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Centenas de imigrantes aguardam no porto de Lampedusa para serem transferidos para a Sicília
Centenas de imigrantes aguardam no porto de Lampedusa para serem transferidos para a Sicília| Foto: EFE/EPA/CIRO FUSCO

A pequena ilha de Lampedusa, situada ao sul da Itália, no Mar Mediterrâneo central, está sendo palco de uma grave crise humanitária, envolvendo a chegada de imigrantes.

O local tem recebido nos últimos meses um número recorde de imigrantes ilegais, a maioria deles africanos, que veem a ilha como sua única oportunidade de entrar na Europa e conseguir um refúgio de forma definitiva no continente.

Lampedusa está a 145 quilômetros da costa mais próxima da Tunísia, país localizado no norte da África. A Tunísia tem sido neste momento um dos principais pontos de saída para muitos imigrantes ilegais que pagam por travessias precárias através do Mar Mediterrâneo até o continente europeu.

Atualmente, a ilha italiana tem oficialmente cerca de 6,3 mil habitantes e apenas um centro de recepção para imigrantes com capacidade total para somente 400 pessoas.

É justamente isso que tem tornado a crise migratória em Lampedusa ainda mais preocupante, já que o número de imigrantes que chegam à ilha já ultrapassa o número total de habitantes e não existem mais locais para alojar tanta gente.

Aproximadamente 1.850 novos imigrantes desembarcaram em Lampedusa somente na última quarta-feira (13), o que elevou o número total de imigrantes na ilha para mais de 6,7 mil pessoas, informou a agência de notícias italiana Ansa.

Antes disso, na terça-feira (12), o promotor italiano Giovanni Di Leo tinha informado a repórteres que havia ocorrido um recorde impressionante em Lampedusa, com a chegada de 112 embarcações transportando mais de 5 mil imigrantes. Esse número superou significativamente o recorde anterior, estabelecido em agosto, quando 63 barcos trouxeram mais de 2 mil imigrantes para a ilha.

Com a chegada desses imigrantes, a população em Lampedusa, que antes era de somente 6,3 mil, mais que dobrou em apenas dois dias.

Imagens registradas pela mídia italiana na terça-feira mostravam diversas filas de barcos frágeis, lotados de pessoas, todos esperando para atracar no porto de Lampedusa e serem recebidos pelas autoridades.

A maioria das pessoas que chegam à ilha está sem dinheiro, cansada e com fome. Algumas apresentam quadros de desnutrição severa.

Em meio a toda essa crise, um bebê de apenas cinco meses de vida se afogou e morreu na quarta durante uma operação de resgate da Guarda Costeira italiana. O bebê, que estava junto com a sua mãe, uma adolescente da Guiné que não teve seu nome divulgado, caiu no mar enquanto o barco onde eles estavam era rebocado pela equipe de resgate para a costa da ilha italiana.

Todos os demais imigrantes que estavam no barco onde ocorreu a tragédia partiram da cidade tunisiana de Sfax, que tem sido o atual ponto de partida para muitas viagens marítimas até a Europa.

Flavio Di Giacomo, porta-voz da Organização Internacional para as Migrações (OIM) da Organização das Nações Unidas (ONU), disse na quarta-feira que a viagem muito mais curta a partir da Tunísia está incentivando mais tentativas de travessias ilegais rumo ao continente europeu.

Muitas vezes, essas travessias são feitas com embarcações menores e em estado precário, o que acaba tornando as operações de resgate ainda mais complicadas.

"O que está acontecendo em Lampedusa é que, pela primeira vez, a rota tunisiana se tornou muito movimentada, e é difícil de administrar [essa rota] em comparação com a rota líbia", afirmou Di Giacomo.

Cerca de 123.860 imigrantes chegaram à Itália desde o início de 2023, apontam dados do Ministério do Interior do país. Esse número é praticamente o dobro do que foi registrado no mesmo período em 2022.

Se o volume de chegadas ilegais continuar no ritmo que está, os números podem alcançar o pico de imigração registrado no ano de 2016, quando mais de 181 mil imigrantes ilegais chegaram à Itália pelo Mar Mediterrâneo.

De janeiro a agosto de 2016, houve cerca de 115 mil desembarques no país, em comparação com os 114.526 registrados no mesmo período agora em 2023.

Filippo Mannino, prefeito de Lampedusa, disse à agência de notícias Adnkronos na quarta-feira (13) que todos na ilha querem ajudar, mas o volume de trabalho tem deixado esgotados os voluntários e pessoas que tentam recepcionar os imigrantes.

"Estamos todos cansados e exaustos, fisicamente e psicologicamente. A situação está se tornando incontrolável e insustentável", afirmou.

As condições econômicas e sociais que só pioram na Tunísia e nos demais países africanos contribuem ainda mais para o aumento descontrolado da imigração na ilha italiana.

Na tentativa de mitigar a situação em Lampedusa, um número considerável de imigrantes que chegam ao local é periodicamente realocado pelas autoridades italianas para a Sicília.

Entretanto, essa transferência não acontece com a celeridade desejável quando as chegadas ocorrem em grandes volumes, como tem acontecido nos últimos dias.

Por causa disso, muitas pessoas acabam ficando sem um lugar para ficar, o que faz com que a distribuição delas na ilha se torne ainda mais complicada.

