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Shinzo Abe, primeiro-ministro do Japão | Keith Bedford/Bloomberg
Shinzo Abe, primeiro-ministro do Japão| Foto: Keith Bedford/Bloomberg

O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, esteve com líderes africanos em Nairóbi, no Quênia, há dois anos e delineou sua visão de uma vasta extensão do mundo, do Oceano Pacífico ao Índico, unidos pelo comércio e por uma visão de mundo política comum. Foi também uma declaração sobre as ambições mais amplas do Japão, que viu a China destroná-lo como a principal potência econômica da Ásia. 

A iniciativa do Japão, chamada de Indo-Pacífico Livre e Aberto, baseia-se nos princípios de livre comércio e liberdade de navegação, estado de direito e economia de mercado - e é parcialmente uma resposta à Nova Rota da Seda da China, que prevê investimento e infraestrutura fluindo para o oeste de Pequim em direção a África e Europa. 

O Japão está agora pensando com mais confiança, desafiando a ascensão da China e tentando se adaptar ao maior isolacionismo do governo Trump. No início deste mês, o plano Indo-Pacífico do Japão foi apoiado por líderes de toda a região da bacia do rio Mekong, no Sudeste da Ásia. O pacto foi reforçado por uma promessa de investimento em "infraestrutura de qualidade" que é financeiramente e ambientalmente sustentável, e apoiado por uma maior visibilidade para os navios de guerra do Japão nas rotas marítimas e portos da Ásia. 

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Em um reconhecimento das preocupações de Washington sobre a influência da China, o plano japonês também se tornou um objetivo chave da política regional, e um slogan, para os Estados Unidos. 

Grande parte da abordagem mais ousada do Japão remonta ao próprio Abe. O povo do Japão, disse ele durante a Assembléia Geral da ONU no mês passado, entende que sua miraculosa prosperidade no pós-guerra é baseada no livre comércio e "aguardava ansiosamente" seus líderes para atuarem como porta-bandeiras neste século para a vasta e nova classe média da Ásia. 

"A responsabilidade do Japão é realmente tremenda", disse ele na ONU. "Essa também é a missão do Japão, enraizada em sua própria história". 

Acordo abandonado por Trump faz parte da estratégia

Um dos pilares é o Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Trans-Pacífico, também conhecido como o TPP-11. É o sucessor do acordo comercial regional que o governo Obama projetou e foi abruptamente abandonado durante a primeira semana de Trump no cargo. 

Após a retirada dos EUA, Abe pessoalmente liderou um esforço maciço para salvar o TPP, convencendo 11 nações da Nova Zelândia ao Canadá a assinarem um novo acordo em Santiago em março. Espera-se que entre em vigor no próximo ano. 

Há um lado militar também. A constituição pacifista do Japão impede que tenha forças armadas com "potencial de guerra". Na prática, no entanto, as forças de autodefesa do Japão estão bem equipadas e se tornam mais visíveis na Ásia. 

No início deste mês, a nova brigada de tropas anfíbias do Japão participou de exercícios conjuntos com os fuzileiros navais dos EUA com o objetivo de retomar uma ilha "controlada pelo inimigo". E também veículos blindados japoneses foram usados em solo estrangeiro pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, em outro exercício militar nas Filipinas. 

No mês passado, um submarino japonês, um destróier porta-helicópteros e dois destróieres realizaram exercícios no Mar da China Meridional, no que foi visto como uma mensagem à China, que reivindica plena soberania sobre o mar. Outras nações, incluindo o Japão, se opuseram fortemente ao alcance militar da China no mar. 

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O submarino então ancorou no Vietnã, enquanto a frota de superfície se dirigia para as Filipinas e a Indonésia, antes de conduzir mais jogos de guerra com as marinhas britânicas, indianas e do Sri Lanka. 

"Oficialmente, o governo não diz que isso é sobre a China, mas certamente é sobre a China", disse Narushige Michishita, diretor de segurança e estudos internacionais do Instituto Nacional de Pós-Graduação em Estudos Políticos. "Ao manter o equilíbrio de poder na região, o Japão está tentando encorajar a China a caminhar em um caminho mais cooperativo". 

