Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Memória

Muito mais do que o “Rei do Pop”

Excentricidade e escândalos envolvendo Michael Jackson não destroem o legado deixado pelo ícone do entretenimento

Michael Jackson em apresentação do show “Dangerous”, em agosto de 1993, no Estádio Nacional de Bangcoc | Pongsak Chaiyanuwong/AFP
Michael Jackson em apresentação do show “Dangerous”, em agosto de 1993, no Estádio Nacional de Bangcoc (Foto: Pongsak Chaiyanuwong/AFP)

Nova Iorque - Quando Michael Jackson se ungiu como "Rei do Pop", cerca de duas décadas atrás, houve um considerável barulho sobre seu excesso de confiança: sim, ele pode se tornar uma sensação mundial com o recorde de vendas de "Thriller", e, sim, ele pode conseguir uma sequência de hits no topo das paradas com sucessos como "Billie Jean" e "Beat It", mas o rei de toda a música pop?

Certamente, na história da música moderna que nos deu Elvis Presley, os Beatles, Stevie Wonder e tantos outros grandes artistas, aquele título era mais do que um pouco inflado. Mas, na verdade, Jackson entendia seu significado.

Se sua dança de movimentos rápidos e sua voz sensual aguda influenciou gerações de músicos, Michael Jackson significou muito mais do que a grandeza do pop – ou a bizarrice dos tabloides. Um dos grandes ícones do entretenimento, ele era absurdamente talentoso e igualmente um gênio perturbado que nos manteve cativados, tanto em seus períodos mais brilhantes e como nos mais espantosos.

No auge de sua fama, ele estava dentre as figuras mundiais mais amadas. Chefes de Estado clamavam para se encontrar com ele, lendas do cinema como Elizabeth Taylor estavam entre suas amigas mais próximas e, em todo mundo, de Los Angeles ao Laos, a simples menção de seu nome fazia com que as pessoas fizessem os passos conhecidos como moonwalk. O jornal The New York Times uma vez o descreveu como uma das seis pessoas mais famosas do planeta.

Sua voz sussurrada e incomum era constantemente imitada, seu chapéu e sua figura esguia era instantaneamente reconhecida, sua imagem infantil evocava ternura.

Ele influenciou artistas de Justin Timberlake a Madonna, do rock, pop, rhythm’n’blues e até mesmo do rap, cruzando gêneros e grupos que nenhum outro artista foi capaz de unir. Ele mudou os vídeos musicais com "Thriller" em 1983, ainda considerado pela maioria com o melhor vídeo clipe já realizado. Estrelas como Beyoncé continuam a imitar seus movimentos.

Sua luva, meias brancas e jaquetas brilhantes fizeram dele um lançador de tendências de moda, tornando a androginia sexy e até segura.

Excentricidade

Quando sua imagem começou a ruir, tornando-se deformada e perturbadora, esse aspecto, também, foi maior do que a vida. As múltiplas cirurgias plásticas pelas quais ele passou e o vitiligo, que o transformou de um homem negro de aparência masculina em uma figura franzina, pálida e quase sem nariz, foi tomada como o padrão para cirurgias plásticas mal feitas e ele tornou-se um personagem de aparência extravagante.

Seu comportamento excêntrico deixou as pessoas confusas e quando surgiram alegações (e mais tarde acusações criminais) de que ele havia molestado sexualmente dois meninos em ocasiões diferentes, as pessoas sentiram-se repelidas por seu suposto comportamento e pelo homem que o ex-ídolo havia se tornado. Jackson entrou em nossa consciência pública com um pré-adolescente em 1969, um inacreditável cantor de uma banda familiar, o Jackson 5.

O artista que se tornaria uma lenda da Motown interpretava músicas como "I Want You Back" e "I’ll Be There" com uma paixão e emoção que camuflavam as dificuldades de sua infância. Já naquela época, seus movimentos de dança, no estilo James Brown e Jackie Wilson, eram bonitos e sua presença superava a de veteranos.

As luzes começaram a se apagar quando ele chegou ao fim da adolescência. Ele ainda tinha o rhythm’n blues do grupo Jacksons (o ex-Jackson 5, que mudara de nome), mas parecia que nunca conseguiria o sucesso que conquistara quando criança.

