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Poster do político indiano Jayant Sinha, em Hazaribagh | SAURABH DAS/NYT
Poster do político indiano Jayant Sinha, em Hazaribagh| Foto: SAURABH DAS/NYT

Jayant Sinha é fã do Boston Celtics, formou-se pela Universidade de Harvard, trabalhou para a McKinsey. Nascido e criado na Índia, mas formado nos Estados Unidos, ele encontrou riqueza e sucesso em Boston. Seus amigos americanos dizem que sua visão política era moderada, talvez até progressista. 

Aí ele voltou para a Índia. Deixou de lado os trajes que usava quando era sócio da McKinsey, empresa de gestão e consultoria , dando preferência aos tradicionais kurtas. Juntou-se ao partido político governista hindu, se tornou membro do Parlamento e posteriormente ministro, liderando desfiles hindus e despejando pétalas de flores de um helicóptero sobre uma multidão de adoradores. 

Recentemente também elogiou oito suspeitos de assassinato que fizeram parte de uma multidão de hindus que, segundo autoridades, linchou até a morte um muçulmano desarmado e aterrorizado. Seu enaltecimento dos criminosos condenados se tornou uma jogada política sobre a qual os indianos não param de falar. 

Em todo o país, as imagens de Sinha colocando colares de calêndulas em torno do pescoço dos homens geraram debates e uma dúvida crucial: será que o estado da política indiana acabou tão envenenado pelo ódio sectário e pelo extremismo que mesmo um político ostensivamente internacional e bem-sucedido não consegue resistir à situação? 

2018 acabou se tornando o ano dos linchamentos na Índia. Dezenas de pessoas foram espancadas até a morte, muitas vezes a sangue-frio, por multidões de jovens entediados que ora espancam a cabeça de alguém, ora fazem uma selfie. Sugestões de quem deve ser morto correm rapidamente entre aldeias através da mídia social, especialmente o WhatsApp, e ninguém parece capaz de detê-las. 

Neste clima, alguns concluem que Sinha pode realmente ganhar votos com sua manobra. "Ele vai ter algum benefício. Não concordo com o que fez, só vai incentivar mais linchamento, mas Jayant temia que seu partido fosse deixá-lo de lado, e isso vai ajudar", disse Rajiv Kumar, vendedor de medicamentos homeopáticos e um dos eleitores de Sinha. 

Sinha diz que agora se sente mal por ter homenageado os condenados. "Em um ambiente altamente polarizado, o fato se tornou uma faísca e eu me arrependo de tê-la gerado. Não faria isso de novo", garantiu ele. 

Vida política

Uma organização política de centro-esquerda, o Congresso Nacional Indiano, dominou a política durante décadas. Mas, há quatro anos, esse cenário mudou: o Partido Bharatiya Janata, com suas raízes na supremacia hindu, teve uma vitória esmagadora, e a maior figura do partido, Narendra Modi, tornou-se o primeiro-ministro. Ele prometeu incentivar a dinâmica economia indiana, e recrutou Sinha, que construíra uma pequena fortuna nos Estados Unidos como consultor e gerente de fundos hedge, para ajudá-lo. 

Não importou muito o fato de que o pai de Sinha fosse membro do Parlamento indiano; com o apoio de Modi, venceu a eleição com facilidade e assumiu o lugar do pai. Logo se tornou ministro das Finanças e, em seguida, ministro da Aviação Civil, cargo que ainda ocupa. 

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Sinha, de 55 anos, possui uma bela casa em Chestnut Hill, área elegante perto de Boston, onde sua esposa ainda vive. Tem diplomas de algumas das melhores universidades do mundo, incluindo o Instituto Indiano de Tecnologia em Nova Déli, a capital da Índia, e a Faculdade de Administração de Harvard. 

Mas a área que ele representa, centrada na cidade de Hazaribagh (que significa "mil jardins") é pobre, problemática e socialmente conservadora. Localizada a mais de 800 quilômetros a leste de Nova Déli, no estado de Jharkhand, é lar de minas de carvão, de rebeldes maoistas e de gangues invasoras de terras. 

Membros do Rashtriya Swayamsevak Sangh, um grupo ideológico hindu de direita, saúdam a bandeira do grupo em Hazaribagh, ÍndiaSAURABH DAS/NYT

Como grande parte da Índia hoje, Hazaribagh está mais do que nunca polarizada entre a maioria hindu e a minoria muçulmana. Muitas pessoas apoiam grupos de justiceiros, especialmente os chamados protetores das vacas, que caçam aqueles que violam o tabu do hinduísmo contra a matança desses animais. 

O crime

Foi um grupo desses que atacou Alimuddin Ansari, comerciante muçulmano, na região de Sinha, no ano passado. Segundo um boato que se espalhou, Ansari estava transportando carne, e uma multidão o arrastou para fora de sua van e o espancou. Os policiais conseguiram salvá-lo, mas ele morreu horas depois, de lesões internas, disseram as autoridades. 

Sua família agora está falida. "Minha vida está condenada", disse Mariam Khatoon, a viúva. Ela estava sentada em uma cadeira de plástico na casa caindo aos pedaços, a base de concreto rachando sob seus pés. 

Mariam Khatoon, viúva de Alimuddin Ansari, em sua casa em uma aldeia perto de Hazaribagh, Índia.SAURABH DASNYT

A partir de um vídeo feito em um celular – os culpados alegremente tirando fotos de si mesmos enquanto batiam em Ansari –, os investigadores identificaram 12 culpados, e um tribunal condenou todos à prisão perpétua, exceto um menor. Porém, recentemente, uma corte superior lhes concedeu recurso, dizendo que a evidência era frágil. E para onde foram oito dos homens no momento em que a fiança lhes foi concedida? Para a casa de Sinha, onde ele os esperava com doces e colares de calêndulas. 

Ainda há um mistério sobre a morte de Ansari: um advogado representando alguns dos linchadores condenados disse que, sim, a multidão tinha batido nele, mas que, na verdade, foram os policiais que o espancaram até a morte, quando ele estava sob sua custódia. O advogado utilizou fotos que circulam em mídias sociais, mostrando Ansari aparentemente alerta e não muito ferido quando foi afastado daqueles que o atacaram. O tribunal ouviu muitos desses argumentos, mas os rejeitou. 

Reação duvidosa

Sinha disse que estava ajudando os condenados porque não havia nenhuma evidência de que haviam matado Ansari. Ele apoiou ativamente sua defesa, pagando várias centenas de dólares para um dos advogados e apresentando-o a um amigo experiente para produzir um apelo convincente. 

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Ele comemorou a libertação com doces e flores para mostrar como estava feliz por eles terem recebido uma nova chance na vida. Mas Sinha admite que nunca fez uma ligação de condolências à viúva de Ansari, que também é sua eleitora. Afirmou que era muito perigoso visitá-la, uma desculpa que levanta dúvidas. A casinha esquálida fica em uma rua tranquila. E com os destacamentos de segurança ministerial, é difícil imaginar alguém naquele bairro incomodando o político. 

As eleições nacionais estão agendadas para o próximo ano, e talvez Sinha estivesse se sentido vulnerável.

Sinha garantiu que tinha tentado ficar fora do caso, considerado tão polêmico, mas depois que analisou os arquivos se convenceu de que havia muito mais do que o que fora inicialmente relatado. Ele lamenta as guirlandas, mas não a ajuda aos condenados. "Para mim, é simplesmente uma questão de justiça", disse ele. 

Mas a crítica continua. Um grupo de funcionários públicos aposentados exigiu que Sinha renunciasse, dizendo que ele havia essencialmente emitido "uma licença para matar minorias".

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