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Lula recebeu o ditador Nicolás Maduro na semana passada em Brasília
Lula recebeu o ditador Nicolás Maduro na semana passada em Brasília| Foto: EFE/André Borges

Na semana passada, após a visita do ditador Nicolás Maduro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília, Venezuela e Brasil divulgaram uma declaração conjunta na qual listaram uma série de metas a serem cumpridas com o restabelecimento das relações entre os dois países.

O item 38 da declaração aponta que, no seu encontro em Brasília, os dois mandatários “ressaltaram a necessidade de aumentar a articulação dos órgãos de inteligência e fortalecer as redes de informação dos dois países”.

É um compromisso que gera receio devido ao histórico dos serviços de inteligência venezuelanos sob o chavismo.

Há indícios de interferência desses organismos dentro da Colômbia. Em março, o ex-presidente colombiano Iván Duque (2018-2022) afirmou, em um evento em Washington sobre a Venezuela, que Maduro está utilizando o restabelecimento das relações com Bogotá, desde a chegada de Gustavo Petro à presidência no ano passado, para obter informações sigilosas e exercer pressão.

Ele argumentou que “o que chamam de cooperação de inteligência do DNI [Direção Nacional de Inteligência da Colômbia] com a inteligência da Venezuela é para facilitar as operações de espionagem da Venezuela na Colômbia”.

“A cooperação de inteligência entre Colômbia e Venezuela indica que o regime venezuelano está interessado em conhecer o trabalho histórico da inteligência colombiana [em parceria] com os Estados Unidos, Reino Unido e outros países”, afirmou Duque.

“Já se sabe que, a pedido expresso de Nicolás Maduro na Colômbia, começam a ser abertas investigações sobre generais que serviram ao país e que enfrentaram o terrorismo em nosso país e grupos terroristas que estão sendo protegidos por Maduro no território venezuelano”, acrescentou o ex-presidente da Colômbia.

Em maio de 2020, quando Duque ainda era presidente, o então ministro das Comunicações da Venezuela, Jorge Rodríguez, declarou que a presença de agentes infiltrados na inteligência e nas forças armadas colombianas permitiu obter informações para impedir um atentado ao palácio de Miraflores, sede da presidência venezuelana.

“Isso é fruto das infiltrações que temos dentro da inteligência colombiana, dentro da inteligência das forças armadas colombianas, que nos permitiram acessar muitas horas de gravações de Hernán Alemán [então deputado venezuelano] e Cliver Alcalá Cordones [general reformado detido nos EUA, ambos supostos participantes do complô]”, afirmou Rodríguez.

Cuba e Irã

Outro ponto preocupante numa futura parceria de inteligência entre Brasil e Venezuela seria o fato de que esses serviços no regime chavista têm relação íntima com outra ditadura: Cuba.

Em reportagem de 2020 do jornal colombiano El Tiempo, o general venezuelano Manuel Ricardo Cristopher Figuera, que foi chefe do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) até partir para o exílio em 2019, disse que a influência cubana “é muito alta” nos comandos militares, na inteligência e contrainteligência na Venezuela.

“Eles têm escritórios em quase todos os ministérios e em organismos altamente sensíveis, como o Ministério das Relações Exteriores, o Sebin, a petroleira PDVSA, a Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM), o Comando Operacional Estratégico das Forças Armadas, o Serviço Administrativo de Identificação, Migração e Estrangeiros, portos e aeroportos”, denunciou Figuera.

Na mesma reportagem, Julio Borges, chefe da Comissão de Relações Exteriores do governo venezuelano paralelo de Juan Guaidó (2019-2022), apontou que desde a ascensão do chavismo, no final dos anos 1990, mais de 220 mil cubanos passaram pela Venezuela.

“O próprio [ex-ditador cubano] Raúl Castro reconheceu que havia 20 mil [cubanos na Venezuela] dedicados a apoiar Maduro. Eles têm influência não só nas forças armadas, mas em setores como telecomunicações, petróleo, identidade nacional, cultura, saúde”, afirmou Borges.

Os serviços de inteligência venezuelanos também têm ligações com o Irã, um dos grandes inimigos do Ocidente. Um relatório de 2020 do think tank americano Atlantic Council destacou os laços de figuras importantes do chavismo, como o ex-chefe da contrainteligência militar venezuelana Hugo Carvajal Barrios, e o Hezbollah, grupo fundamentalista libanês considerado terrorista pelos Estados Unidos e que é apoiado por Teerã.

“A localização estratégica da Venezuela na América do Sul e na encruzilhada do Caribe oferece ao Irã e ao Hezbollah a capacidade de diminuir sua desvantagem geográfica em relação aos Estados Unidos”, descreveu o Atlantic Council.

“Para esconder esse relacionamento, [Hugo] Chávez e depois o regime de Maduro forneceram identidades duplas a alguns cidadãos do Oriente Médio, construindo uma rede clandestina que fornece inteligência, treinamento, fundos, armas, suprimentos e know-how para os regimes de Maduro e [Bashar al-]Assad [ditador sírio apoiado pelo Irã]”, acrescentou o think tank.

Direitos humanos

Para aumentar esse receio, no ano passado, a Missão Internacional Independente de Investigação da ONU sobre a Venezuela apontou que o Sebin e a DGCIM são diretamente utilizados pelo regime de Maduro “para reprimir a dissidência no país”.

“Com isso, estão sendo cometidos crimes graves e violações dos direitos humanos, incluindo atos de tortura e violência sexual”, afirmou Martha Valiñas, presidente da missão da ONU, que argumentou que essas ações por parte dos serviços de inteligência não foram atos “isolados”, mas parte de uma “máquina” repressiva “orquestrada” por Maduro.

Com esse histórico, causa no mínimo preocupação que o Estado brasileiro esteja disposto a compartilhar informações e articular parcerias com os serviços de inteligência venezuelanos.

Ainda não se sabe exatamente qual seria o alcance dessa articulação e quais informações seriam compartilhadas – a Gazeta do Povo solicitou maiores esclarecimentos ao Itamaraty sobre esses pontos, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

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