Conheceu Quincy Jones e seu horizonte musical mudou. Com o legendário produtor, Jackson produziu Off the Wall, o que para muitos artistas seria o álbum definitivo de sua carreira, com a clássica "Don’t Stop Til You Get Enough" e a balada "She’s Out of My Life".

O disco mostrou ao mundo Michael Jackson como um artista maduro, com sua voz de alto soprano e melhor na comparação com seus vídeos prévios, já antevendo a mágica dança que viria.

Ele era um jovem de 21 anos que falava com voz sussurrante e alta e que continuava a viver na casa dos pais. Jackson havia feito sua primeira e pouco anunciada cirurgia plástica no nariz e se dizia virgem. Numa indústria conhecida pelo hedonismo, ele certamente era uma figura estranha. Mas sua vida particular ainda iria se entrelaçar com sua imagem pública. Jackson começou a mudar durante Thriller, o álbum que se tornaria seu maior sucesso e o definidor de sua carreira.

Também produzido por Jones, ele mostrava ainda mais o talento de compositor do cantor. O disco vendeu mais de 50 milhões de cópias e tornou-se o mais vendido do mundo, conquistou sete top 10 da Billboard, incluindo duas primeiras colocações para "Billie Jean" e "Beat It". O álbum conquistou a marca, até então sem precedentes, de oito Grammys e vários outros prêmios.

Barreiras

Ele quebrou as barreiras raciais da MTV, tornando-se o primeiro artista negro a ser destacadamente mostrado na jovem emissora a cabo, mais ligada ao rock. Isso aconteceu quando sucessos como "Billie Jean" e "Beat It" tornaram-se tão grandes que não puderam ser ignorados.

Jackson também estabeleceu o padrão de como os videoclipes seriam produzidos, com uma impressionante cinematografia que lembrava os grandes musicais do cinema. O incrível talento de Jackson como dançarino foi mostrado ao mundo durante sua performance, indicada ao Emmy, no 25º aniversário da Motown. A apresentação ainda é considerada um dos mais eletrizantes momentos da televisão, dos passos de moonwalk aos movimentos pélvicos.

Mas, na medida em que a fama de Jackson crescia, suas excentricidades também ficavam maiores. Sua estranha afinidade com crianças e com o mundo infantil, a imagem às vezes assexuada e a fascinação por cirurgia plástica, começaram a prejudicar sua imagem brilhante. Com o passar dos anos, essas "excentricidades" se tornariam mais bizarras e atrapalhariam completamente sua reputação.

Sua pele, que era escura, tornou-se pálida, uma transição que, segundo ele, ocorreu por causa do vitiligo, embora muitos acreditem que ele simplesmente clareou a pele para parecer mais caucasiano. Essa crença foi amparada em suas frequentes cirurgias plásticas, nas quais ele afinou seu nariz. Sua imagem era agressiva, em vez de suscitar ternura.

Se suas cirurgias plásticas fizeram dele um alvo, as alegações sobre abuso de crianças aproximaram as críticas. Primeiro, ele foi acusado de molestar um menino de 13 anos em 1993. Nenhuma acusação foi formalizada, um acordo civil foi estabelecido fora dos tribunais e ele sempre alegou inocência. Embora tenha vendido bastante o álbum "History", de 1995 e ainda fosse uma estrela, sua imagem havia sofrido com as acusações e ele nunca se recuperaria.

Uma acusação criminal de assédio de outro menino em 2004, que resultou em sua declaração de inocência em 2005, diminuiu a capacidade de Michael no mercado. Foi sobrepujado por problemas legais e financeiros, já que processos contra ele eram abertos quase semanalmente.

Um retorno parecia improvável. Sua reputação foi considerada irreparavelmente prejudicada, sua imagem ridicularizada e seu nome uma piada. Mas, quando anunciou que faria uma série de apresentações em Londres, na O2 Arena, não só os ingressos para as primeiras apresentações se esgotaram imediatamente, mas a demanda foi tão insaciável que ele assinou contratos para mais 50 shows. Jackson deveria iniciar uma turnê mundial depois do final da série de shows que terminaria em março.

O legado que ele deixa é tão rico, tão profundo, que nenhum escândalo pode destruí-lo.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.