder e então os peronistas finalmente terão de parar de culpar os outros pelo próprio fracasso", declarou com ironia o escritor e ex-ministro da cultura Marcos Aguinis.

A arte da diplomacia

No entanto, os argentinos podem muito bem estar subestimando Fernandez, assim como o fizeram com o marido dela quatro anos atrás. Ela demonstrou ser extraordinariamente diplomática como política. Durante a visita de Chávez, por exemplo, demonstrou pleno controle em relação à delicada situação entre Caracas e Washington, o desafio mais difícil para qualquer político latino-americano hoje.

Kirchner é um dos aliados mais importantes de Chávez no continente e a Argentina se beneficia da ajuda fornecida pelo presidente da Venezuela. Com seus dólares do petróleo, Chávez adquiriu títulos do governo argentino por bem mais do que US$ 5 bilhões. Ele planeja ainda fornecer gás natural liquefeito para a Argentina.

"Em se tratando de fornecimento de energia, a Venezuela é tão importante para a América Latina quanto a Rússia é para a Europa", admitiu Fernandez recentemente. Mas além de se aproximar de Chávez, Fernandez buscou melhorar as relações com Washington, abaladas durante a gestão do marido.

Na semana passada, em preparação para o Conselho das Américas, encontro da elite econômica dos Estados Unidos e da América Latina, ela valorizou a Argentina como um atraente alvo de investimentos. "É possível ganhar muito dinheiro na Argentina", disse ela aos potenciais investidores.

O próximo item da agenda de Fernandez é obter apoio dos europeus. Ela planeja começar por Berlim no início de setembro, além de marcar presença no Clube de Paris, grupo dos principais países credores.

Fernandez acredita que é chegado o momento de a Argentina se abrir para o mundo novamente. Para ajudar o país a alcançar essa meta, ela planeja seguir a mesma cartilha de suas companheiras líderes femininas, "Hillary Clinton e Angela Merkel".

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]