Francesca Basile, chefe de migração da Cruz Vermelha italiana, disse na quinta-feira (14) que a situação em Lampedusa neste momento é “certamente complexa” e que “gradualmente, estamos tentando regressar à normalidade”.

Basile afirmou também que “apesar da situação crítica, ainda tentamos distribuir camas para as pessoas a fim de evitar que elas durmam ao relento”.

O vice-primeiro-ministro da Itália e ministro das Relações Exteriores do país, Antonio Tajani, escreveu nesta semana em sua conta no X (novo nome do Twitter) que o governo italiano fará "o que for necessário para ajudar os moradores de Lampedusa e os migrantes que continuam a chegar à ilha".

Por sua vez, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, disse na segunda-feira (11) que estava convocando um painel ministerial para a segurança nacional com o objetivo de melhorar a resposta de seu governo ao aumento das chegadas de imigrantes ilegais ao país.

"Nosso objetivo é abordar o problema de maneira pragmática, com decisões rápidas e coordenadas", disse ela.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse a repórteres na quarta que o problema da imigração em Lampedusa “não diz respeito apenas aos países que recebem esse influxo [de imigração], é um problema do continente europeu e, em particular, da União Europeia".

Para Guterres, outros países do bloco devem tentar ajudar o governo italiano neste momento de crise.

"Devem existir mecanismos de solidariedade e compartilhamento de fardos que sejam eficazes nesse sentido", afirmou.

Fugas da guerra e do racismo no norte da África

A repressão aos imigrantes na Tunísia e o contínuo caos na Líbia, que enfrenta neste momento uma situação trágica após inundações decorrentes de uma tempestade terem vitimado mais de 11 mil pessoas no país, estão entre os principais fatores que têm impulsionado essa crise imigratória em Lampedusa.

A maioria dos imigrantes que se deslocam até a ilha italiana afirmam que são originários da Nigéria, Serra Leoa, Sudão, Chade, Tunísia, Guiné, Burkina Faso, Camarões e da Líbia.

Eles relatam ter pago cerca de 5 mil dinares tunisianos (aproximadamente R$ 7,9 mil na cotação atual) cada um pelos serviços de transporte de contrabandistas de pessoas.

Com frequência, esses contrabandistas enganam os imigrantes, prometendo uma travessia tranquila pelo Mar Mediterrâneo em embarcações inadequadas para o transporte de pessoas.

Aderindo à ideia de uma passagem segura, mas no fundo conhecendo os riscos, esses imigrantes encaram a travessia perigosa, com o sonho de chegar ao outro lado e iniciar enfim sua busca por uma vida melhor na Europa.

De acordo com a OIM, pelo menos 2.013 pessoas já perderam suas vidas ou desapareceram até o momento neste ano enquanto tentavam cruzar o Mar Mediterrâneo Central em condições precárias e perigosas.

Em junho deste ano, um triste acontecimento chocou o mundo, quando um único naufrágio no Mediterrâneo Oriental tirou a vida de pelo menos 82 imigrantes que queriam chegar à Grécia. Essa tragédia representou um dos eventos mais mortais envolvendo imigrantes na região e destaca mais uma vez a gravidade da situação.

O aumento nas travessias marítimas a partir do norte da África também é um sintoma preocupante da falta de segurança e estabilidade no continente.

A África tem sido palco de diversos golpes de Estado e vê crescer a cada ano o número de pessoas que vivem em estado de vulnerabilidade social.

Na Itália, a única abordagem que as autoridades do país têm adotado para aliviar a sobrecarga no centro de recepção de Lampedusa é transferir os imigrantes para outras regiões do país.

Recentemente, o site europeu Euronews conversou com alguns dos recém-chegados a Lampedusa, que estavam a bordo de uma balsa que tinha como destino a cidade siciliana de Porto Empedocle.

A maioria dos que estavam a bordo da balsa, segundo a reportagem, eram imigrantes provenientes da África subsaariana, que fugiram da Tunísia devido a uma série de ataques racistas direcionados contra africanos negros que residem naquele país.

Duas mulheres africanas, uma originária da Costa do Marfim e a outra de Burkina Faso, decidiram falar sobre suas decisões de deixar o continente africano.

À Euronews, a marfinense afirmou anonimamente que “as pessoas tunisianas não queriam nos ver lá. Eles não gostavam de nós, não nos sentíamos bem-vindos. É por isso que partimos. Não fui deportada para o deserto. Meus amigos foram. Sabemos que pessoas morreram lá", disse.

A outra mulher afirmou, também anonimamente, que deixou Burkina Faso por causa da guerra. Ela contou que até tentou viver na Tunísia, mas o racismo da população local a fez mudar de ideia; por isso decidiu se deslocar até a Itália.

“Não aguentei ficar lá [na Tunísia]. Foi muito difícil porque eles não gostam de pessoas negras", disse.

Um dos imigrantes que conversou com o site europeu disse que está sendo bem recebido na ilha de Lampedusa, apesar da falta de alojamento e dos graves problemas para se manter.

"Há muita solidariedade aqui entre os locais. Eles [a população de Lampedusa] merecem o Prêmio Nobel da Paz”, disse.

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