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Jiang Shuiqiu, gerente de uma loja de pesca na cidade de Changsha, China, na Província de Hunan, usa o aplicativo Estude a Grande Nação, 21 de março de 2019. Jiang tem sido elogiado na imprensa local por sua alta pontuação no novo aplicativo dedicado à promoção do presidente Xi Jinping e do Partido Comunista – um equivalente do Livro Vermelho de Mao da era digital
Jiang Shuiqiu, gerente de uma loja de pesca na cidade de Changsha, China, na Província de Hunan, usa o aplicativo Estude a Grande Nação, 21 de março de 2019. Jiang tem sido elogiado na imprensa local por sua alta pontuação no novo aplicativo dedicado à promoção do presidente Xi Jinping e do Partido Comunista – um equivalente do Livro Vermelho de Mao da era digital| Foto: NYT

Em uma loja de material de pesca numa rua movimentada da cidade, o proprietário está sentado atrás do balcão, usando um smartphone com fúria para melhorar sua pontuação em um aplicativo que não tem nada a ver com varas, carretéis e iscas.

O proprietário, Jiang Shuiqiu, veterano do Exército de 35 anos, tem uma obsessão diferente: ganhar pontos no Estude a Grande Nação, um novo aplicativo dedicado a promover o presidente Xi Jinping e o Partido Comunista governante – uma espécie de equivalente de alta tecnologia de "O Pequeno Livro Vermelho" de Mao Tsé-Tung. Jiang passa várias horas por dia no aplicativo, lendo notícias sobre Xi e revendo teorias socialistas.

Dezenas de milhões de trabalhadores, estudantes e funcionários públicos chineses estão usando o Estude a Grande Nação, muitas vezes por pressão do governo. Isso é parte dos planos de Xi de fortalecer o controle ideológico na era digital e de reafirmar a primazia do partido no centro da vida chinesa, como já o fez Mao.

"Devemos amar nosso país. Estamos cada vez mais fortes", disse Jiang, uma das maiores pontuações no aplicativo em Changsha, a capital da província de Hunan.

Muita gente adotou o aplicativo como forma de patriotismo, mas outros o veem como uma tarefa imposta por autoridades zelosas e como outro sinal de um culto crescente à personalidade de Xi, talvez o líder mais poderoso da China desde os tempos de Mao.

"Ele está usando novas mídias para fortalecer a lealdade", disse Wu Qiang, analista político em Pequim, que comparou o Estude a Grande Nação ao livrinho de citações de Mao, que foi amplamente distribuído durante a caótica e violenta Revolução Cultural.

Parte da rotina diária, quer gostem ou não

Desde seu lançamento este ano, o aplicativo é o mais baixado na App Store da China, com a imprensa estatal dizendo que há mais de cem milhões de usuários registrados – quantidade de dar inveja a qualquer criador de novos aplicativos.

Mas os números são divulgados em grande parte pelo partido, que pediu a milhares de oficiais por toda a China que se assegurassem de que o aplicativo fizesse parte da rotina diária do maior número possível de cidadãos, quer gostem ou não.

As escolas ridicularizam os alunos com baixa pontuação no aplicativo. Os escritórios governamentais realizam sessões de estudo e forçam os funcionários menos interessados a escrever relatórios com autocríticas. Empresas privadas, na esperança de conquistar favores de autoridades do partido, fizeram um ranking de funcionários com base no uso do aplicativo, premiando os melhores com o título de "aluno exemplar".

Muitos empregadores agora exigem que seus funcionários apresentem capturas de telas diárias documentando quantos pontos obtiveram.

A propaganda é onipresente na China, mas os especialistas dizem que o Estude a Grande Nação é diferente, porque o governo está forçando as pessoas a usá-lo e punindo aqueles que trapaceiam ou que não se dedicam tanto.

O aplicativo permite que os usuários ganhem pontos ao se inteirar das notícias sobre Xi. Assistir a um vídeo sobre sua recente visita à França, por exemplo, garante um ponto. Gabaritar um questionário sobre suas políticas econômicas vale dez pontos.

Repressão mais ampla

O aplicativo surge no momento em que Xi, que chegou ao poder em 2012, conduz uma repressão mais ampla à liberdade de expressão na China, aprisionando dezenas de ativistas, advogados e intelectuais, e impondo novas restrições aos meios de comunicação. Ele frequentemente fala sobre o que chama de "necessidade de se proteger contra ameaças online", advertindo que o partido pode perder o controle se não dominar a mídia digital.

"Não há segurança nacional sem segurança na internet", disse Xi em um discurso este ano. "Se não conseguirmos ter sucesso na internet, não seremos capazes de manter o poder em longo prazo."

