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A Justiça do Reino Unido condenou nesta quinta-feira (13) a juíza do Mecanismo Residual Internacional para Tribunais Criminais das Nações Unidas Lydia Mugambe por explorar e forçar uma jovem de Uganda, seu país natal, a trabalhar em sua residência em Londres como empregada doméstica e babá.
Um tribunal de Oxford considerou Mugambe culpada de múltiplos crimes, incluindo facilitação de entrada ilegal no país, exploração trabalhista e conspiração para intimidação de testemunha. Mugambe estava no Reino Unido concluindo um doutorado na Universidade de Oxford.

De acordo com a acusação, a magistrada de 49 anos, que também ocupa o cargo de juíza no Tribunal Superior de Uganda, abusou de sua posição para manipular e controlar a vítima, impedindo-a de buscar emprego formal e mantendo-a sob condições análogas à escravidão.
“Lydia Mugambe explorou e abusou [da vítima], aproveitando-se da falta de entendimento dela sobre seus direitos trabalhistas e enganando-a quanto ao verdadeiro motivo de sua vinda ao Reino Unido”, afirmou a promotora Caroline Haughey KC durante o julgamento.
A investigação que culminou na prisão e julgamento de Lydia Mugambe foi feita no ano passado e revelou que a juíza organizou a entrada da jovem ugandense no Reino Unido com a colaboração de John Leonard Mugerwa, então vice-alto comissário de Uganda em Londres – um cargo equivalente ao de um representante diplomático. Segundo os promotores, a vítima, cujo nome não foi divulgado, obteve autorização para entrar no país por meio de um patrocínio fraudulento emitido pela Alta Comissão de Uganda, a embaixada do país africano na capital britânica.
O esquema, descrito pela acusação como uma “troca de favores”, envolvia um acordo entre Mugambe e Mugerwa. Em troca do visto concedido à jovem, a juíza teria se comprometido a interceder junto a um magistrado em Uganda que estava conduzindo um processo no qual Mugerwa era mencionado.
A vítima chegou ao Reino Unido portando um passaporte de missão oficial, um documento normalmente reservado para funcionários em serviço diplomático. No entanto, em vez de desempenhar qualquer função oficial, foi submetida a exploração, sendo forçada a trabalhar sem remuneração como empregada doméstica e babá na residência de Mugambe. A investigação foi iniciada após denúncias.
Tentativa de escapar da Justiça e reação à prisão
A defesa de Mugambe negou as acusações, alegando que a jovem trabalhou para ela por vontade própria e sempre foi tratada “com amor, cuidado e paciência”. No entanto, o tribunal considerou que a ré manteve a mulher em um regime de servidão forçada, sem liberdade de escolha sobre seu próprio trabalho.
Ao ser presa pela polícia britânica em agosto de 2024, Mugambe demonstrou surpresa e tentou invocar imunidade diplomática para evitar a detenção.
“Eu sou juíza no meu país, eu até tenho imunidade. Eu não sou uma criminosa”, disse ela, conforme revelado por imagens da câmera corporal do policial que efetuou a prisão. Quando questionada sobre sua alegação de imunidade, reforçou: “Sim, eu tenho um passaporte diplomático”.
Entretanto, as autoridades esclareceram que qualquer imunidade de que ela pudesse ter usufruído havia sido formalmente revogada pelo Escritório do Secretário-Geral da ONU, permitindo sua responsabilização perante a Justiça britânica.
A vítima relatou ao tribunal britânico que se sentia “sozinha” e “presa” devido às restrições impostas por Mugambe. Segundo a promotoria, desde sua chegada ao Reino Unido, a jovem foi forçada a trabalhar sem pagamento e teve seus documentos retidos, sem liberdade para decidir seu próprio destino.
“Foi privada do direito de escolher seu emprego, de controlar seus documentos de identidade e ficou completamente subordinada a Lydia Mugambe”, explicou Haughey.
A condenação da juíza gerou forte reação na corte britânica. Testemunhas relataram que houve expressões de choque na galeria do público no momento em que o veredicto foi anunciado. Mugambe demonstrou sinais de mal-estar e precisou ser amparada.
A juíza da ONU será sentenciada no dia 2 de maio e pode enfrentar uma pena severa por seus crimes.
Mugambe integrava o quadro de juízes do Mecanismo Residual Internacional para Tribunais Criminais da ONU desde 2023. Este órgão foi criado pelo Conselho de Segurança da ONU em 2010 para concluir os processos pendentes dos antigos tribunais internacionais que julgaram crimes de guerra na ex-Iugoslávia e em Ruanda. Com sedes em Haia, na Holanda, e em Arusha, na Tanzânia, o tribunal é responsável por administrar julgamentos remanescentes e supervisionar sentenças de criminosos condenados por genocídio e crimes contra a humanidade.







