
Quando Ayham Ebrahim fugiu da guerra na sua Síria natal em 2016 e se juntou à mulher, que é pediatra, na Alemanha, estava ansioso para continuar sua carreira como clínico geral. No entanto, depois de chegar ao país que lhes ofereceu refúgio, em vez de encontrar um sistema disposto a empregar seus talentos, Ebrahim encontrou obstáculos e atrasos que o deixaram desanimado, desmoralizado e frustrado.
Somente alguns meses após sua chegada, ele conseguiu solicitar o status de refugiado. Isto atrasou o início das aulas obrigatórias de alemão. Em seguida, sua esposa conseguiu um emprego temporário em um hospital de pesquisa em Heide, a cerca de 80 quilômetros a oeste de Kiel, capital do estado de Schleswig-Holstein. Então, eles precisaram se mudar.
O problema é que não havia aulas de alemão na cidade menor, e ele foi obrigado a viajar duas horas em cada sentido para concluir o curso. "Foram os dias mais longos e frios que já passei", contou Ebrahim recentemente.
"Foi tudo muito difícil. Enquanto viajava no trem para assistir às minhas aulas, tive momentos em que achei que não conseguiria", afirmou sentado com o jaleco de médico na lanchonete da West Coast Clinic, conhecida pelas suas iniciais em alemão WKK, em Heide, logo depois de ter começado um estágio.
Inserção complicada
Os economistas preveem que até 2020, a Alemanha pode enfrentar um déficit de 1,8 milhão de trabalhadores qualificados para cargos tão diversos como médicos, garçons e pessoal de limpeza de hotéis. Os profissionais da área médica vão estar entre os trabalhadores estrangeiros mais desesperadamente procurados na Alemanha nos próximos anos.
Embora nenhum país permita que médicos estrangeiros trabalhem sem garantir que cumpram os padrões locais, os sírios na Alemanha reclamam que o sistema é muito complicado: existem, por exemplo, diferentes departamentos de acreditação em cada um dos 16 estados, que segundo eles têm padrões diferentes; e o processo exige espera de vários meses entre os exames de registro, o que aumenta as dificuldades.
Nos anos que se passaram desde que mais de um milhão de pessoas entraram na Alemanha buscando o status de refugiado e uma vida melhor, muitos esforços foram feitos e recursos foram gastos para saber se os recém-chegados poderiam contribuir com o desenvolvimento da maior economia da Europa. Números recentes mostram que podem, mas apenas se lhes for permitido.
Segundo dados da Agência Federal de Emprego da Alemanha, em maio, 306.570 refugiados – mais de um quarto de todos os registrados – tinham trabalhos que contribuiam para o sistema de bem-estar social. Embora essa seja uma pequena fração dos 63 por cento dos alemães que ocupam empregos em período integral, ou seja, 44,94 milhões, os números vêm aumentando constantemente.
Quando o Parlamento se reunir novamente após o recesso de verão, o governo da chanceler Angela Merkel planeja apresentar um projeto de lei que tornará mais fácil para os estrangeiros buscar trabalho na Alemanha. Uma proposta inicial exige que os candidatos tenham as qualificações necessárias, falem alemão e consigam uma oferta de emprego que garanta que possam se sustentar.
Os mais de 3.370 médicos sírios que já tratam de pacientes em hospitais e clínicas alemães provavelmente não serão afetados pela nova legislação.
A proposta, que o governo espera colocar em votação no parlamento antes do final do ano, chega em um momento de crescente debate sobre os refugiados na Alemanha. Um recente surto de violência na cidade de Chemnitz, no leste do país, indica um aumento do fervor nacionalista. Ativistas de extrema direita pediram aos partidários que saíssem às ruas para "defender" seu país dos imigrantes após o esfaqueamento fatal de um alemão de 35 anos. Um iraquiano e um sírio são suspeitos do assassinato.
O plano do governo também ocorre em meio à ascensão do Alternativa para a Alemanha, ou AfD, contrário aos muçulmanos, que entrou no parlamento no ano passado como o mais forte partido da oposição. O AfD tem sido uma das vozes mais incisivas contra a ideia de incluir uma cláusula na legislação que permitiria que os requerentes de asilo, que aprenderam alemão e encontraram emprego ou estágios enquanto esperavam pelas decisões sobre seu pedido, permaneçam no país depois de serem rejeitados.
"Estamos vendo um milhão de pessoas entrando no país por meio de uma imigração descontrolada, e isso não deveria ser legalizado depois do fato", disse Bernd Bauman, líder da bancada parlamentar da AfD, em agosto.
Desafio
Ainda assim, o país está lutando para preencher as vagas de profissionais médicos abertas por aqueles que estão se aposentando e por uma mudança geracional agravada pela demanda dos funcionários por um equilíbrio maior entre trabalho e vida pessoal e uma preferência dos jovens por mais cargos de meio período.
Mesmo assim, o chefe da associação de médicos na Alemanha quer introduzir a exigência de que médicos estrangeiros de fora da União Europeia passem por um exame equivalente ao dos estudantes de medicina alemães, em meio a preocupações de que muitos estrangeiros estão produzindo falsas qualificações médicas em seus países de origem.
Embora a ideia enfrente oposição de outros na profissão médica, a perspectiva é aterrorizante para Ebrahim e outros colegas. Eles já enfrentam exames rigorosos de idioma e licença antes de poderem praticar e argumentam que pedir que efetivamente refaçam um teste médico em uma língua estrangeira seria um fardo desnecessário.
Mahmoud Jalloud, de 43 anos, gastroenterologista de Raqqa, na Síria, que agora está vivendo em Lüneburg, no sudoeste de Hamburgo, passou seus cinco primeiros meses na Alemanha aprendendo a língua sozinho. Depois que finalmente conseguiu chegar a uma sala de aula, conta que se viu cercado de pessoas que pareciam estar ali apenas para preencher requisitos para conseguir benefícios.
"Eu terminei o estudo de Medicina no ano 2000 e investi outros sete anos para me especializar como gastroenterologista", contou Jalloud. "Agora, tenho que passar por tudo isso para ser reconhecido como clínico geral, e Deus sabe quanto tempo levará até que consiga trabalhar como gastroenterologista novamente."
"Só me pergunto por que a Alemanha não facilita para nós, os refugiados que estão interessados em aprender, trabalhar e contribuir para a comunidade", acrescentou.



