
O incêndio na estação brasileira Comandante Ferraz, na Antártida, representa um atraso de até quatro anos nas pesquisas científicas realizadas na região. A Marinha estima que 70% da base foi destruída na madrugada de sábado, em um acidente que causou a morte de dois militares. Da base, restaram apenas as estruturas isoladas da área principal, entre elas os laboratórios de meteorologia e os tanques de combustível. As causas do fogo, que começou na casa de máquinas, estão sendo apuradas em um Inquérito Policial Militar.
A coordenadora da pós-graduação em Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Lucélia Donatti, que já esteve na estação em diversas ocasiões e acompanhava os trabalhos de quatro das cinco pesquisadoras paranaenses que atuavam no local quando ocorreu o incêndio, lamenta o episódio. Ela diz que as pesquisas mais prejudicadas serão aquelas que dependem da estrutura, mas que os trabalhos desenvolvidos nos laboratórios em alto-mar, presentes nos navios, deverão continuar. "O maior problema dessa tragédia é que não teremos mais a estação para manter as coletas, o que será uma grande perda para os trabalhos que avaliam resultados ano após ano. Mas acredito que as expedições marítimas vão continuar."
O governo brasileiro já decidiu reconstruir a base Comandante Ferraz, mas só poderá fazê-lo plenamente a partir de dezembro, período em que se inicia o verão no Hemisfério Sul, e que proporciona melhores condições de trabalho. De acordo com o ministro da Defesa, Celso Amorim, a previsão é que as obras levem dois anos para serem finalizadas. O ministro de Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, afirmou ontem que o governo deve usar o navio polar Almirante Maximiano como base provisória do Brasil na Antártida.
Prejuízos
Os prejuízos científicos com o desastre, no entanto, vão além da inviabilização das pesquisas na base. Com o incêndio, houve uma perda de pelo menos 40% dos dados coletados pelas equipes brasileiras, sem contar a destruição de equipamentos para pesquisa. Para a professora da UFPR, o que pode acontecer também é a tranferência do trabalho de alguns pesquisadores para os navios brasileiros da região onde há espaços para pesquisa. No entanto, isso poderia superlotar as embarcações. "O meu projeto, por exemplo, eu não levaria para um navio", afirma Lucélia, que estuda o estresse térmico de alguns peixes e outros vertebrados dos mares do sul.
Entre outros trabalhos desenvolvidos na região estão as pesquisas em torno dos impactos nas mudanças climáticas, sobre organismos e ecossistemas e o estudo da atmosfera.
Cientista sênior do programa antártico-brasileiro, Jefferson Cardia Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ponderou que o governo precisa reavaliar as dimensões da Comandante Ferraz, o que, em sua análise, será determinante para o futuro do projeto brasileiro no continente. "Incêndios em estações polares são recorrentes, infelizmente. Quando pega fogo, falta energia, e não há como bombear a água do mar. A estrutura da estação é toda metálica, mas dentro ela é de madeira, fios elétricos, tem muito equipamento eletrônico. Já tivemos perdas de várias estações por esse problema", acrescentou.
"A gente vai parar um pouco as pesquisas, com certeza", confirmou em entrevista a bióloga Yocie Yoneshigue Valentin, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Tem que olhar para frente e continuar." Os biólogos eram maioria entre os pesquisadores brasileiros na Antártida nesse verão. "Toda essa parte de mudanças climáticas tem influência direta nos organismos de lá. Por isso que é importante estudar biologia lá", explicou.