David Bandurski, codiretor do Projeto de Mídia da China, disse que o aplicativo era uma maneira de Xi garantir que as famílias chinesas participem da vida do partido num momento em que muitos consideram a propaganda algo empolado e irrelevante.

"Lealdade ao partido significa lealdade a Xi Jinping", disse Bandurski.

O aplicativo, que também oferece dados mais leves sobre a cultura tradicional, a história e a geografia chinesas, apresenta uma versão censurada dos acontecimentos recentes. Tópicos como a detenção maciça de muçulmanos na China não são incluídos.

"Não dá pra desviar a atenção"

Na Universidade de Hulunbuir, no norte do país, funcionários da instituição monitoram a pontuação de mais de 1.100 professores e alunos que usam o aplicativo como parte dos esforços para espalhar as ideias de Xi, conhecidas na China como Pensamentos de Xi Jinping.

"Todo mundo estuda voluntariamente e tem pontuações muito altas", disse Bai Mei, professor de ideologia na universidade.

Nem todo mundo está entusiasmado. Em entrevistas, estudantes e trabalhadores reclamaram que os superiores os castigavam publicamente por baixas pontuações. Outros disseram que os chefes ameaçaram deduzir o pagamento ou reter bônus caso o aplicativo não seja usado com mais frequência. Eles não quiseram fornecer seus nomes por medo de punição, mas alguns reclamaram online.

"Que tipo de fenômeno é esse?", escreveu um usuário no Weibo, site de mídia social popular, reclamando de uma dedução salarial. "Meu Deus, o que aconteceu com o partido agora?"

Os críticos dizem que Xi está se intrometendo na vida privada de cidadãos chineses de uma maneira que o partido sempre evitou desde a era Mao. O aplicativo faz com que as mensagens do partido sejam difíceis de ignorar, atribuindo pontos apenas quando um artigo foi lido completamente e um vídeo foi assistido por pelo menos três minutos.

"Não dá para desviar a atenção", disse Haiqing Yu, professor que estuda a mídia chinesa na Universidade RMIT, na Austrália. "É uma espécie de vigilância digital. É um novo nível da ditadura digital."

O aplicativo, que foi desenvolvido pelo Departamento de Propaganda do partido e pelo gigante da tecnologia Alibaba, está disponível na App Store da Apple e em lojas de aplicativos Android na China. O Departamento de Propaganda mantém os dados do usuário.

Não se sabe até que ponto o governo rastreia os usuários do Estude a Grande Nação, mas o aplicativo exige que as pessoas forneçam um número de celular para se cadastrar e um número de identificação nacional para acessar os recursos de videoconferência e de bate-papo.

O Departamento da Propaganda não quis comentar, assim como o Alibaba, listado na Bolsa de Valores de Nova York.

Burlando o aplicativo

Dadas as pressões para usar o aplicativo, uma indústria para burlá-lo floresceu, envolvendo pelo menos uma dúzia de produtos. Um homem que divulgou suas informações de contato em um anúncio online para enganar o software disse em uma entrevista que muitos de seus mais de mil clientes viam o aplicativo como um fardo imposto pelos chefes. Ele se recusou a fornecer seu nome por medo de retaliação.

O governo se moveu rapidamente para processar quem tentava fraudar o aplicativo e também para limitar a crítica. Recentemente, policiais na província de Jiangxi prenderam um homem que vendia esse tipo de software por cerca de US$ 13. A polícia disse que ele possuía um negócio ilegal.

A imprensa estatal está cheia de ótimas avaliações do aplicativo, incluindo histórias sobre funcionários de hospitais diligentes e professores de jardim de infância que abrem o Estude a Grande Nação logo que acordam.

O jogo inspirou vídeos de guardas prisionais, raps de crianças e coreografias bajulatórias feitas por trabalhadores de usinas de energia. Alguns membros do partido sugeriram que o aplicativo pode ser usado como uma ferramenta de namoro, buscando possíveis companheiros ("Se você vir um sujeito no metrô usando o aplicativo, deve se casar com ele", diz a propaganda).

Em Changsha, que coincidentemente fica a uma hora de carro da casa de infância de Mao, a imprensa local elogiou Jiang, o proprietário da loja de material de pesca, por sua pontuação elevada. Ele e sua esposa às vezes respondem perguntas do aplicativo juntos durante o jantar, ao lado de seu filho de nove anos.

Jiang disse que seu treinamento militar o inspirou a se dedicar plenamente ao Estude a Grande Nação. Ele afirma que usar o aplicativo o deixou ainda mais patriótico.

"O presidente Xi tem o sonho do grande renascimento. Quando os jovens são fortes, a nação é forte."

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