Judas, uma das figuras mais repudiadas da História, não seria o traidor que vendeu Jesus a seus oponentes por algumas moedas de outro, mas o discípulo a quem foi designada a mais difícil missão: entregar o mestre em sacrifício. É exatamente isso que sugere o "Evangelho de Judas", um documento de 26 páginas, datado de 300 d.C. (depois de Cristo), que teve a sua autenticidade anunciada nesta quinta-feira.
O manuscrito foi encontrado no Egito em 1978, mas apenas nesta quinta-feira a National Geographic Society anunciou o término da sua restauração e tradução. Escrito em cóptico (idioma egípcio antigo), o "Evangelho de Judas" é considerado por alguns pesquisdores das escrituras sagradas como a mais importante descoberta arqueológica dos últimos 60 anos.
As análises de carbono 14, a tinta, o estilo de escritura e o conteúdo levaram à conclusão de que se trata de um texto escrito por volta do ano 300 d.C.A única cópia do evangelho foi descoberta em codex, um código antigo, anterior aos livros, que data do terceiro ou do quarto século depois de Cristo (d.C.). Acredita-se que o documento seja, na verdade, uma tradução do original, um texto grego escrito por uma seita cristã antes do ano 180 d.C.
A Bíblia descreve Judas Iscariotes, um dos doze Apóstolos de Jesus, como traidor. De acordo com o Novo Testamento, Judas teria entregue Jesus aos seus oponentes, que o crucificaram. Segundo o "Evangelho de Judas", no entanto, a atitude do Apóstolo teria sido incentivada por Jesus.
- Este longo Evangelho, escrito sob a perspectiva de Judas Iscariotes - considerado por 20 séculos e por centenas de milhares de pessoas como um traidor da pior espécie - apresenta uma visão completamente diferente da apresentada na Bíblia - afirmou Rodolphe Kasser, sacerdote e ex-professor da Faculdade de Artes da Universidade de Genebra, na Suíça.
A existência do "Evangelho de Judas" já era conhecida por um referência feita pelo bispo Irineo de Lyon no ano 180 d.C., em seu tratado "Contra a heresia".
O evangelho começa assim: "O relato secreto da revelação que Jesus fez em conversas com Judas Iscariote durante uma semana antes da celebração da Páscoa". Jesus diz a Judas no livro: "Tu superarás a todos eles. Tú sacrificarás o homem que me abriga".
Nele Judas é descrito como "o único discípulo que conhece a identidade verdadeira de Jesus", segundo George Wurst, professor da Universidade de Augsburg, na Alemanha.
Ele não o traiu, "mas só fez o que Jesus pediu", afirmou Craig Evans, professor de Novo Testamento da Acadia Divinity College, no Canadá.
O texto se enquadra na tradição dos cristãos gnósticos, que enfatizavam a importância do conhecimento - gnosis, em grego. Não se trata do conceito atual de conhecimento, mas sim de um conhecimento espiritual, do divino dentro do ser humano, que permite que a essência da pessoa escape da prisão do corpo e se eleve ao espaço celestial.
Por isso, Judas, ao entregar Jesus à morte, facilita sua saída do corpo e a libertação da divindade que carregava dentro de si, segundo explicou Wurst.
Evans lembra que em duas ocasiões Jesus fez pedidos em privado a dois de seus discípulos, segundo o Novo Testamento.
- É possível que o Evangelho de Judas tenha sido preservado na memória e que os outros discípulos não o conhecessem - disse.
Elaine Pagels, professora da Universidade de Princeton (EUA), destaca que os quatro Evangelhos aceitados pela Igreja Católica relatam os atos públicos de Jesus, mas não conversas privadas.
O padre Donald Senior, presidente da União Católica de Teologia dos EUA, disse que este texto não tem ligação com qualquer tradição histórica.
Em sua opinião, o documento usa os personagens dos livros canônicos, mas "é uma expressão de uma teologia específica", a gnóstica, em suas concepções de corpo humano e criação, que são muito diferentes das dos Evangelhos aceitados pela Igreja Católica.
Quem escreveu o "Evangelho de Judas" continua sendo um mistério. Em nenhum lugar é dito que foi Judas, mas isso não deveria derrubar sua veracidade, pois a autoria dos Evangelhos do Novo Testamento tampouco foi assegurada.
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