A China também foi o elefante na sala na cúpula Japão-Mekong, onde líderes do Camboja, Laos, Mianmar, Tailândia e Vietnã se juntaram a Abe expressando preocupações sobre "reclamações de terras" e liberdade de navegação no Mar da China Meridional. 

Jeffrey Hornung, cientista político da Rand Corp., disse que Abe trabalhou arduamente para unir as nações do Sudeste Asiático por trás de um compromisso compartilhado com uma ordem baseada em regras "para que eles pudessem resistir à China". 

"Isto é algo que tem sido desvalorizado ou subestimado nos EUA: que o Japão assumiu um papel muito importante nisso, ao pressionar e promover o estado de direito", disse Hornung. 

Japão muda de postura

O ressentimento pelo histórico de guerra do Japão nos anos 30 e 40 foi uma das razões pela qual Tóquio desempenhou um papel mais passivo na Ásia, deixando os Estados Unidos tomarem a liderança e dando seu apoio de forma mais discreta, dizem os especialistas. Mas com os Estados Unidos recuando sob Trump, o Japão foi forçado a se inclinar um pouco mais para frente. 

O fato de Abe, ao contrário de uma série de predecessores que ficaram pouco tempo como primeiro-ministro, ter desfrutado de seis anos no cargo sem uma batalha constante pela sobrevivência política, também lhe deu o luxo de desenvolver uma visão para a região, acrescentou Hornung. 

"A confiança de Abe parece ser um grande fator de motivação aqui", disse ele. "Por necessidade ou por desejo, o Japão está tentando partir para um papel maior com o qual não estamos familiarizados." 

Este mês, o Japão concordou em aprofundar os laços de defesa com a Austrália e em cooperar com a Nova Zelândia em segurança e desenvolvimento desde o Mar da China Meridional até as ilhas do Pacífico. 

 Tóquio não pode competir com Pequim na quantidade de dinheiro que está gastando globalmente, embora os compromissos de investir US$ 110 bilhões em infraestrutura asiática ao longo de cinco anos e US 30 bilhões na África sejam somas significativas. Aeroportos, portos e estradas, de Papua Nova Guiné ao Quênia, receberam investimento japonês, enquanto a Índia está obtendo uma ligação ferroviária japonesa entre Ahmedabad e Mumbai. 

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Mas o que diferencia o Japão, insiste repetidamente o governo, é a "qualidade" e não a quantidade do seu investimento, juntamente com um compromisso com a sustentabilidade ambiental e financeira e não criar uma carga de endividamento incontrolável. Com o Japão fixando este ponto, não é difícil se deparar com o Belt and Road, da China, que tem sido criticado por fracassar precisamente nessas frentes, dizem os especialistas. 

O Japão está adotando esta tática enquanto consegue melhorar as relações com a China. Abe fará a primeira visita oficial de um líder japonês a Pequim em sete anos. 

Isto contrasta com a abordagem mais confrontadora do governo Trump em relação à China e reflete o fato de que o Japão não pode arcar com o conflito com seu vizinho, disse Ryo Sahashi, diretor do Centro de Estudos Asiáticos da Universidade de Kanagawa. 

Mas Sahashi lamenta o fato de o Japão ter aprofundado laços com governos autocráticos no Camboja e em Mianmar, minando seu compromisso com um Indo-Pacífico livre. "A democracia em todo o mundo está em um ponto de inflexão, e nós temos que ser mais robustos, mais assertivos na promoção da democracia", disse ele. 

Mas Takashi Kawakami, presidente do Instituto de Estudos Mundiais da Universidade Takushoku, disse que Abe é inteligente em buscar uma abordagem "muito realista" da diplomacia para garantir a sobrevivência do Japão em tempos de preocupação. 

"Tenho a impressão de que o Japão parece estar mudando para uma diplomacia mais independente, longe de depender apenas da aliança EUA-Japão, ou de uma que seja a aliança EUA-Japão ‘plus', por assim dizer", disse ele.

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